A APOLOGIA DE SÓCRATES
PARA NOSSO TEMPO
Fato dos mais intrigantes na historiografia, sem prejuízo de outros, que os há muitos, foi a condenação do filósofo grego Sócrates, no ano 399 a.C em Atenas. Mesmo devido o abismo que, em todos os sentidos, nos separa esse absurdo, o evento vige até hoje, como exemplo do ódio e da impudicícia a que tem se servido certo vezo do espírito humano.
O exemplário da infâmia parece não refrear-se, quando até hoje observamos, mesmo entre os supostos homo sapiens, viralizar nos meios sociais, a virulência do rancor, da malignidade e o desrespeito à dignidade das pessoas.
É o sinal sintomático de que a desfaçatez e a apologia ao ideologismo inconsútil e desconstrutivista rodeiam nosso mundo, corroendo nossa maneira de ser, trabalhar e viver.
Reviver esse acontecimento em pleno século 21, na plenitude ademais da virulência de uma pandemia que apavora todos — penso ser sintomático e até de certo modo educativo.
Não é, nem nunca nos foi desconhecido, pelo menos às pessoas até de mediana compreensão e estudo, o saber que Sócrates (470-399 a.C) foi um dos maiores filósofos — por conseguinte, sábio — que existiu em toda nossa história, antiga e contemporânea.
Sabemos também que Sócrates, de origem humilde, filho de uma simples parteira, perambulava pelas ruas e praças, as ditas ágoras, da cidade de Atenas, não como ambulante, esmoler ou pessoa sem eira nem beira, mas, sim, um filósofo, sábio, cujo intento era falar com as pessoas, manter com elas diálogo instigante e construtivo. A finalidade, a intenção daquele filósofo de vestes simples, por vezes até descalço, era a mais justa, conspícua e sábia possível: conhecer as pessoas e, através do diálogo, da pergunta e resposta do abordado, numa espécie de troca de ideias e pensamentos, ensinar-lhes a serem mais éticos e, sobretudo, pelo método dialético, por ele mesmo criado, a maiêutica, pelo qual as pessoas entrevistadas melhorariam a maneira de ver o mundo e pensar, tendo por objetivo auferir conhecimentos, alcançar a verdade e praticar o bem como seus melhores paradigmas.
Qual teria sido o crime cometido por Sócrates do qual era acusado e depois condenado pelo quórum de cidadãos de Atenas? A acusação seria desconhecer o Estado de Atenas, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Seus principais acusadores eram o poeta Meleto e o político e orador Anitos. Seria julgado por cidadãos da pólis e, uma vez condenado, a pena era a morte. Cabia pedido de clemência, o que significava aceitar a acusação. Cidadão ínclito como se dizia, o maior filósofo pela profecia de Delfos, Sócrates não se permitiu pedir clemência — preferiu a morte por cicuta.
Então Platão escreveu a Apologia de Sócrates, como teria feito sua defesa perante o júri que o condenaria. Trata-se de uma peça de oratória das mais notáveis, um pleito inequívoco de sua defesa de um lado, do outro preito de alocução acusatória aos que injustamente o delatavam à comunidade.
E o que dizer sobre os acusadores de Sócrates? Meleto, poeta e Anitos, político e orador. Ora, sabe-se que Platão tinha diferença com os poetas, basta vê que em sua República considerava-os desmerecedores de a ela pertencerem, por serem sonhadores e falazes em seus ofícios. Quanto aos políticos, não os tinha em boa conta, uma vez que, à época, Atenas aderia à tirania de há muita adotada por Esparta.
Atenas, portanto, sofria transformação e toda a Pólis, então sob pressão da tirania, não podia aceitar as ideias e a conduta de um filósofo, como Sócrates, que fazia perguntas perturbadoras ao povo sobre o que era virtude, piedade, justiça em termos de ética e estética e a busca do conhecimento.
Em sua defesa, Sócrates, pela alocução insofismável de seu amigo e aluno Platão, desmoraliza a ação de seus detratores, Meleto sobretudo por arguir suspeitas inverídicas, no que na verdade ele exercia o discipulado dos sofistas, de cujos ideais participava, estes inimigos ferrenhos de Sócrates. O filósofo denunciava seus ensinamentos imprudentes, falaciosos e por terem por escopo único auferir recursos. Já antes no diálogo com Protágoras, Sócrates teria se confrontado com aquele sofista, cuja ação e pensamentos discordara, inclusive daquele impertinente paradigma de que “ — O homem é a medida de todas as coisas”.
É de vê-se que o julgamento de Sócrates já se maculava de imperfeição, desde sua origem. Era os representantes da Pólis que se viam preteridos por aquele malicioso filósofo, constituía-se um obstáculo às pretensões dos magistrados, tornava-se urgente demolir aquele inconveniente inquisidor popular.
Não
será fora de propósito aplicar o grande erro do julgamento de Sócrates, que se sucederam em outros casos,
como a condenação de Joana d”Arc, o julgamento Dreifus e por que não, também,
aos atos de certo infamantes nos dias atuais, quando, por simples impertinência
e ignorância, tenta-se desmoralizar a figura magnânima de um indomável
idealista, defensor da moral e do personalismo cristão com o viés intuicionista.
CDL/Bsb, 10.02.22