POESIA

        

NAS  ASAS  DA  EMOÇÃO

a bordo de um avião da Latan

 

 


São 8:30 e estamos a bordo

                 de um avião da Latan

Retornamos a São Luís do Maranhão!

Quanto tempo não visitávamos a cidade

                 de Luís!

Votamos a ver Gonçalves Dias

                 e seu poema Y Juca Pirama.

O velho Nascimento de Moraes ganha

                 estilo presente,

                 ele jornalista e professor

Nauro Machado já expõe suas bravatas

                 poéticas,

nosso exemplar literato agora chama-se

                 Humberto de Campos,uH

                 suas dores e infortúnios.

Será ele nosso parente distante —

                 Humberto de Campos Veras?

Onde as praias ludovicences — os fabulosos

                  lençóis maranhenses?

O areal pulverizando de sonhos nossos prazeres

                  de antanho.

Lá onde fica o velho Igoronhão

                   surge Tutoia, a praia de Andrereza,

                   morros imensos ventos expulsando pilhas

                   de areia.

Na cidade de São Luís — a vetusta poética  capital

                    dos grandes vultos, hoje ânfora de

                    extermínio que o Tombamento Histórico

                    produziu

a que imputamos  o naufrágio da cidade,

                    os citadinos agora navegando na destruição

                     á sombra dos casarões desmoronados

— berçário de uma suposta modernidade.

Ergue-se uma nova cidade, embora desvinculada do

                     passado sempiterno.

Bairro de São Francisco, o pretencioso Calhau

                     — travessia turística para outras praias,

                     do Meio, Olho d’Água.

Ah, sim, vamos reviver antigos sonhos, o passado

                     ressuscitado, nos desvãos da vida.

Perseguiremos outros sonhos?

Ora, direis, reviver os sonhos!

É o que diz o coração.

Ao redor, revolucionário roldão

elevam-se em desejos.

 

                     — sombras que sofrem?

No olhar do tempo, a verdade  dos aforismos sobrevivem

                     — a paz dos angustiados, o ilusório amanhã.

Nesse bólido, carrego comigo as incertezas do futuro.

Viver é preciso — navegar não é preciso.

Fernando Pessoa que não tinha razão.

Sim, poeta, viver é por demais preciso.

Talvez não seja tão preciso o navegar.

Não estamos nós também navegando

                     nas sombras do passado?

Viveremos outra vez?

Retornamos à vetusta São Luís.

Quem sabe, ali, o amor se renove.

Teremos quanto tempo ainda?

 

                    

                      O bólido atravessa a barreira do infinito.

                      Vou-me embora pra São Luís

                      O passado me espera,

                      voando assim — nas asas da emoção.

                    

 

                                           A bordo. 4.07.23

 

 

 





 

 

 









MÃOS  QUE  SUSTENTAM  O MUNDO

 

- Poema à guisa do estilo drummondiano

 

 

 

 

 

 

 


 

Ó poeta, com nove décadas de ganho,

tuas mãos já te sustentam o mundo,

o espasmo de teu olhar de incertezas

                                      insone.

Teus olhos são lumes a transgredirem

                                      o sol,

combalido em lembranças,

tuas lembranças são memórias

                                    entrelaçadas,

avultam na realidade

                                   de sonhos.

As horas se passam e teus passos,

outrora plenos de energia,

hoje enfrentam trôpegos, solertes

                                   caminhos.

Tuas mãos ainda sustentam esse

                          inesperado mundo?

Teu coração ainda suporta o ônus

que o passado te pesa?

São travessias, veredas de antanho,

                        ganhos e desenganos,

amortecidos e renascidos

                      no dorso da existência.

Ontem, um céu cadente de estrelas,

hoje ainda rutilantes,

reanima a alma, em ânfora

                           de alegria.

Tuas mãos ainda sustentam o mundo,

O vigor se investe no trânsito realista

                       dos teus sonhos,

saltimbancos da vida.

Nove décadas te vergam os dias,

o olhar trafegando pelos viés

                         da vida.

Novas trilhas ainda as há

nesse teu longo caminho.

Vês o descortinar dos dias

fluírem como afogados,

mas propícios às primícias

                       da eternidade.

Sim, tuas mãos ainda sustentam

                        o mundo

— ou é o mundo que te sustenta

                        os sonhos?

Bsb, 26.01.23

 

 








                    EU,  O  MUNDO  E  O  SENTIDO
              
                    - a  metafísica poética do  cotidiano


                 Murilo Moreira Veras






                                  
Eu sou eu
e as circunstâncias que me cercam.
As circunstâncias estão em mim como eu estou nas
circunstâncias.
Ora, dirás,
quem es tu senão aquilo que traduz tua consciência,

              a consciência que faz de ti o que és ­– o eu dos outros
no em si do mundo?
Pois no começo era o caos
do eu, o eu mergulhado no caldo primordial do eu
síntese do universo.
Não mais o eu – sou,
eu  sou agora a consciência do caos invertido,
construído no paraíso existencial.
E sou aquele que não é, mas que continuará sendo
na circunstância em que a vida se acha
envolvida.
Eu estou impresso nas pegadas do mundo,
assim como as pegadas do mundo estão impressas
no registro de meu eu de vivências.
Eu sou mais do que verdadeiramente sou
enquanto ser delineado nas entranhas do ente.
Não que eu seja o próprio ente, falta-me a qualificação
dos sinais do eterno.
Eu sou o ser depois do ente, aquele que transmite
a essência do ente,
sem despojá-lo de sua imortalidade intrínseca.
Eu sou o invólucro da criatura recriada,
porque sombra de uma anti-sombra,
a sombra que se faz criatura pelo fato de nascer
de sua mesma sombra.
Eu sou corpo e alma, ambas compartilhando o mesmo
espaço do ser,
apenas nas dimensões díspares da razão e do espírito,
dever e devir, desarmônicos na sintonia do existir.
Eu sou a consciência que se depara com a argúcia
da vida e se digladia à cupidez da aurora
humana.
Eu sou a lâmina que corta o fio da existência
enquanto fere a lucidez da ação.
Eu sou vítima e testemunha do próprio crime
que  pratico.
Eu sou o cordeiro imolado no desterro de minha
solidão, 
serei abatido no cume do mundo,
depois ressuscitarei para o porvir.
Compreendeste quem eu sou?
Eu sou o calvário do mundo, aquele que pode
semear sua transformação,
mas para transformá-lo tenho de mudar o sonho em
carne e a carne em vinho.
Por isso eu sou a exigência da carne, a mesma carne
que luta com a alma à busca de seu espaço próprio,
a vida ou a morte.
Eu sou tanto o corpo que condiciona sua ação e interfere
na matéria,
quanto a alma que anseia a transcendência e se sabe rebelde
às exigências do corpo,
quando trai os laços que a prendem ao Paraíso.
Eu ouço a minha própria voz ressoando na caverna
primordial
e me desembrulho das sombras para melhor me aquecer
sob o sol cujos raios invadem os limites de meu mundo,
o frio mundo do existir.
Neste estar-no-mundo, eu sou a sombra que de repente
se ilumina,
porque não passo de um reflexo da imagem anterior,
embora única,
o caniço que a consciência, desperta, me faz agir e pensar
­ ­- esse pensar-em-estar-no-mundo que me transforma
e, ao mesmo tempo, me deforma o centro de gravidade no qual procuro apoiar minha busca
e especular o que sou e o que não sou, de onde venho
e para onde vou, nessa extraordinária viagem ao redor
da vida e do mundo.
Eu sou aquele que cumpre o itinerário mítico deste
velho novo mundo,
em cujas circunstâncias se enreda a teia da vida.
Também eu sou aquele que se desvencilha das malhas
cruéis do destino,
porque o destino na verdade constitui a maior das trapaças
no grande jogo da vida.
O jogo da vida ou a vida do jogo – o destino do jogo ou
o jogo que o destino joga impune.
A vida é uma trapaça ou é o destino que nos prega uma peça,
se não passamos de insetos surpreendidos no inescapável
ardil do destino cósmico?
Seria o ser humano essa fagulha cósmica que se sabe
vítima de uma trapaça metafísica?
E o que fazemos nós, seres humanos, enredados nesta
caverna de tensões, onde  o mundo teceu e cultivou
ao longo do tempo o itinerário da vida, a partir da
trama mítica do Paraíso Perdido?
O estar-no-mundo é como viver no mundo,
na perspectiva do ser no devir, o desenrolar da trama,
a partir do renovar o mundo,
sem se dispensar do trânsito da graça
onde repousa o ponto-de-equilíbrio do ser no mundo.
O mundo é o meio no qual o eu se faz sendo,
porque é nele que o fazer do homem se realiza
e adestra sua função transformadora,
através da técnica e dinâmica do progresso.
O ser-em-si em o ser-para, o lugar de sua trajetória
evolutiva, em direção ao fim-ômega.
É no mundo e por ele que o ser se torna autor e condutor
de seu próprio destino,
a dimensão do espírito se sobrepondo à tensão da matéria,
a graça removendo os obstáculos, como dispensário
à construção da Cidade dos Homens.
Este mundo, o mundo onde o estar coletivo do ser no mundo multiplica suas ações,
a arena vital de sonhos, derrotas e realizações.
Este mundo, cujos tentáculos de máquina movem atos, entes e ossos, e se constrói à custa de sangue,
                 o sangue dos homens.
O mundo é um tablado de xadrez cujas regras desobedecemos, quando a todo instante temos de  nos livrar dos cheques-mates da existência.
Ver o mundo não como o mundo nos vê, mas como o vemos, na perspectiva de suas  múltiplas alternativas.
Todos vivemos no mundo, mas quem realmente sabe os segredos que o cercam,
                  ou se desvia de seus fatídicos encantos?
É preciso estar-no-mundo sem realmente estar nele, conhecer o mundo, sem se tornar escravo de suas malícias.
As malícias do mundo são as nossas próprias malícias, os nossos próprios erros, que a todo instante cometemos para retificar o nosso roteiro.
Somos o produto das gerações anteriores, os trabalhos com os quais edificamos a vida de nossas cidades, o empenho de nossas vidas, o conglomerado de nossos sonhos.
O mundo e as coisas do mundo se confundem, porque coisas e o mundo são artefatos e argamassa de uma construção maior, que supera nossa razão, transcende nosso estar-no-mundo.
O mundo se constrói e o hominídeo, quando colabora na construção,  é causa propulsora da transformação do mundo.

O silêncio não sabemos hoje se se esconde onde ou depois das nuvens.
Sabemos que ele golpeia fundo a soleira do mundo, deixa suas pegadas, onde o equilíbrio costuma romper a alcatifa do horizonte.
Ali o olho da terra não chega perto, porque se sobrecarrega de conhecer, a cupidez de sua destra lhe rouba os desejos.
Faça-se o silêncio, magoem-se todas as nuvens para que possamos ser desanuviados de qualquer memória e nossos pés de novo beijem o chão, removido o sangue que tornou  os sapatos mais do que limpos de vergonha.
O silêncio desperta a verdade do caos, o novo amanhã é o que pode renascer hoje, enquanto as nuvens sejam alentos de cantos, que enlevam na terra as criaturas.
São elas que acordam o inquieto silêncio dos que sabem voar.
Sim: eis o silêncio das nuvens. Ou são as nuvens que fazem silêncio para ouvir o ruído da vida no redemoinho do mundo?
Eis a fala invertida, a que pratica a verdade escondida no caos, a sombra que desenha o contorno das coisas esquecidas na memória.
Relembrar, não, sepultar o passado movediço. Esquecer, sim, compreender a ascensão, mesmo diante das quedas sucessivas.
O silêncio das águias ressoa nos altiplanos, testemunho atávico das estrelas, iluminadas de sonhos.
Sonhar por sonhar é conviver com o horizonte, é diminuir a distância entre o antes do depois, espasmo de inigualável alegria, como auscultar o ermo, trespassando o abismo.
É preciso compreender o barulho que faz o silêncio das nuvens no abismo.
O silêncio do abismo?
Tem preço, sim, o silêncio do abismo, o convívio com o nada profundo.
Tem preço, sim, o cair sem ascender.
Justamente o custo do sonho quebrado, a mistificação do absurdo que por ser absurdo não realiza a tranqüila morada do ser.
Aprende-se a cair, ascendendo, eis a questão, a extrema sabedoria.
O abismo é sedutor, com seus truques, suas ilusões, a simbologia do nada, a fantasia do escuro.
É de uma fantasia incrível a sedução que o abismo causa.
Contra ela, é preciso trilhar outras trilhas, cingir outras águas, respirar ar mais puro, desde que imune ao niilismo da reflexão vazia, que é o próprio abismo mistificado.
Longe desta falsa ilusão que nos cega e mata a visão, a mais eficiente receita é nos mantermos sempre à escuta e evitar que resvalemos para a astuta borda do sedutor abismo e venhamos a ser abatido no chão.
Dir-se-á:
– o que fazer então, se o vento desvia as pegadas de nossos rumos?
Alçar as asas mais além, onde não ruge o frágil gesto, o olhar da solidão informe.
O olhar da solidão informe.
Visão sem visão que atropela, que só vê aquilo que não deve ver, o imaturo sonho.
Adormece a aurora no início da manhã sem o sorriso do devir,
é como descumprir a magia da sidérea luz, com o advento inoportuno do crepúsculo, à mingua de idéias e de cânticos.
Sem gesto, sem sorriso, sem olhar, o grito não passa de um grande silêncio, desabridamente afônico.
Onde o carinho da primavera na tenra folha do trevo-vida?
Onde está a soltura dos grilhões que nos prendem a liberdade do coração?
Tudo parece longe, informe e frio – gélida indecisão esse pérfido conluio da aurora querendo sufocar a recém-nascida esperança.
Por que as asas renascem desnutridas de aurora?
As asas renascem desnutridas de aurora porque lhes falta o vigor do viço que corre livre nas nervuras de seus suportes, nervosos suportes de vitalidade, a coragem e ousadia suficientes para enfrentar o risco de viver.
Há os que não se arriscam a viver e por isso adotam a vilania de outros caminhos, embora sejam maiores os riscos, digamos, de comprometer o próprio destino da rota,
esses flibusteiros da ação se inclinam mais para a tentação de se beneficiarem à conta do bem comum,
nova espécie de raça de víboras, que agora não atacam os templos, mas dilapidam a construção dos homens, o grande edifício do trabalho humano?
O que querem com isso? – perguntar-se-á.
A locupletação pessoal, é evidente, a ânsia do poder, o destaque oficial, o nome e a fama de ser grande, poderoso, cheio de artimanhas,
todos co-participantes de uma ilusória fraternidade, a cidade do vício, do logro social e da vergonha.
Tamanha ignomínia faz parte do jogo democrático?
Sim, mas é evidente a concepção de que precisamos mudar, purificar o jogo do poder,
transformá-lo, ao contrário, num justo conciliábulo de interesse em prol do bem comum.
Nada de dança de infames urdiduras, maquiavélicos conchavos
– uma competição de alto nível, onde se ousem se  busquem as melhores soluções, conjunção de ideais para construção de uma comunidade mais ínclita, solidária
e realmente equânime.
Eis os piratas do erário público, como fazem e como agem.
Por que não são expulsos, erradicados quais as mais daninhas das ervas?
Estimulá-los jamais. São como o joio, a urtiga, eles se infiltram na lavoura sadia, rompem as fronteiras da justiça,
para se esconderem em covas rasas, depois cavarem suas cavernas de mentiras, onde florescem e de onde partem para amordaçar mentes e corações incautos.
Quereis melhorar o mundo, como fazê-lo se aceitas o exemplo do falso líder, do palavrório fácil, da (des) razão, que a nada leva
senão ao sofisma do pensamento, à arte de confundir?
Sim, arte de confundir hoje prevalecente, os fakenews, as redes sociais, que nos desviam de ver o viver e somar, em vez de melhorar, definir o sentido do mundo.
Dir-vous-ei — tudo isto é distorcer as faces da justiça  e da razão.
Mas, não  somos seres desprovidos do descontino.
Não somos simples projéteis que atingem ou não as metas do destino.
Somos, sim, projetos que nossa experiência e habilidade alcançam os desejados objetivos.
Não precisamos de robôs alternativos, folhas secas que vivem, mas não alteram os planos vivenciais..
Somos marcados para viver, não esse viver alternativo, onde tudo vale, no vale tudo do viver, onde o inconsistente torna-se o consistente de nosso ser.
Daí o constitutivo evidente de nosso sentido de viver — o plano projetivo de como estar bem com a meterialidade de nosso ser,
Num mundo de imanência inconsistente, que se contém na seta permanente do temporal.
O devir que se projeta no amanhã do porvir, que se potencializa na eternidade do devenir do vir a ser.
Enfim, dir-vos-ei:
O sentido da vida, de nossas vidas, é sabermos contextualizar, com certeza e presteza,

as circunstâncias imediatas do vir-a-ser, já sendo, de nosso verdadeiro SER
                                                               Bs, 28.06.18
                                   
  
   


                        POEMA  AXIOLÓGICO



                                         Murilo Moreira Veras

O que é o valor senão
 o mérito final das coisas
— o dever-ser da sacralidade
do ente, o amor à justa razão,
a verdade sobre o ente-em-si e o que será?
O poema se desdobra entre o peso
axiológico e a leveza do ser ontológico
entre a ética final e o sedentarismo do ente-em-si inicial.
Somos todos erráticos seres,
a angústia é o contra senso da razão,
a razão final a equação valorativa entre
o ser e o dever-ser trasncentalizado.
Valor como imperativo categórico do ser-em-si
no seu dever de esperança na Ética e na Moral,
ambos em ascensão ao Fogo Criador.

Bsb, 27.04.20


                                                                                                                                                                              
                              MULHER : FLOR  DO  PARAÍSO?

                               




                                         Murilo Moreira Veras
Mulher. O que é a mulher?
Flor, sonho, água virgem, pedaço do paraíso?
Estranho ser, a mulher,
princípio de outro ser que dela nasce
ejectado como expulso da escuridão.
Ou útero de luz que por nove meses esconde
o embrião, para soprar-lhe a vida?
Depois ter de suprir-lhe todas as necessidades?
E amar esse novo ente, amamentá-lo,
aquecê-lo de carinho, vê-lo crescer, rebento
que se torna maduro, a seguir
atira-o mundo afora,
para não furtá-lo da aventura da viver.
Amor em forma de ardentes cuidados,
o olhar terno de uma eterna e carinhosa mãe?
Ou é flor inconsumível pelo tempo,
cujo perfume transcende o cotidiano do mundo?
Se com a dor convive, supera-a em força
e serenidade extrema,
quando não a vence
em sublimação.
Mulher, mãe, avó, filha, madrasta, sogra, nora,
parente, o que for será sempre
mulher-água, mulher-flor, mulher-vida, mulher-sonho,
porque água, flor, vida e sonho são a matéria prima
de que ela é feita
– e sempre o será,
artefato ínclito do coração de Deus,
fruto de sua inventiva criadora,
matéria sutil da inteligência superior,
mater-filha-de-maria,
provedora e mantenedora,
santa ou pecadora,
não mais que
Mulher.

CDL/Bsb, 8.03.19






                A  SUSTENTÁVEL  GRAVIDADE  DO  SER










                                                        Murilo Moreira Veras
Decantarei todas as coisas
que a vida nos dá
— belos dias, todos os haveres
que se pode ter
mas nada, nada se compara
com os sonhos que nos proporcionaram
a sustentável gravidade do ser.
Corremos mundos, grandes surpresas,
cruzamos com terras, temos amigos,
bons e maus amigos, ricos, pobres,
gente humilde, espertalhões, doutores,
comendadores, escritores, fiéis e infiéis seguidores
— os caminhos que nos levam ao querer e poder,
mas nada, nada se compara com as belezas
espelhadas em nosso ser.
Amores, ardores e tantos sofreres,
desse mundo nada se leva
senão o que na verdade se é,
o sim do âmago de nosso ser
que transcende a extravagância
do ter e do querer.
                   Decantarei, sim, as coisas que a vida nos dá,
belos dias, louvores e fervores de que podemos
nos regalar
— mas  nada, nada se compara
com a sustentável gravidade,
que é a beleza inigualável do Ser.
                                                Bsb, 25.10.18

   







































































             CÉU  ÁVIDO
                                    
         








                        Murilo Moreira Veras

Os inimigos, por Jove, nãos os tenho,
a sério, mesmo envoltos no mistério
que se debate no mais raivoso pélago.
Se os tive, guardo-os em segredo comigo.
Se acaso os relembro,
a ressoar seus nomes no livro da existência,
não me doem, a consciência já inerme,
simples pensamentos adredes
que ao senil prescreve
e o juvenil se atreve.
Amigos, sim, os tive, os tenho
e espero tê-los sempre
nesse nosso trilhar afora.
É como definir-se o reverberar do sonho
que o Destino espelha
em cada Céu Ávido
da outra vida que —
tê-la todos nós supomos. 
                                              Bsb, 1.05.18




  CÂNTICO  DO  PÃO  CRÍSTICO 

                REINVENTADO
                                  
                                                
                                                                          Murilo Moreira Veras

Que nos  deem o pão para que sem egoísmo saibamos dividi-lo,
Que não nos deixem o desprezo da insônia nos impedir de perdoar,         
O pão — que ele não se transforme em guloseima de glutões,  mas acepipe sutil, experiência superior
Que não nos ceguem os olhos de assistirem  a beleza que o silêncio oculta.
Que não nos represem as mãos de exercer o sublime gesto de ceder e  amar
Que o coração se enriqueça sempre de sonhos
E na mesa da esperança jamais nos falte o pão partilhado
— para que não venha a ser vítima da cilada do desamor e soframos  da solidão.
Que o pão desnudado e simples represente o signo comunitário e
nos ensine a ser livre, sem ilusões e nos faça  compreender a dor e o sofrer humanos
— esse  partilhar fragmentado.
Que a energia do pão nos traga força e jamais nos empobreça os olhos da luz de seu fermento
 O pão é ele que nutre de esperança a fome espiritual de nosso irmão
Que o pão da verdade e a verdade do pão sejam o alimento contra a afasia da razão, que se mede em opróbio da injustiça.
Este é o Cântico do Pão Crístico, ora inventado.
Iluminem-se todos os olhos e todas as mãos, súplices, incendeiem-se de luz.
Que o pão se espalhe em frações de sonhos e lucilem como estrelas entre os seres indomáveis,
—  prelibações de oráculos, o pão da vida, que é o maná da salvação.
Ouvi todos:
Onde o pão crístico que ainda não matou a  fome espiritual do mundo? 
                                      Bsb,11.10.17


              

                                              O  V E L E J A D O R




                                              Murilo Moreira Veras

De há muito velejo por este mar da vida, mar de sonhos – o verde mar da vida.
Velas ao vento,  navego, velejando   pela existência.
Bujarrona  solta, vou navegando,
todo o cordame feito de vivências,
livre de consciência,
sempre velejando, de porto em porto,
busco  o promotório da esperança.
Vida que vivo, na verdade, como a verdade na vida.
Quantas novas trilhas? Quantas novas milhas percorridas?
Vou velejando, vou vivendo,
por vales, vielas, vilas vou passando e a vida renovando.
Velejar é como navegar nas ondas da vida,
caminhar por trilhas inauditas, mas que passamos a conhecer.
É comungar com os desejos escondidos, de repente  
 renascidos.
 Eu sou esse velejador visível e previsível
— o Velejador de Sonhos.                                                                      
                                        Bsb,01.01.17

                  

                                 
                 





               
                                     A FLOR E A ESTRELA


                                               Raimundo Nonato Veras, reconsti-
                                                tuído por Murilo Moreira Veras.


                   HÁ DUAS COISAS QUE A VISTA HUMANA

                   SE QUEDA A CONTEMPLAR INEBRIADA,

                   A FLOR NO VERDE PRADO DESBROCHADA

                   E A ESTRELA NAS ALTURAS SOBERANA.



                   A FLOR REPRESENTA A NATUREZA

                   ONDE OS SERES SE ACHAM GUARNECIDOS

                   JÁ E ESTRELA NOS CÉUS DEESCONHECIDOS

                   EVOCA SEMPRE RÚTILA BELEZA.



                   SE NUMA A SINGELEZA DIVISO

                   NOUTRA VEJO UM SOL ALADO TAL

                   QUE ARDE EM DIVINAL AVISO



                   A NOS ENCHER DE FÉ E DE ESPANTO,

                   PORQUE DEUS FEZ A FLOR DE SEU SORRISO

                  E A ESTRELA DE UMA GOTA DE SEU PRANTO



                                              


CDL/Bsb, 27.10.16





















               

         

                  HOMENAGEM AO POETA

                                        PEQUENA  ODE  A  TROIA


                                        Nauro Machado


Como te massacraram, ó cidade minha!

Antes, ,mil vezes antes fosses arrasada

por legiões de abutre do infinito vindos

sobre coisas preditas ao fim do infortúnio

(ânsias, labéus, lábios, mortalhas, augúrios),

a seres, ó cidade minha, pária da alma,

esse corredor de ecos de buzinas pútridas,

esse vai-e-vem de carros sem orfeus por dentro,

que sem destino certo, exceto odo destino

cumprido por estômagos de usuras cheios,

por bailarinos d’ascos sem bale nenhum,

por processões sem desuses de alfarrábios velhos,

por ´teros no prego dos cachos sem flores,

por proxenetas próstatas de outras vizinhas,

ou por desesperanças dos desenganados,

conduzem promissórias, anticonceptivos,

calvos livros de cheques e de agiotagem,

esses lunfas políticos que em manhãs – outras

que aquelas há havidas, as manhas do Sol –

saem, quais ratazanas pelo ouro nutridas,

apodrecendo o podre, nutrindo o cadáver.

Se Caim matou Abel e em renovado crime

Abel espera o dia de novamente ser

assassinado em cuinha de rota bandeira,

que inveja paira em Tróia ou em outro nome qualquer

da terra podre e azul de água e cotonifícios?

Mutiladas manhãs expõem-se nas vitrinas

de sapatos humanos mendigando pés,

de vestidos humanos mendigando peitos,

de saias humanas mendigando sexos.

Esta é Tróia!, o vigésimo século em Tróia,

blasfemam as fanfarras de súbito mudas

aos ouvidos marcando a pancada da Terra.


____________________________

Nasceu em São Luis (MA), em 1935, faleceu este ano. Filho de Torquato Rodrigues Machado e Maria de Lourdes Diniz Machado. Poeta, escritor, com vasta obra, notadamente poética. Seus últimos livros foram: “Esôfago Terminal” (2014) e “O Baldio Som de Deus” (2015). O Brasil perde mais um grande poeta, este das plagas maranhenses.



EVOCAÇÃO  LUDOVICENCE


                                                                    Murilo Moreira Veras











E  refaz-se o olhar de   repente na   reclusão
dos sonhos
não os sonhos de uma manhã desfeita,
os sonhos de uma saudade
a ecoar num pátio,
como batendo em ladrilhos
e abre-se uma pequena janela
na memória perdida do tempo.
        O que se pede? O que se sente
naquela tarde mergulhada em sonhos?
Um sorriso se acende no retrato antigo,
uma mão tece o enredo da vida,
a explosão de um olhar, inquieto olhar,
o adeus, o desenlace
e lábios sôfregos desembrulham saudosa lágrima...
Na tarde, aquela figura frágil de pássaro.
No cais aqueles olhos compridos de louva-a-deus
esperando
a esperança que jamais virá.
Ah, São Luis, tu jazes insepulta no meus ínvios
olhos,
nuvem de sonhos de uma manhã insone.
A praça Gonçalves Dias das antigas festas de igreja,
com suas ladainhas, a alegria, os pirilampos, os rodopios.
O antigo campo de Ourique com suas casas de estudo
tradicionais: o Ateneu, o Colégio Estadual, o Rosa Castro.
No meio, plantada,  a biblioteca abre suas asas de livros,
carrossel de folhas, histórias e flores
        porta aberta de aventuras.
Em antigos detritos, a rua dos Afogados afoga
o olho foragido do tempo.
A boca do lobo tragando a sujeira.
Os fatos também fluem na correnteza do tempo.
A rua dos Hortas não tem horta, mas tem portas.
A rua das Flores tem amores.
O sol da rua do Sol esconde o olho tímido, vadio,
 de luz as casas devassadas, embriagadas, sonolentas.
Sem pressa segue-se pela rua da Paz,
a costear o casario azul, verde, amarelo e branco
até a praça João Lisboa, antes aportando-se ao prédio azul
da Academia, antiga biblioteca.
O Carmo ergue seu nicho sagrado
de longe controla os nobres sobrados,
arqueados de histórias e sombras.
No centro, o pombalino relógio
que as horas esqueceu.
Pela rua Grande ou se sobe ou se desce,
serpenteando até o coração da cidade.
Na Viração é o entroncamento do bonde São Pantaleão
que corta a rua dos Passeio rumo ao cemitério,
enquanto o do Anil e seu caradura
seguem rua Grande a fora, em busca do Areal, da Estação,
do ponto final.
O Beco do Escuro se esconde nas sombras
com seu odor de madeira podre, suor e latrina.
E lá para o outro lado da cidade no seu altiplano
situam-se o Viaduto, o Palácio dos Leões,
a Igreja da Sé e o Hotel Central,
onde o bonde Gonçalves Dias atinge o fim da linha
e o motorneiro manobra o seu retorno.
Por onde ele passa vai acenando
e recordando o passado.
Pode-se ver o olhar de Bequimão
enforcado no seu sonho rebelde.
Dali, como um golpe de faca,
uma ladeira nos leva direto à Praia Grande,
os armazéns, o formigueiro do porto,
a Alfândega, os barcos,
espetado no horizonte, um navio fundeado na baía de São Marco.
Não muito longe, o velho mercado.
Secos e molhados, peixe, farinha, camarão,
verduras e frutas, arrepiadas, perdidas, apodrecidas.
Labutas e trapaças escondidas.
O transporte é a carroça puxada a burro,
vai-se para onde se quer.
Beco do Quebra-Costa, da Pacotilha, Madre Deus.
Praia Grande, o comércio a grosso, cheiro de sacaria, babaçu e marisia.
Bem pertinho, fazendo-se o contorno, alcançamos a Beira Mar.
Bairro nobre, a brisa marinha aliviando o castigo do sol.
É lá que fica o Cais da Sagração
e onde aos cambulhadas se chega galopando
no dorso da ladeira da Montanha Russa.
A três ou quatro passos refugia-se a sucata da antiga
Estrada de Ferro São Luis/Teresina.
(Quanto tempo faz isso? 50, 60 anos?).
Quem se lembra mais da velha e pachorrenta Maria Fumaça Maranhense,
suja, poerenta, desengonçada, soltando faíscas no tempo,
deslocando ineficiência?
Ah, São Luis, São Luis,
velhas e novas lembranças redivivas!
Os desfiles estudantis, os antigos carnavais,
os matinées, os vesperais
e soirées no Roxy, Éden e Cine Teatro Arthur Azevedo.
O Colégio Estadual. A Praça João Lisboa.
As divagações noturnas ao pé da estátua de Benedito Leite.
Os bondes, os dribles no estribo enganando o cobrador.
Os seriados de cow-boy aos domingos no cine Rival.
Os pães da padaria Cristal.
A Mercearia Brasil vendia a prazo.
Depois do cinema o sorvete no Hotel Central.
Melancia nos intervalos de aula.
Descer a Rua Grande a pé é uma festa.
A Viração, as lojas 4.400, o Tabuleiro da Baiana, o Cassino Maranhense,
a Farmácia Garrido, as Lojas Rianil
e desembocamos na João Lisboa pra tomar caldo de cana
ou refresco na Fonte Maravilhosa ali perto.
 

Ah, São Luis, São Luis

                 dos meus verdes tempos.
                  Será que ainda existes
                ou apenas tu te escondes
                     atrás das janelas
                          da emoção?
                                                                        Bsb, 6.08.05

   
CAVALGADA  DOS  INCONFIDENTES











                                 Murilo Moreira Veras


 Romanceiro o que fazes
senão sonhar com encantados ribeiros
e montanhas escondidas
a se enrolarem nos caminhos de sombras
do Verbo Divino Encarnado?
Ó Romanceiro da Inconfidência
que logo Ouro Preto revelaste.
É a corrida do ouro
a terra que se fere de sulcos,
enriquece pontes e palácios
também paixões se acendem,
em cada caminho um ladrão encurralado.
Caçadores trilhando nas matas?
Ai, menina assassinada
com seu esvoaçante lencinho
feito de sonho, ouro e papel,
apunhalada em tempo natalino
pelo próprio pai.
O ouro podre foi desfeito,
Um menino dorme sem sonhar.
Morre Felipe dos Santos,
enforcado e esquartejado,
numa noite de luar.
Trocam-se grãos de chumbo
à força do pecado.
O que fazem os negros,
senão espiar, catar raios de alegria
e se assustarem?
E Chico Rei veio de Luanda ou do Congo?
Seu trono fica na lua,
no sol, nas estrelas
de seu mísero cantar.
É um ínfimo romance
ou uma cantiga de ninar?
Santa Ifigênia sacode o manto:
ouro em chama se transforma.
A donzelinha pobre chora lágrimas de ouro
                                   e sangue
diante dos desvarios dos homens,
enquanto diante do altar
outra donzela põe-se a rezar
por seu enamorado
que lhe mandou uma flor.
Ouvidor que manda flores,
enquanto aprisiona sem pudor os traidores?
Nossa Senhora da Ajuda
ajuda todo mundo que a ela se socorre?
Crianças rezam cheias de fé
– Nossa Senhora, ajudai,
Ajudai Joaquim José.
 
E a figura de Fernandes
– o contador de sangue, sonhos e diamantes,
alvarás, contratos e decretos
na vida ele vai contratando.
 
Eles eram muitos cavalos     
Mas Chica da Silva
dorme em dourada cama
e os marotos do Reino
recolhem os frutos,
em ouro e diamante
escavados às grotas e gupiaras:
é a tirania do ouro
a escravos fazer,
com ele se fabricam algemas,
muros imensos se erguem
com os tijolos da vergonha.
 
Eles eram muitos cavalos
 
Quando Chica da Silva se desfaz,
sem mais ouro, só pranto.
Nublados reinos de saudade?
São restos de chafarizes
onde a frigidez do tempo
imola a língua das palavras,
vidas sobre-humanas
segregadas de tristezas e rebeldia.
 
Eles eram muitos cavalos
Esses acadianos com suas criaturas de deleites,
com ramalhetes de flores,
redondilhas sob nevoas de tristeza

e apatia.

Esses nomes de deuses tardios,


Maria, Glauceste, Dirceu, Nice e Anardia,

imbricados em leques de saudade.



Eles eram muitos cavalos


Anjos, promessas, procissões

 e cavalhadas,

alfaias de capela, o barroco

 sonhando,

a deslizar sobre seixos e pedras

num carrossel de ideias

– invejas que se embaraçam
e se espalham pelo clero, nobres
 e pelo povo,
enquanto a chibata é cruenta
e em negros troncos outros negros troncos
se imolam.
a Arcádia os noveis pastores literários
tecem sonetos em liras e adormecem,
esquecendo  os impostos e os castigos.
Até um diamante em ideias retratado.
Eles eram muitos cavalos
Enquanto sombras de revolta abrasam
as terras de Vila Rica,
esse levante de que participam
tolos e sábios.
Atrás das portas fechadas,
trêmulas velas tramam os contrafortes
da revolução
– os insurretos inconfidentes,
Vigário, juiz, poeta,
o Alferes a comunicação:
Libertas Quae Sera Tamem”
– de onde ecoa esse grito?
Ressoa nos iconoclastas, nos revoltosos
em todos os Inconfidentes,
libertários,
retardatários,
humanistas,
humanitários
– os afiliados da Sedição.
Eles eram muitos cavalos
Eis que o animoso Alferes emerge
ura ele  febres e chagas
– febres dos homens e chagas de Deus?
Inocente útil? Revolucionário? Iconoclasta?
Reformador ou Traidor?
Eles eram muitos cavalos 
Na calada da noite,
Silvério dos Reis redige a carta
de delação
– Judas redivivo?
Traidor, impostor, ladrão?
Inicia-se a devassa,
os acusados aprisionados,
Gonzaga, Toledo e Cláudio
– todos insurretos.
Quem avisa Vila Rica?
o guardião da vida
que se traveste de espião?
a Morte, o mascarado desconhecido?
Amigo ou Inimigo?
– É o Embuçado em ação.
Eles eram muitos cavalos
Que se calem todos,
as lavras, os loucos, os parentes.
É ele o sonhador louco,
o salvador que não se salva
– o Alferes Tiradentes.
Eles eram muitos cavalos
Que palavras são estas
com que tanto vos inquieteis,
pela boca húmida do tempo.
Que palavras são estas
que cavalgam em vossas bocas
com sentenças terríveis
que vos castigam e vos devoram
– o castigo vindo a galope?
Vêde, igual o manto crístico,
a mãos malignas lançado,
assim o Alferes tem seus bens
arrematados,
fivelas, navalhas, relógio, canivete,
espelho – onde estão as cinzas do perdão?
Eles eram muitos cavalos
Até um padre corrupto,
insurgente, conspira no tempo
 presente
– Padre Rolim, saltimbanco
aos ferros apanhado.
Eles eram muitos cavalos
Ah, os pusilânimes,
or que vos escondeis entre palavras
 confessáveis,
vós que do fundo da morte
tereis vossos nomes selados
 na eternidade.
Eles eram muitos cavalos
Claudio Manuel da Costa,
como ele morreu
– envenenado, apunhalado
ou teria fugido embuçado
nas pedras das colinas
de Minas?
E já vem o peso da morte,
Batendo nas portas,
mãos e pés sob o peso do infortúnio,
agora estraçalhados.
Sim, eles eram muitos cavalos
                 
Que madrugada aquela
sombria, negra de consequências,
inda longe a alvorada,
o povo apinhado,
colchas ao vento em reza
de sentimentos
– afrontosa agonia?
Eles eram muitos cavalos
Onde o caminho do cadafalso?
O Alferes há de morrer sozinho
  quem o salvará da sanha
 dos julgadores?
Pois ele há de morrer sozinho,
o corpo partido em quatro pedaços
a serem vistos dos alpendres
 dos palácios.
Eles eram muitos cavalos                        
Ninguém o segue,
Ninguém mais o ouve,
os amigos se afastam,
do sonho só leva tristeza
no bolso não leva vintém,
uma estrela de sonho revisitado.
Onde está o amor de Tomás Antônio Gonzaga?
O que restou da Arcádia,
de Marília e suas tranças
 de ouro trançadas?
Tudo nos porões dos navios.
Marília agora não passa de uma flor
 desbotada.
Eles eram muitos cavalos
Elas com seus sonhos,
a beleza reconstituída.
Eles eram muitos cavalos,
o olhar de enlevo que só a esperança
 acolhe.
Eles eram muitos cavalos
Os cascos soando nas lajes
  do passado,
nas ruelas, nos pátios,
o coração de Ouro Preto estrangulado.
O ouro cobrando à vingança
 de antanho,
o braço da vida rasgado à espada inaudita.
A vila adormece apodrecendo,
a rudeza do sonho esquecido.
Eles eram muitos cavalos
Os suspiros das donzelas,
a florirem de esperança
– corações apaixonados.
Marília cujas tranças se entrançam
 de justiça.
O nó da forca vil esmaga a tristeza
das vozes.
Noite sinistrada de sombras,
dorme a ilusão, perde-se o sonho.
Pelas janelas, beijos calcados,
esvoaçam sussurros,
enquanto as janelas dos casarios
se arrojam à beleza do ensolarado dia.
Com seu instrumento de arte
Aleijadinho  cinzela os vultos arrancados
 à imaginação
– coração imbuído de fantástico
 realismo.
Não há mar de marulhos e ondas
 ou frígidos ruídos,
mas os túmulos dos mortos;
Ó Aleijadinho, modelador de estátuas,
de pedra, carne e sangue,
ergue-te do túmulo onde adormeces
e cinzela na pedra
a Cavalgada dos Inconfidentes
em que se transformou a Trágica Mineira  Conspiração
pela liberdade desta Nação!
                                                                                                                                                                                         Bsb, 16.05.15
  


O  OLHAR  DE  DEUS



                                                                       Murilo Moreira Veras

    Nuvens de rebanho

             o estranho odor

             da aventura

            dor do mundo

            estrangulada

            no estreito nó

            da esperança

            rebanho de nuvens

           ou de estrelas?

           Retalhos de aurora

          se abrem

          em sorrisos

          Olhar das nuvens

         é o olhar da memória

         translúcida nos homens

                                 frigidez

                                simplicidade

                               oração

                               – tudo no rebanho

                              do olhar de Deus.

                                  Bsb, 30.05.15


            AVE TU,  POESIA

                            Murilo Moreira Veras

               

 Cessa tudo enquanto o canto encanta

que o poema em alto astral

a vida decanta

os olhos do mundo se traveste

de esperança.

Dá-me um poema e a felicidade

respirará sonho de todo o pranto

dos homens.

Vê como a rósea aurora

já resplandece

tingindo a manhã de arco-íris.

A vida é um caminho

em busca do sorriso do céu.

Sê tu como a destreza da águia

que espreita o Destino.

Ri à larga

e enternecerás de utopia

as sombras da noite.

Desfruta o dia com seu roteiro de pedra

e vibra com o cintilar das estrelas

que iluminam janelas

num céu desconhecido.

Ave luz

Ave sol

Ave alegria

Ave tu, poesia

com teu alforge

de magia.

                                                Bsb. 28.06.14





























Publicado em 8 de ago de 2014

Ficha técnica de O QUE SERIA A POESIA:
Música - JC Dattoli
Letra - Murilo Veras
Voz e violão - JC Dattoli
Teclados - J Goulart
Baixo elétrico - Daniel Júnior
Percussão - Jorge Macarrão
Gravação, mixagem e masterização - J Goular
Trabalho concluído em julho/2014.

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