MISERICÓRDIA
E ÓDIO
João
Baptista Herkenhoff
O admirável Papa Francisco instituiu 2016 como o Ano Jubilar da
Misericórdia. O tempo de Natal é muito apropriado para refletir sobre o tema.
A
iniciativa de Francisco tem pertinência com o mundo contemporâneo? Creio que
sim.
As
guerras entre países, as lutas fratricidas dentro de um mesmo país, os anátemas
contra os divergentes, a intolerância política, religiosa, racial – todos estes
fatos demonstram que nosso tempo está carente de misericórdia.
Somente
o toque da graça de Deus no coração humano poderá impedir que o Caim
de hoje continuei a matar o irmão Abel. Somente quando todos os
homens entenderem que somos filhos de um mesmo Pai e, portanto, todos irmãos, é que poderá haver paz e
harmonia. Somente quando a luz da Fé brilhar no coração humano é que poderemos
criar um mundo onde o homem não precise mais implorar por seus direitos
humanos.
Vejo
muita intolerância no Brasil de hoje. Não se respeitam as divergências
políticas que são absolutamente legítimas num sistema democrático.
Quem
está a favor de Lula ou Dilma é bandido para quem está contra. Quem está contra
Lula ou Dilma é inimigo da Pátria, na ótica de quem está a favor desses
líderes.
Em
síntese: todos se consideram donos da verdade. A minha verdade deve ser a
verdade geral. Quem não pensa, como eu penso, está errado. No inconsciente de
muitos vive uma ideia que, por medo, deixa de ser expressada: morte aos divergentes ou, pelo
menos, cassação da palavra aos divergentes.
Parece-me
que se faz necessário estabelecer, no Brasil de hoje, uma grande corrente em
favor da complacência, da transigência.
Isto
não significa abrir mão de princípios, nem abdicar da luta em busca da
concretização de nossas opções políticas ou ideológicas. Apenas ter consciência
de algo muito simples: não sou dono da verdade, não sou um deus, não sou
iluminado. Sou apenas um ser humano.
- magistrado
aposentado (ES), professor e escritor. Acaba de publicar: A
Fé e os Direitos Humanos (Porto de Ideias Editora, São Paulo).E-mail: jbpherkenhoff@gmail.comSite: www.palestrantededireito.com.br
- João
Baptista Herkenhoff
A bicicleta é um transporte alternativo que deve ser valorizado,
se pensamos em políticas públicas centradas em referenciais de humanismo.
O ciclismo faz bem à saúde. A bicicleta
reclama do ciclista postura correta, participação das pernas na pedalagem e dos
braços no manejo do volante, além de respiração correta e atenção. O ciclismo
oxigena o cérebro, constitui passatempo para o espírito, desenvolve a
inteligência.
Andar de bicicleta lembra-me a infância em
Cachoeiro de Itapemirim, cidade localizada no sul do Espírito Santo, a terra do
cronista Rubem Braga. Ruas com calçamento de paralelepípedos, poucos carros,
nenhum motorista correndo. Trânsito realmente humano, quase diria trânsito
fraterno. A convivência entre carros e bicicletas era absolutamente tranquila.
Não me recordo de um único atropelamento de ciclista, por carro, ou de
pedestre, por ciclista.
Em países adiantados e cultos, como a França,
o ciclismo é um esporte que desfruta da adesão de altíssimo percentual da
população. No Brasil, temos também cidades de ciclistas, como Joinville, em
Santa Catarina.
Se praticado em grupo o ciclismo é, no caso
dos jovens, um valioso instrumento de socialização e, no caso dos idosos, um
remédio contra a solidão.
Embora tenha seu maior contingente de adeptos
no seio da juventude, o ciclismo é largamente praticado por adultos. Pessoas
mais velhas podem ter no ciclismo eficiente prevenção de doenças cerebrais e do
coração.
O ciclismo não distingue sexos, seja entre os
jovens – rapazes e moças, seja entre os mais velhos – senhoras e senhores.
Além dos benefícios que proporciona à saúde, a
bicicleta é um transporte baratíssimo, pois não consome combustível.
Devido ao grande aumento do número de carros,
a bicicleta exige hoje, nas cidades médias e grandes e também nas estradas, a
construção de ciclovias. Elas garantem a segurança do ciclista evitando
acidentes.
Temos de resistir ao modelo social que elege
as metas simplesmente econômicas como as essenciais, fazendo do ser humano mero
instrumento e produto da Economia.
A essa visão equivocada, que se funda numa
deformação ética inaceitável, temos de opor a idéia de que o homem é o
arquiteto e o destinatário da História.
Dentro dessa concepção, a construção de
ciclovias acompanhará, necessariamente, a construção de rodovias e avenidas.
·
Magistrado aposentado (ES), palestrante e
escritor. Tem ministrado Cursos de Hermenêutica Jurídica e de Direitos Humanos,
de curta duração, no Espírito Santo e fora do Estado. E-mail:jbpherkenhoff@gmail.comSite: www.palestrantededireito.com.br
IMPARCIALIDADE DO JUIZ
João Baptista Herkenhoff
A imparcialidade é a
mais importante virtude de um juiz.
Entre um juiz culto e
parcial e outro juiz, de poucas luzes porém imparcial, melhor será para o povo
o juiz imparcial, ainda que portador de limitados conhecimentos.
O juiz parcial e culto
usará seus saberes para proteger ou perseguir, conforme seja melhor para seu
proveito pessoal ou para o prestígio fabricado por forças empenhadas numa
determinada direção política.
O juiz de
conhecimentos limitados, porém imparcial, jamais usará a toga para benefício
próprio ou para servir a interesses de qualquer ordem.
Há algo de sagrado na
profissão de magistrado.
Confira-se o que disse
o Profeta Isaías:
“Estabelecerás juízes
e magistrados de todas as tuas portas para que julguem o povo com retidão de
justiça”.
A imparcialidade que
se exige do julgador não é apenas um preceito de ordem legal, ou de natureza
humana. Tem a marca do divino.
Em razão da
sacralidade do ofício judicial, a parcialidade é um sacrilégio, uma profanação,
um ultraje.
Disse com razão o
grande magistrado Adelmar Tavares: “o ofício judicial não é profissão, mas
religião e sacerdócio.”
O juiz parcial
enlameia as vestes que simbolizam seu ofício.
O juiz não se pode
deixar contaminar pela luz dos holofotes, com a ambição de tornar-se um herói
nacional.
Muito mais digna de
admiração é a biografia de milhares de juízes espalhados pelo Brasil,
recolhidos na sua humildade. Quando transitam pelas ruas da pequena cidade do
interior recebem a homenagem silenciosa, o olhar respeitoso dos cidadãos. Seu
túmulo será velado com abençoado respeito através das gerações.
O juiz precisa fugir
de recalques a fim de manter uma personalidade equilibrada.
A bondade não
desmerece o juiz, mas é inerente a sua missão.
A tarefa de julgar não
pode ser desligada do ser humano, feita de abstrações. É necessário que ocorra
o “encontro” do juiz com a pessoa humana.
Não se exige do
Advogado o equilíbrio. Perdoam-se até mesmo seus excessos. Na defesa apaixonada
de um cliente ou de uma tese, o destempero do Advogado, ainda que não seja
desejável, deve ser aceito, respeitado e compreendido.
Ao Juiz impõe-se o
equilíbrio, como virtude inerente a seu ofício. O equilíbrio não é apenas uma
virtude aconselhável aos homens de toga. É obrigatória.
Num momento da vida
brasileira, em que as paixões estão exacerbadas, o que é perfeitamente natural
no cotidiano democrático, a Justiça deve ter autoridade moral e legal para
dirimir os conflitos e serenar os ânimos.
+ Juiz de Direito aposentado – email: jbpherkenhoff@gmail.com
Homepage: www.palestrantededireito.com.br
As paixões políticas estão explodindo. É hora de refletir com serenidade.
É possível afastar da Presidência da República o cidadão ou a cidadã que detém o mais alto cargo da República, através de um procedimento denominado impeachment (em inglês), ou impedimento (em português)?
Sim, é possível. A Constituição Federal admite o impeachment quando o supremo dignatário do país pratica crime de responsabilidade.
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”
Os crimes enunciados pelo artigo, como está claríssimo, devem ter sido praticados pelo cidadão ou cidadã que exerça a Presidência. Mesmo que todos os Ministros e auxiiliares diretos tenham incorrido em crime, o Presidente ou a Presidente estará a salvo se não tiver praticado, ele próprio ou ela própria, algum dos atos criminosos mencionados acima.
Particularizemos o preceito geral ao caso particular: a Presidente Dilma Roussef pode ser derrubada do seu cargo, dentro dos parâmetros constitucionais?
Os acusadores têm afirmado que a Presidente atentou contra a probidade da administração. Entretanto, segundo se viu até este momento, não está provado que Dilma tenha cometido os deslizes que lhe são atribuídos ou, na linguagem popular: não se provou que Dilma é desonesta. A guerrilheira de ontem não é a gatuna de hoje.
É injusto imputar a ela essa pecha, mesmo entendendo que Dilma não tem demonstrado a competência exigida pelo cargo, nem a habilidade requerida no manejo do complicado xadrez político.
Como Juiz de Direito que fui durante muitos anos, sei muito bem o que é aceitar, como provado, o crime atribuído a alguém. Tanto se exige a prova do crime, na esfera do Direito Penal (crime praticado pelo cidadão comum), quanto na esfera do Direito Constitucional (crime praticado por detentor de cargo público, no exercício do cargo).
Haverá eleições presidenciais em 2018. O povo manifestará sua opinião. Exaltará os bons governantes e rechaçará os maus. Para este fim utilizará a mais importante arma da cidadania: o voto secreto.
Um capixaba tem a glória de ter patrocinado, no Brasil, esta garantia. Trata-se de José de Mello Carvalho Muniz Freire que foi, com muito mérito, imortalizado em nosso Estado. Um município nosso (antigo Espírito Santo do Rio Pardo) recebeu seu nome e também um colégio de Cachoeiro de Itapemirim.
* Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor (quinquagésimo livro no prelo).
E-mail: jbpherkenhoff@gmail. com
Caro Professor.
Dirijo-me ao Amigo como titular do
blog Caminho
das Letras , em vigor há dezesseis anos, representando uma
oitiva e acesso de 130.000 internautas até o momento.
Como sabe, destinei-lhe o espaço Tribuna
Livre, movido não por interesse qualquer, senão privilegiar sua lavra, Juiz
aposentado, insigne Mestre do Direito, Professor, escritor e palestrante, cujos
artigos e reflexões admiro, pelo equilíbrio e justeza.
Confesso que suas observações constantes de seu último artigo me intrigaram.
Refiro-me ao tumultuado imbróglio do impeachment (em
inglês) e impedimento (em português) da Presidente da República, processo em
andamento no Senado da República. Como sabe, já recebeu a aprovação inicial na
Câmara dos Deputados, por uma margem arrasadora.
Longe de mim terçar armas com o Amigo, Juiz afeiçoado às lides jurídicas
e com uma vida toda dedicada ao mérito da toga como julgador, em cuja função
sempre se houve com absoluto brilhantismo e exemplar exação no exercício
diuturno do Direito, exarando sentenças
de conteúdo realmente admiráveis.
Devido a meu agudo senso de patriotismo, sem distanciar-me do Direito, da
Filosofia e da Razão, peço vênia para discordar do ilustre Professor. Inspiram-me,
para tanto, os ensinamentos evangélicos,
católico que sou por convicção, não por conveniência. Reporto-me à sua
interpretação pessoal de que o suposto impedimento, que está em vias de ser
aplicado à Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff, é inconstitucional. E
acrescenta que o afastamento radical da
Presidente é uma ruptura na ordem constitucional e que não há outra forma
legítima de se opor ao governo senão avocar
o voto popular.
Vou-me dispensar do cipoal jurídico-legislativo, por extensiva
e intensivamente já debatido na arena política do Parlamento, através de
nossos representantes. Defesa e oposição se digladiam naquela arena, cada qual
à força de seus argumentos, ora contra, ora a favor do ato impeditivo. A teia normativo-pragmático da processualística sobre
o impeachment pode abrigar gregos e troianos, tanto o acusatório quanto à
contradita, isto é, acolher o impedimento ou rechaçá-lo. Basta atentarmos para
os discursos da acusação e defesa, o interminável palavrório dos parlamentares,
dos convidados denunciantes, das falas impróprias, ideias rebuscadas,
ofensas, um suplício para o pobre
telespectador que chega a pensar que os seus representantes não estão no
Parlamento, mas numa espécie de circo (na Câmara) e jardim de infância (no Senado). Tal é o nível ali de enredamentos que pensamos que os parlamentares
discutem é o sexo dos anjos.
Penso que o Direito, na sua essência filosófica pouco se eleva, quando se restringe à miudeza do pragmatismo, sufocado pelo furor técnico da processualística. O Mestre sabe, muito melhor do que ninguém que o fim do Direito, seu objetivo primacial é a obtenção e mantença da Justiça, a exação do dever de agir e fazer com que as obrigações normativas sejam cumpridas. Mas também sabe, que “dura lex sed lex”, a lei é dura mas é a lei, é a coerção legal. Se a sociedade fosse constituída de pessoas honestas, livres, educadas, imune a conflitos, não haveria necessidade de leis, do Direito. O Direito não passa de uma estratégia de ação para dirimir conflitos, em todos os seus níveis. Razão por que o seu fundamento constitui um pilar distributivo de paz entre os homens, nas sociedades e nações.
A situação de nosso País, no angustiante momento, transcende toda a burocracia
jurídico-funcional, para nos remeter à realidade nua e crua em que vivemos, o
povo brasileiro vive, a Nação vive. A situação do País é gravíssima. Estamos,
por assim sem eufemismo, à beira do abismo. Observamos no Governo uma derrocada
geral. Observe-se ao nosso redor: 10
milhões de desempregados, o sistema de
saúde praticamente falido, a Previdência em estado de choque, podendo
levar milhões de aposentados ao desespero. A educação desmoralizada, abrigando
em vez de estudantes uma caterva de iletrados, que irá constituir o exército de
analfabetos funcionais, sem falar na chusma sindicalista já aboletada em cargos
públicos, sorvendo na “teta” da Nação, deitados em “berço esplêndido”, enquanto
a corrupção se institucionaliza nos órgãos federais e nas empresas. Enquanto
isso, o povo, o pobre menos favorecido e o mais favorecido, veem seu salário
minguar, seu esforço degradar-se, face a uma inflação que já se avizinha a ser
pregalopante. E o Governo completamente afásico, paralisado, estático, lutando
pela sua sobrevivência político-institucional, cuja única preocupação é exercer, à exaustão, seu suposto “jus sperniandis”.
Esse é o cenário que me preocupa. Não só a mim, mas a milhões de
brasileiros e brasileiras. Tal cenário
de fim-de-safra é que está arrasando com nosso País. É a falta de élan do
Governo. É o descalabro oriundo da má gestão, da falta de equilíbrio, do senso
de responsabilidade, do arrasa-quarteirão imposto – queiramos ou não, basta não
fecharmos os olhos, termos consciência, ou recorrermos ao que disse Capistrano
de Abreu, poeta do passado: “... o brasileiro só precisa ter vergonha na cara”. Sim, vergonha, digo
eu,, pelos QUATORZE ANOS de
administração “espúria” desse partido que é a vergonha nacional, alcunhado de
Partido dos Trabalhadores, o PT, que, na realidade ( está aqui a grande
verdade, que muitos não querem ver, são
cegos ou inocentes úteis) – saqueou o País.
Não sei se é de sua ciência que o PT, após o término da chamada Ditadora
Militar de 64, teve o seu projeto de eternização do poder engendrado nos porões
de uma organização clandestina chamada (e quase desconhecida, porque o PT e
seus asseclas sempre ocultaram esse fato) no “Foro de São Paulo”. E sabe quem foram os fundadores dessa
organização espúria, cuja instituição fere frontalmente a Constituição Federal? Fidel Castro, Hugo Chaves e pasmem nosso “cumpanheiro” José Ignácio Lula da
Silva e outros, Marco Aurélio Garcia, José Dirceu, José Genuíno et allia. O PT
praticamente nasceu, cresceu e tomou de assalto o poder, abeberando-se em programas
terroristas e essencialmente gramscianos,
incentivando o descrédito da cultura, da educação e religião, estratégias de invasão urbana, aceitação
dos movimentos sindicais e do terrorismo, este característica dos movimentos populares
como MST, e outros afins, na realidade bandidos que invadem fazendas e
aterrorizam famílias e agropecuaristas.
A meu juízo, a Presidente da República pode perder seu mandato investido pelo povo brasileiro, por má gestão, por irresponsabilidade fiscal e administrativa. Por haver enganado de forma vil o povo que nela votou. E por fazer ouvido mouco à orgia do roubo e saque da Petrobrás, mediante o conluio empreiteiros/altos funcionários da empresa, Presidentes e Diretores. E também pelo famigerado contrato da compra da Siderúrgica de Pasadena, EUA – na realidade um monte de ferro velho (há fotos disso) – que resultou num prejuízo astronômico para a empresa, quando a Sra. Dilma Rousseff era Presidente de Comissão de Consultoria da Petrobrás. E ainda há um tenebroso fato no passado da “Presidenta”: ter sido não apenas uma guerrilheira idealista, como dizem alguns, mas terrorista que, à época do Regime Militar, metralhou um recruta, deixando mulher e filhos – e o que é pior, até hoje a família não foi devidamente indenizada.
Permita-me, a propósito, fazer ainda algumas reflexões quanto ao mérito do tema “impeachment de um governante”. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, por sinal um bom presidente, em artigo jornal Estado de São Paulo, edição de 14.04.16, que intitulou “Shakespeare e o impeachment”, fez um alusão interessante do atual caso do imbróglio que envolve o afastamento da Sra. Presidente do cargo, retrocedendo a 1595, na Inglaterra, para o reinado de Ricardo II, este defenestrado inclusive pelo próprio povo, ou um complô político, justamente por gastos absurdos, gestão temerária e intempestiva, desrespeito à lei e outros desmandos, como o confisco de terras. Tudo isto é narrado na peça Ricardo II de William Shakespeare.
Outro exemplo, nos vem da declaração do grande filósofo São Tomas de Aquino dentre cujos ensinamentos notavelmente atuais sobressai o constante de seus Escritos Políticos (Ed. Vozes 2001, p.25) in verbis: “O princípio geral a se observar é que “(...) não se deve proceder contra a perversidade do tirano, por iniciativa privada, mas sim pela autoridade pública, dito isso, reitera-se a tese de que, cabendo à multidão prover-se de um rei, cabe-lhe também depô-lo, caso se torne tirano”. Ora, se um governante não tem mais condições de governar, por haver perdido a confiança do povo, é justo retirá-lo legalmente do poder, para o bem desse mesmo povo.
Esclareço, por fim, que nossa Tribuna Livre continua sempre aberta à sua manifestação. Portanto, editarei seu artigo, mas, desde já com a minha contradita, para que o tema não caia no vazio de nossa inconsciência.
Saudações
Murilo Moreira Veras
Webmaster de
caminhodasletras.com.br
VOTOS FEMININOS E IDOSOS
*João
Baptista Herkenhoff
Na semana em que este artigo está sendo publicado,
duas datas merecem reverência: 24 de fevereiro, Dia da Conquista do Voto
Feminino no Brasil; 27 de fevereiro, Dia Nacional do Idoso.
Somente a Constituição Federal de 1946 veio a consagrar, expressamente, a
absoluta igualdade de homens e mulheres, em matéria de direitos eleitorais.
A Constituição Brasileira de 1891, bem interpretada, já assegurava às
mulheres o direito de votar, pois não estabelecia embaraços ao exercício do
voto feminino. Entretanto, a interpretação correta só foi alcançada graças ao
mandado de segurança impetrado por Mietta Santiago, uma jovem de 20 anos que
não se conformou com a barreira imposta a seu direito de votar. Graças a sua
atitude, essa admirável mulher foi homenageada por Carlos Drummond de
Andrade:
“Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença
de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador, e até
Presidente da República.
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe
da Nação?”
Poetas têm mesmo a capacidade de profetizar. Drummond previu mulher
na Presidência da República. Aí está Dilma Roussef.
Ainda há muitos aprimoramentos
a realizar no processo eleitoral. Mas, como diz o provérbio, Roma não se fez
em um dia.
Quanto aos idosos, o
calendário é pródigo na lembrança que lhes é devida. Em 27 de setembro temos
o Dia Internacional do Idoso. E a primeiro de outubro, o Dia Internacional de
Pessoas da Melhor Idade.
Quando se
tem boa saúde e segurança, a Terceira Idade é mesmo a melhor. Poder olhar
para trás e contemplar a vida. Testemunhar, na própria pele, a sucessão das
gerações. Abençoar os netos que são os filhos multiplicados.
Para Alceu de Amoroso Lima a
velhice começava aos 65 anos. Não era uma idade de descida, decrepitude, mas
uma idade de ascensão, colheita de frutos, aperfeiçoamento, sublimação, vôo.
Alceu experimentou a velhice que desenhou em “As Idades do Homem”.
Coerente até o fim. Lúcido. Corajoso. Intrépido mesmo. Nos
seus artigos e palestras enfrentou, de peito aberto, a ditadura instaurada no
Brasil em 1964.
A viuvez, que poderia ter sido
dolorosa e triste, ele soube sublimar. Lia toda manhã uma das cartas de
sua mulher. Somente uma. Nunca mais de uma. Era a fruta
saborosa daquele dia.
A título de glosa diz-se, como
vantagem de ser idoso: ter a certeza de que os investimentos em plano de
saúde finalmente começam a valer a pena.
Impõe-se que haja, no Brasil,
uma “Política da Terceira Idade”, ou seja, um conjunto de medidas que tenham
como fim proporcionar saúde, bem-estar, alegria e segurança aos idosos.
- Juiz de Direito aposentado,
escritor, professor, um dos fundadores e primeiro presidente (1976) da
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
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IDOSO
TEM O DEVER DE DEPOR
* João Baptista Herkenhoff
Ninguém sabe por
quanto tempo ainda estará nesta vida terrena. Para que o mundo avance é
preciso que a experiência dos mais velhos seja transmitida aos mais jovens.
Estes colhem o que foi plantado e cultivam as sementes, aprimorando-as.
A obrigação de transmitir às gerações seguintes
as rotas palmilhadas abrange todas as profissões, desde a de carpinteiro até
a de médico, professor ou juiz.
Ainda no início de sua carreira (1966), na
Comarca de São José do Calçado (ES), o idoso, ora depoente, determinou a
matrícula compulsória de crianças na escola, mais para pressionar os Poderes
Públicos, que deveriam providenciar as vagas, do que os pais. A medida gerou
um aumento de 35% nas matrículas.
Com apoio da comunidade, promoveu uma “Campanha
da Cidadania Ampla” (1966-1970), consistindo em registro civil de pessoas que
não eram registradas, casamento civil, carteira de trabalho, correção de
prenomes grafados erroneamente etc.
Ainda em Calçado concedeu direito de trabalho
externo a presos. Com apoio de líderes locais criou a Associação de
Assistência aos Presos “Dona Mulatinha” que mantinha uma escola primária,
facilitava o trabalho dos presos e ajudava o ex-preso no retorno à vida
social. Recusou-se a mandar os presos para cumprir pena na Capital,
como era legalmente previsto na época (1966). Argumentou que provocar o
rompimento dos vínculos do preso com a família inviabilizava qualquer
possibilidade de ressocialização. Um dos presos beneficiados por trabalho
externo fugiu, justamente na semana em que o juiz comparecia a órgão
disciplinar da magistratura para explicar as “concessões”. Antes que fosse
julgado pela “transgressão”, o fugitivo apresentou-se para ser recolhido, o
que possibilitou que não fosse de água abaixo a política humanitária que
estava sendo desenvolvida.
Trinta e quatro anos após sua “insubmissão”, a
ONU aprovou recomendação para que o preso nunca fosse afastado do “distrito
da culpa”. Durante sua judicatura na comarca, o índice de reincidência
criminal foi de zero por cento.
Apresentou moção em congresso nacional de
magistrados (Goiânia, 1975), pedindo a volta do “estado de direito”, a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e a “anistia ampla, geral
e irrestrita”, moção que foi rejeitada mas que teve o apoio de um grupo de
colegas. Naquele momento da vida brasileira, o mais alto tribunal do país era
o Superior Tribunal Militar. À frente dos Ministros desse tribunal, defendeu
referida moção.
Por atividades que eram inovadoras, sem que
pretendesse ser profeta, teve a incompreensão de superiores. Retém estes
fatos na memória e os torna públicos porque a História não se pode perder.
Mas não guarda na alma qualquer mágoa ou rancor.
- Juiz
de Direito aposentado (ES), professor e escritor.
E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
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LITERATURA, DIREITO E OUTROS SABERES
Indaga-me um ex-aluno: Qual a importância da Literatura na
formação do jurista? Socializo a resposta que dei a ele porque suponho que
muitas pessoas tenham vontade de fazer a mesma pergunta. Respondi ao curioso
ex-aluno: O mergulho na Literatura é indispensável ao jurista sob vários
ângulos. A Literatura abre horizontes, o jurista não deve ter olhos vendados. A
Literatura revela a natureza humana, tanto no que tem de nobre, quanto no tem
de sórdido, e o jurista deve mergulhar na compreensão das muitas faces do ser
humano. Essa ampliação de horizontes não vale apenas para juristas. Médicos,
psicólogos, professores, políticos, profissionais liberais, todos estes
enriquecem o espírito quando visitam o território literário.
Animado com a atenção que lhe dei, perguntou o jovem: Que obras
literárias seria especialmente adequado ler? Não fiz ouvido surdo. Sugeri dez
livros: Um erro judiciário, de A. J. Cronin; O caso dos exploradores de
caverna, de Lon Fuller; A Justiça a serviço do crime, de Arruda Campos; Faz
escuro mas eu canto, de Thiago de Mello; As marcas de Caim, de Jurgen Phorwald;
Vigiar e punir, de Michel Foucault; Oração aos Moços, de Rui Barbosa; O
Processo Maurizius, de Jakob Wassemann; Cartas da Prisão, de Frei Betto;
Operário do Canto, de Geir Campos.
O ex-aluno chegou ao clímax. Estava dialogando com o professor. Fez uma pergunta, talvez a final,
indagando que autores, sem ligação com o Direito, recomendaria. Respondi sem
pestanejar: Machado de Assis, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, José de
Alencar, Cecília Meireles, Manoel Bandeira, Mário Quintana, Castro Alves,
Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Érico Veríssimo.
Ele então atalhou: professor, estou emocionado com sua atenção.
Desculpe invadir sua privacidade mas que livro o senhor está lendo neste
momento? Comecei tranquilizando-o que seu espírito curioso não invadia minha
privacidade. O mundo seria melhor se barreiras profissionais, políticas,
religiosas, decorrentes de faixa etária fossem rompidas. Todos somos seres
humanos, todos somos iguais, não apenas iguais perante a lei, conforme diz a
Constituição. Respondi: na verdade não estou lendo, estou relendo Médico de Homens e de Almas, de Taylor
Caldwell. Gosto muito de reler livros. É na releitura que colho a essência.
Esta obra gira em torno da vida de São Lucas. Eu não o classificaria como um
livro religioso. É na verdade a exaltação do Humanismo, acima de rótulos
confessionais. A meu ver Taylor Caldwell atinge a sublimidade quando narra o
encontro de Lucano (apelido familiar do Apóstolo Lucas) e Maria, Mãe de Jesus.
* Magistrado aposentado (ES), professor e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com Autor de Encontro
do Direito com a Poesia (Rio, GZ Editora). Ver lista completa dos livros do
autor no site: www.palestrantededireito.com. br
O Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília – DF está em reforma sem previsão de voltar a abrir suas portas para os amantes das grandes apresentações culturais. Daí a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro apresentar-se em outros lugares, levando a boa música ao povo carente de momentos inebriantes.
Dia dez de março de 2015 a apresentação foi no Santuário Dom Bosco. A convite do
nosso filho Maranhão Viégas, eu e a Bel fomos nos deliciar com aquela apresentação. A Catedral é um lugar que nos deixa em comunhão com Deus. A plateia, a mais silenciosa possível. O respeito era a tônica do momento.
Enquanto os músicos afinavam os instrumentos, os convidados se acomodavam nos bancos do Templo sagrado a Dom Bosco. O Maestro Cláudio Cohen circulava e conversava com as pessoas que o procuravam.
Levantei-me à procura de algum conhecido, um velho Irmão para comentar a felicidade desse encontro fraterno. Não vi ninguém, mesmo vendo centenas de pessoas. Mas logo me alegrei, conversando com o Maestro estava o Irmão Lunkes, atual Presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal. Nossos olhares se cruzaram. Ele abriu um sorriso e acenou com a mão para mim que correspondi com o mesmo gesto. Eu não estava só naquela multidão, mesmo estando ao lado da Bel e do nosso filho, um Irmão velava por nós.
Ao lado do Maestro, um jovem de 32 anos segurava o seu instrumento, um lindo
violoncelo. Era o violoncelista e Mestre Jan Zalud que se integrava à Orquestra como convidado de honra, ocupando o lugar de destaque ao lado do Regente.
O Maestro posicionou-se e em seguida deu início ao concerto, cumprindo o magnífico
programa musical, sob aplausos da seleta plateia. Mas o inusitado estava para acontecer. No meio da grande sonata, o campanário da Catedral, querendo participar da grande festa, iniciava o dobro dos sinos do seu carrilhão anunciando que eram nove horas daquela iluminada noite. As badaladas se incorporaram à Orquestra. O violoncelo de Jan Zalud cadenciava no intervalo das batidas argentas e o Maestro regia também as badaladas com aqueles acordes dos maviosos sinos e, como se estivesse pousado em uma nuvem, parecia flutuar aos nossos olhos. Poucos ouvidos captaram aquela sonoridade celestial. Foi uma dessas coincidências que só acontecem uma vez.
No alto da parede do Templo, o Cristo martirizado ali na cruz, pendia a cabeça para a direita e o seu semblante tranquilo parecia ter adormecido com a divina música. Ao seu lado, a imagem pura e serena do dono da casa – Dom Bosco – olhava firme para o Corpo Sinfônico, com a candura benevolente de sempre, como a agradecer aqueles lindos e encantadores.
Nós não queríamos que aquela noite devagar caísse no outro dia. Nossos aplausos
encheram de agradecimentos a nave do Templo.
Encerramos a noitada com um jantar singelo e apetitoso: uma farfalhante “Salada Ceasar” na Valentina, onde mais um dos nossos filhos, o Iram, nos esperava com um vinho de boa cepa, enquanto em nossa mente a música da Sinfônica continuava latente.
Brindamos alegremente lembrando o Regente Cláudio Cohen, o Corpo Sinfônico, a
Catedral com todos os Santos da Corte dos Céus, o vinho e a maviosa música.
Que Santa Cecília abençoe a todos, e que a Flauta de Pan nos acompanhe sempre, com o
____________
Teólogo – Escritor; Membro das academias: Acad. de Letras de Brasília; Acad. Maçônica de Letras do DF; Acad.
Maçônica de Letras Paranaense; Acad. Maçônica de Letras e Artes do Brasil – GOB; Acad. Taguatinguense de Letras; Confraria
dos Amigos da Boa Mesa – COMES; Academia Maçônica de Letras do Maranhão (correspondente); Academia Maçônica
Internacional de Letras; ANE – Associação Nacional de Escritores – CERAT. Email – inocencio.viegas@gmail.com
HEROISMO DE UM GUARDA-MIRIM

João Baptista Herkenhoff
Karen Cristina de Oliveira é o nome da heroína-mirim. Ela estava passeando na
localidade “Gruta”, no interior do município, quando percebeu que uma menina se
afogava numa piscina. Incontinenti retirou a menininha da água e aplicou-lhe
massagem cardíaca.
Segundo o médico que viu a criança-vítima, logo em seguida ao episódio, teria
ocorrido óbito se o socorro não tivesse sido prestado ato contínuo.
Pelo
seu ato de grandeza Karen foi homenageada pela Prefeitura com um diploma de
Honra ao Mérito.
Numa
hora dessas a gente sente orgulho de ser cachoeirense. Teve razão Rubem Braga
quando disse: “Modéstia à parte, sou de Cachoeiro de Itapemirim.”
Esta
auspiciosa notícia traz a minha lembrança os tempos em que fui Juiz de Direito
em São José do Calçado (ES).
No
dia dezessete de outubro de 1971 criei, na comarca, a Guarda-Mirim. Essa
instituição tinha como finalidades proporcionar a crianças em risco de desagregação
social:
a)
uma ocupação útil;
b) a
consciência de sua validade pessoal;
c) o
sentimento de pertença a um grupo.
O
uniforme da guarda-mirim foi concebido com arte, bom gosto e carinho pela
Professora Therezinha Juliana Almeida da Fonseca.
Toda
a diretoria da Guarda-Mirim prestava serviços gratuitamente. As reuniões eram
sempre à noite, privando os voluntários do prazer da televisão. O registro da
gratuidade é importante para se contrapor à luxúria financeira dos tempos
atuais.
O
primeiro guarda-mirim chamava-se João Batista, por coincidência xará do juiz.
Era
um menor e havia sido envolvido em crimes, por influência de perversos maiores.
A experiência de guarda-mirim mudou a rota de sua vida. Prestou serviços junto
ao fórum, onde podia ter contato diário com o magistrado, promotor, advogados.
Estudou e fez o curso primário completo. Trabalhou numa oficina e aprendeu
rudimentos de mecânica.
Era
tão sensível e puro que chorou copiosamente no dia em que o Juiz que o fizera
guarda-mirim despediu-se da comarca.
Há
muitas coisas ruins nisto de ser idoso. Não se anda com facilidade, as escadas
são sempre um perigo, a audição e a visão não respondem com solicitude quando
convocadas para o desempenho do papel que lhes cabe.
Entretanto,
uma vantagem compensa os incômodos: o idoso tem histórias para contar, pode
testemunhar, pode ensinar aos mais jovens que a virtude suplanta o vício, os
galardões morais são mais valiosos que qualquer tesouro.
-
Juiz de Direito aposentado (ES), escritor e professor. Ministra cursos de pequena duração sobre Direitos Humanos.E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com

Conto
O HOMEM
NU
Telêmaco de Sá
Todos
o conheciam, onde aparecesse era sempre pessoa bem vinda - assim acontecia
com o chamado Homem-Nú. Isto porque ele, Homem-Nu,
andava sem qualquer vestimenta cobrindo seu já alquebrado corpo. Aparentava
mais velho do que indicava a idade: 60 anos.
O importante é que ninguém se importava com o fato de ele nadar despido,
onde quer que fosse.
Certa ocasião, um forasteiro que desconhecia os fatos e os costumes da
terra, intrigado com aquilo, indagou de um transeunte:
- Amigo, por que esse senhor anda nu e ninguém se incomoda?
O transeunte logo respondeu,
sorrindo, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo:
- Ora, meu senhor, é Homem-Nú é o nosso melhor amigo. É um sábio, não
precisa de roupa e ninguém se importa com isso.
O desconhecito não pareceu convencido:
- ... mas e por que ninguém o imita, andando também nu?
O outro franziu o cenho:
- Não, meu senhor, Deus me livre, só Homem-Nu pode andar nu. Homem-Nu é diferente...
Insatisfeito com a simplória justificativa, cético quanto à
liberalidade, pois considerava ferir-lhe os critérios morais, a seu ver
aplicáveis a todo mundo na sociedade dita civilizada, sem excessão, depois de
buscar várias opiniões e consultar personalidades influentes na cidade – todos
a favor da conduta do citado cidadão que se chamava Homem-Nu, o forasteiro
resolveu consultar o dito cujo. Talvez, com ele, obtivesse uma explicação,
pelos menos razoavelmente plausível.
Encontrou-o sentado, uma tarde, numa cafeteria no centro da cidade,
tomando cafezinho, a pequenos sorvos. Lia um jornal. E estava, como sempre,
completamente desprovido de qualquer roupa.
O forasteiro se aproximou, algo sem jeito, pigarreou para esconder o
natural nervoso de abordar pessoa desconhecida:
- Desculpe, mas o sr. é o que chamam Homem-Nu?
Homem-Nu afastou
repentinamente os olhos jornal e fitou o desconhecido, um sorriso nos lábios:
- Em que posso servi-lo, senhor?
- É que eu sou novo por aqui e como o sr. anda assim...
- ... sem roupa, evidentemente...
- ... pois é, então gostaria de conversar sobre isso, se não for
incômodo para o sr...
– Absolutamente, já estou acostumado, aliás, eu gosto muito de conversar
com as pessoas. Posso oferecer-lhe um café?
E foi assim que nosso forasteiro inteirou-se de quem realmente era o
homem chamado Homem-Nu. Por cerca de
um bom tempo, os dois trocaram ideias, ali sentados na cafeteria. E o que mais
surpreendeu o desavisado visitante era que todos os passantes cumprimentavam
Homem-Nu, aos quais respondia com cortesia e extrema afabilidade.
Aquele homem, chamado Homem-Nu tirou-lhe então todas as dúvidas.
– Eu me chamo Homem-Nu porque
eu sou e represento o homem natural, o verdadeiro homem, sem máscaras, o homem
despido das convenções morais e sociais,
imaculado e insuscetível aos melindres e armadilhas que a sociedade cria, às
vezes alimentando ignóbeis paixões. Posso lhe assegurar ao amigo que represento
a pureza de sentimentos. Essa a razão porque tenho a prerrogativa, nesta
cidade, de andar sem vestimenta alguma, simplesmente porque a alma pura não precisa
de cobertura física, enfim de nenhuma máscara social...
Após tão expressiva revelação ao longo do bate-papo, o forasteiro deu-se
por satisfeito, certíssimo de que havia conhecido, ali, personagem dos mais
instigantes que conhecera em toda sua vida. Ele, o forasteiro, na verdade,
professor emérito de renome internacional, mestre em filosofia pela Sorborgne,
antropólogo e etnólogo pelas universidades de Oxford e Heidelberg, integrante
da Academia Francesa.
Depois de conhecer Homem-Nu, o
egrégio cientista e erudito professor verificou quão longínquo seu cabedal de
conhecimento ainda se encontrava de conhecer o ser humano no seu mais profundo
ser.
Homem-Nu, o sábio natural, na
sua singeleza e absoluta sinceridade lhe ministrou a mais surpreendente das
lições que ele jamais houvera aprendido em nenhum de seus alfarrábios ou
assimilado de quaisquer de seus insignes mestres com quem privou em toda sua
vida acadêmica: o ser na sua imanência perfeita – o homem verdadeiramente
existencial.
·
Contista nordestino, nosso
colaborador eventual
LIVREIROS E BIBLIOTECÁRIOS
Não será por falta de datas comemorativas que o livro será esquecido. Quatro lhe são
dedicadas: 2 de abril, Dia Mundial do Livro Infanto-Juvenil; 18 de abril, Dia
Nacional do Livro Infantil; 23 de abril, Dia Mundial do Livro; 29 de outubro,
Dia Nacional do Livro.
Além
disso, dois profissionais que levam os livros às mãos dos leitores são
lembrados em datas específicas: 12 de março, Dia do Bibliotecário; 14 de março,
Dia do Livreiro.
Devo
a uma bibliotecária grande parte do amor que adquiri pelos livros. Era a
responsável pela Biblioteca Municipal de Cachoeiro de Itapemirim. Transmitia
aos frequentadores o gosto que ela própria tinha pela leitura.
Dona
Telma, a bibliotecária de minha infância, faleceu subitamente, junto a seus
filhos, na Praia de Piúma. Hoje está em outras paragens, cercada de livros
azuis.
Assisti
certa vez a uma entrevista do Ziraldo, na televisão, a respeito do livro.
Ziraldo dizia que o livro nunca será substituído. Não há avanço da informática
que o torne dispensável porque o livro tem mistério, um especial poder de
comunicação.
O
livro tem alma. Acho que foi isso que Ziraldo
quis dizer. Uma coisa é ler um livro na internet. Outra coisa é ler um livro
impresso da forma tradicional. Há livros que leio, e releio, e releio. Tenho a
sensação de estar conversando com o autor. Escrevo notas à margem das páginas e
nessas notas registro impressões: concordo; discordo; magnífico; esse Rubem
Braga é mesmo um cachoeirense do barulho; esse Papa Francisco vai virar o mundo
pelo avesso.
Neste
final de página registro um fato ocorrido com Nestor Cinelli, o maior livreiro
que o Espírito Santo teve em toda a sua história.
Entrou
Cinelli numa livraria do Rio de Janeiro e ficou a manusear os volumes que
estavam na prateleira. Uma determinada obra despertou seu especial interesse.
Viu o preço anotado a lápis. Não dava para comprar. Nisto um senhor que parecia
ser o gerente, indagou:
“Por que você recolocou na
prateleira aquele livro que você estava lendo?”
“Deixei onde estava, senhor. Meu dinheiro não
é suficiente.”
“Deixe-me ver essas notas que
você contou e recontou. Veja só. Contou errado. Esse dinheiro basta. Vá lá e
pegue o livro.”
“Senhor, já que vai me vender
o livro por menos da metade do preço peço-lhe que o autografe. Nunca tive um
livro autografado por um livreiro.”
E
o livreiro então lançou o autógrafo:
“A este menino curioso, que
será um grande escritor, ou um grande livreiro, com um abraço do
Monteiro Lobato.”
Magistrado aposentado, Livre-Docente
da Universidade Federal do Espírito Santo, escritor
e palestrante. Autor de: Dilemas de um juiz: a aventura
obrigatória (Rio, GZ Editora)E-mail: jbpherkenhoff@gmail.comSite: www.palestrantededireito.com. br
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/ 2197242784380520
CDL/BSB. 23.03.15
Calderón de La Sierra
O
sr. Frei Beto – que se diz frade católico – certa ocasião teria declarado e
essa sua frase transita pela Internet – “...O nome do amor na política é
socialismo.”
Estou
totalmente em desacordo, em gênero, número e grau. Aliás, a bem da verdade, não
concordo com nada que o Frei Beto
escreve ou fala. Sob minha ótica, esse frade junto com Leonardo Boff não se
enquadram mais entre pessoas católicas, haja visto os absurdos que cada um deles
declara na mídia ou a maneira como se comportam em relação à Igreja Católica.
Há algo de traição na maneira como os dois lidam com os assuntos da Igreja.
Boff já se desligou das hostes católicas, é considerado proscrito, tal são as
difamações que vem sistematicamente imputando à Igreja e seus dogmas. Já o
outro, Frei Beto – que se vangloria de ter sido perseguido pelos militares,
quando tomaram as rédeas do Governo, com a aquiescência absoluta da população,
instaurando a Revolução de 1964, regime de exceção cujo objetivo na visão das
Forças Armadas era evitar justamente que o socialismo, ou melhor, o comunismo tomasse conta do País.
O
socialismo, sr. Beto, jamais poderá conviver com o amor, o regime por ele
imposto não tem nada de amoroso. Pode-se inferir, daí, ser uma contradição
interpretar o contrário. Simplesmente porque o que alimenta o socialismo jamais
é o amor, mas o ódio, ódio esse que está impregnado em toda a ideologia
socialista. Senão vejamos seus conteúdos de ação: a luta de classe, a teoria da
mais valia, o intervencionismo social, o planejamento –ecoômico-financeiro, a
ditadura do proletariado até o pior estágio que uma civilização poderá assumir,
o anarquismo, em que cada um faz o que quer, age como quer, à guisa de Nirvana
social.
É
preciso que o Sr. Beto e os que advogam essa conjunção espúria de amor com o
socialismo se convençam de uma vez por todas que o socialismo, em si, não
significa absolutamente que sua aplicação na sociedade se se dê de forma
harmoniosa. É justamente o contrário. Simples, porque sua implantação só se dá
mediante uma revolução, ou seja, com auxílio da força. Isto porque ninguém, em
sã consciência, quer se tornar robô do Estado Patrão. Sob o tacão de um suposto socialismo
democrático – conceito que descabe à essa ideologia – ninguém quer ser coopitado
à burocracia estatal, que, assim, acaba se transformando num verdadeiro
monstro, o Leviatã de Thomas Hobbes.
Na
verdade, socialismo não passa de uma utopia, talvez a mais desgastada e inepta
dentre as demais criadas e sonhadas pelo ser humano.
Isto
tanto é verdade quando escrutinamos as origens do socialismo como práxis
social, ou, a melhor dizendo, quais os fundamentos, como nasceu e cresceu o
mito do socialismo. Sabe-se que foi Henri de Saint-Simon (1760-1825), pensador
francês, quem primeiro utilizou essa palavra, nas suas elucubrações sobre
tecnocracia e planejamento industrial, ideias que ele defendia.
A
princípio, essa ideologia teria se firmado com o chamado “socialismo utópico”,
ideário defendido pelo próprio Saint-Simon e outros como Charles Fourrier,
Pierre Leroux, em França e Robert Owen (1771-1858), na Inglaterra – todos
influenciados pelas ideia naturalistas de Jean Jacques Rousseau de cuja
filosofia o lema principal era seu entendimento de que todo ser humano é bom,
mas a sociedade e as instituições é que o pervertem.
Robert
Own, por exemplo, jovem administrador de uma fábrica de algodão em Manchester,
Inglaterra, a título de combater e exploração capitalista, resolveu empreender
projetos de cunho socializante em sua empresa e o resultado foi um fracasso. Tendo
emigrado para os Estados Unidos, ali fundou o movimento chamado New Harmony, no
estado de Indiana. Antes de morrer, retornando à terra natal, deparou-se com a
falência das cooperativas que fundara.
Dessa
primeira e fracassada utopia, surgiu, liderado principalmente por Karl Marx e
Frederic Engels, o que se designou como “socialismo científico”. Sob esse novo
enfoque a ideologia socialista cresceu no século XIX, disseminando ideias como
o “materialismo histórico”, nos quais incluía como instrumentais de ação a
“luta de classe”, a “mais valia” e a “revolução socialista”. O materialismo
histórico consistia em que toda sociedade é determinada, em última instância,
de um lado por suas condições sócio-econômicas (infraestrutura) e do outro pela
política, a ideologia e a cultura, formando um bloco coeso (superestrutura). Na
teoria marxista, ao invés de prevalecer a superestrutura, a sociedade se
regeria pela infraestrutura, esta seu único esteio de sustentabilidade.
Ora,
a vigorar tal concepção, onde os artefatos institucionais se arrimam no aporte
de ideias violentas, como a luta de classe, a reinvindicação para que o
capitalista devolvesse as horas trabalhadas sistematicamente usurpadas, suposto
que essas horas nunca seriam repostas, o caso da “mais-valia” e, por fim, a
detonação da “revolução comunista”, com
que se faria a transformação da sociedade para o socialismo total,
naturalmente com o uso e o abuso da força – perguntar-se-á: como pensar que,
num regime em que se utiliza a violência para
atingir objetivos políticos, haja
lugar para o amor, senão o ódio, a
vingança, o preconceito, o desvario e o irracionalismo?
É
evidente que o Sr. Frei Beto está blefando, quando nos impinge essa falácia de
que o amor seria a semente harmonizadora do socialismo – uma ideologia por
natureza que prega a brutalidade social e econômica, quando tem por parâmetro e
fundamento o estímulo à luta fratricida e a expropriação da propriedade
privada, essa o esteio e a maior defesa da dignidade humana – sob aquele sábio
conceito de G.K.Chersterton de que ser humano precisa ter “dois alqueires e uma
vaca”, para não perder sua dignidade e não se tornar escravo da burocracia
estatal, e ver seus bens alienados a título de planejamento social, como
sustenta a ideologia contida no marxismo ou socialismo.
Nem
mesmo seu contraditório linguístico – o solidarismo – caberia afirmar-se como
repositório de amor. O solidarismo, doutrina social preconizada por Hnrique
Pesch da Alemanha, embora o termo tenha sido cunhado na França, quando muito
teria por catalizador o “bem comum”, nunca o amor, visto que seria uma espécie
de regime capaz de minorar os efeitos do chamado “capitalismo selvagem”, sem
adotar os rigores do socialismo e proteger sempre a liberdade individual e
existencial, inclusive a propriedade justa, contra a sanha daquilo que o
escritor cearence, autor de “Cantos de Outono”, de renome internacional,
qualificou, com muita razão, “socioesclerose marxista depressiva” . Isso que
hoje parece campear em alguns países, apesar de
o comunismo não passar de uma ideologia ultrapassada, arcaica e
comprovadamente de resultados ineptos e inconsequentes. Tais são os defeitos
crassos da ideologia comunista, cuja adoção jamais conduzirá a humanidade a a
um estágio de progresso e bem estar
civilizatórios.
Bsb,
26.02.15
- Filósofo madrilenho, naturalizado
brasileiro, nosso colaborador
ALGUMAS QUESTÕES DE JUSTIÇA
João Baptista Herkenhoff
Ministros dos altos tribunais, desembargadores
federais ou estaduais, magistrados de cortes internacionais são, antes de
tudo, juízes.
Há tanta grandeza na função, o ser humano é tão pequeno para ser juiz, é tão
de empréstimo o eventual poder que alguém possui para julgar, que me parecem
desnecessários tantos vocábulos para denominar a mesma função.
Talvez fosse bom que os titulares de altos postos da Justiça nunca se
esquecessem de que são juízes, cônscios da sacralidade da missão. O que os
faz respeitáveis não são as reverências, excelências ou eminências, mas a
retidão das decisões que profiram.
Já no início da carreira na magistratura, mostrei ter consciência de ser “de
empréstimo” a função que me fora atribuída. Disse em São José do Calçado
(ES), uma das primeiras comarcas onde atuei:
O colono de pés descalços, a mãe com o filho no
colo, o operário, o preso, os que sofrem, os que querem alívio para suas
dores, os que têm fome e sede de Justiça – todos batem, com respeito sagrado,
às portas do Fórum ou da residência do Juiz, confiando na sua ação, na sua
autoridade, na sua ciência, na sua imparcialidade e firmeza moral. E deve o
Juiz distribuir Justiça, bondade, orientação, confiança, fé, perdão,
concórdia, amor.
Como pode o mortal, com todas as suas imperfeições, corporificar para tantos
homens e mulheres a própria imagem eterna da Justiça, tornar-se aquele ente
cujo nome de Batismo é colocado em segundo plano para ser, até mesmo para as
crianças que gritam, carinhosamente, por sua pessoa, na rua o... Juiz?
Só em Deus se encontra a resposta porque, segundo a Escritura, Ele ordenou:
“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as
tuas portas para que julguem o povo com retidão de justiça”.
Outra questão. Tempo vai, tempo volta e, no
horizonte dos debates volta-se a discutir a conveniência de alterar, por
força de emenda constitucional, a idade da aposentadoria compulsória dos
magistrados, de 70 para 75 anos.
Os interessados na aprovação da matéria são, de
maneira especial, os magistrados que se encontram à beira da idade-limite.
O empenho de permanecer na função, no que se
refere aos juízes, é tão veemente que o humor brasileiro criou uma palavra
para a saída não voluntária – expulsória. Diz-se então assim: “Fulano não vai
pedir aposentadoria de jeito nenhum. Só saí na expulsória”.
Sou absolutamente contrário à pretendida
alteração constitucional. O aumento da idade da aposentadoria compulsória
retira oportunidades de trabalho para os jovens. Mais importante que manter
os idosos, nos seus postos, é abrir possibilidades para os novos.
Terceiro ponto. Sou a favor do voto aberto e
motivado na promoção dos juízes. O voto secreto, por mera simpatia ou
antipatia, ou por critérios ainda mais censuráveis, deslustra a Justiça. Quem
vota deve sempre declarar pública e limpamente o seu voto. O processo de
democratização do país, a que estamos assistindo, com o debate público de
todas as questões, não pode encontrar no aparato judicial uma força
dissonante.
Em 30 de agosto de 2005, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), acolhendo pedido formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB), aprovou resolução no sentido de que a promoção dos magistrados, por
merecimento, obedeça, nos tribunais, ao princípio do voto aberto e motivado.
Rebelamo-nos contra as promoções arbitrárias,
imotivadas, dentro da magistratura, já em 1979, na tese de Docência Livre que
defendemos publicamente na Universidade Federal do Espírito Santo. Dissemos
então:
As promoções, no quadro, deveriam ser precedidas
de concurso público de títulos e de provas. Desses concursos deveria
participar, com peso ponderável, a OAB, pelas mesmas razões que justificam a
presença da classe dos advogados no processo de recrutamento de juízes.
Os concursos buscariam apurar a operosidade do
juiz, sua residência na comarca, o cuidado de suas sentenças, sua dedicação
aos estudos, seus escritos e publicações, cursos de aperfeiçoamento que tenha
frequentado, seu comportamento moral, social e humano etc.
Última questão. Sou contra a realização de
audiências criminais por vídeo-conferência. Não me parece de bom conselho que
se privem os magistrados do contato direto com indiciados, acusados ou réus.
Parece-me que a ausência desse contato desumaniza a Justiça. O acusado – seja
culpado, seja inocente – não é objeto, é pessoa. Quantas vezes, na minha vida
de juiz, a face do acusado revelou-me o imponderável, a lágrima que rolou
espontânea indicou-me o caminho. Não se trata de desprezar os autos, mas de
ir além dos autos. Da mesma forma que o juiz deve ver o acusado, o acusado
tem direito de ver o juiz, de falar, de expor, de reclamar, de pedir. Quanto
a ser ou não ser atendido, isto é outra coisa. Mas cassar do acusado o
direito de comunicação direta, afastando-o do magistrado através de uma
máquina impessoal, parece-me brutal.
João Baptista Herkenhoff é magistrado
aposentado (ES), professor e escritor.
CV
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
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