ARTIGOS



KANT E O IMPERATIVO CATEGÓRICO

APRIORÍSTICO AO CONHECIMENTO

 

                                                    Murilo Moreira Veras

 

Em sua aula de 15.11.14, o Prof. Olavo de Carvalho, com toda a proficiência de quem entende do assunto, embrenhou-se no círculo vicioso de Immanuel Kant, para desvendar sua hermética tese do “imperativo categórico” e do enigmático conceito do apriorismo  como condição sine qua ao conhecimento.

Em sua conversa on line com os alunos – atualmente em torno de 5.000 – o professor pôs em pratos limpos as principais teses kantianas, demonstrando os erros do decantado filósofo alemão, cujas obras se caracterizam pelo hermetismo. Os conceitos ali expendidos fazem-no filósofo egocêntrico, tendo transformado a filosofia  numa espécie de quebra-cabeça, um jogo de similitudes e aparências, com que estigmatiza a razão, o conhecimento e a realidade.

Com clareza meridiana, o mestre Olavo destrinchou o enigma do conceito apriorístico do conhecimento, segundo o qual o conhecimento é uma mera representação da mente, e, consequentemente, a própria realidade, ambos, conhecimento e realidade, reflexos de modelo que a mente humana “a-prioristicamente” concebeu. Sob esse ângulo a existência não passaria de uma projeção daquilo que já estaria concebido em modelos internamente.

Em texto raro que Kant escreveu sobre o Gênesis bíblico, Olavo desvendou aspectos estarrecedores da máquina de pensar que foi o filósofo. Sua interpretação do episódio bíblico é simplesmente absurda. Deus, o criador supremo, teria feito o Paraíso para desfrute do casal Adão e Eva, mas proibiu-lhes de comerem o fruto da Árvore da Vida. Ocorre que, seduzida pela serpente, Eva come o fruto proibido e depois Adão, ambos desobedecendo a Deus. Kant acha que a serpente ao seduzir o casal primordial, a despeito da desobediência, abriu-lhes as mentes e eles passaram a raciocinar por conta própria, doravante o mundo ficou claro para eles, que assim adquiriram sua liberdade e independência. Com isto, Kant quer dizer que o ser humano adquiriu o direito do livre pensar e agir.

Olavo explica que Kant sempre silenciou  quanto à existência de Deus, o qual na sua concepção constitui uma figura descartada da existência, espécie de visão estratificada na mente e, por isso, sem qualquer função prática, em outras palavras, uma ficção incompatível com a realidade.

Segundo o professor, Kant teria pontificado, dentre outras aberrações, que a religião devia se circunscrever ao âmbito dos templos onde se realizam as cerimônias religiosas, ou seja, a religião é uma espécie de mito como uma ideologia. Se o representante, pastor, clérigo ou sacerdote quiser contestá-la, pode fazê-lo em público, porque são matérias estanques, o modelo de crendice religiosa que cultiva em sua mente e o que ele pensa através de seu imperativo categórico pessoal e independente. Em outras palavras: religião é uma farsa que o ser humano assume, mas não corresponde a seu pensamento livre e verdadeiro, do mesmo modo a existência de Deus.

Com essa concepção de que o conhecimento é obtido por via sintética mediante modelos apriorísticos da razão, Kant parece colocar-se como construtor da própria realidade, esta, a realidade não passando  de uma projeção da mente humana  – portanto o mesmo viés da tese cartesiana ínsita no “Penso, logo existo”, a realidade como projeto do pensamento e não o pensamento sujeito à realidade, capaz de gerar o conhecimento pela experiência sensível. A nosso ver o conhecimento não resulta exclusivamente de ação a-priori do raciocínio lógico ou ilógico, mas se forma a-posteriori pela experiência.

A propósito, acabo de ler ensaio de 1961 de outra conceituada figura da moderna filosofia germânica, Martin Heidegger, extraído do livro “Marcas do Caminho”, editado pela Vozes. O ensaio intitula-se “A Tese de Kant sobre o Ser”. É impressionante como o autor de “O Ser e o Tempo” corrobora com o pensamento kantiano e até aplaude o raciocínio de seu compatriota.

Neste ensaio, Heidegger se propõe demonstrar, através do método fenomenológico – de que se dizia adepto, aluno que foi de Hussell – o que significa “o ser do ente” na visão kantiana, ou seja, à luz das rígidas categorias de seu pensamento cartesiano mascarado de transcendental.

Passarei a pinçar, em seu ensaio, afirmações e elucubrações, pelas quais é possível equalizar como ambos, Kant e Heidegger, parecem compartir com o mesmo entendimento, ou seja, de que o ser humano é portador, ele próprio, do conhecimento, adquirido a-priori, portanto não está sujeito ao arbítrio do real concreto, concepção em total desacordo com a visão, por exemplo, de Mário Ferreira dos Santos. Em consequência, o ser humano torna-se agente catalizador e se arroga a criação das próprias regras, inclusive os estatutos da moral, da ética e da estética. Torna-se, por assim dizer, dono e diligenciador do próprio destino, o livre arbítrio exercido de forma absoluta. Ou como conclui Olavo em sua preleção, Kant criou um sistema axiológico próprio, no qual não há lugar para a compaixão e o sofrimento humanos, fazendo do ser humano um títere, mentalmente alienado da realidade concreta, com que se alinha às teorias cientificistas e ao relativismo, descartando qualquer possibilidade de aceitar a visão humanística que sobreveio ao mundo, com o advento do cristianismo. Eis alguns dos excertos:

(i)            Realidade não significa para Kant, o que existe efetivamente, mas “coisidade”.

(ii)           Ser não é nada real. Ser “é a mera posição de uma coisa ou de certas determinações em si mesmas”.

(iii)          O ser-ai é a posição absoluta de uma coisa.

(iv)         Ele, o ser, é usado no sentido de aplicado. O uso é realizado pelo entendimento, pelo pensamento.

(v)           Para Kant, contudo, uma coisa é desde o inicio certa: ele pensa a existência e ser “na relação com as capacidades de nosso entendimento”.

(vi)         Somente a posição como posição de uma afecção permite-nos compreender o que significa, para Kant, ser do ente.

(vii)        Segundo Kant, todo o ligar-se se origina daquela faculdade de representação que se chama entendimento.

(viii)       O objeto enquanto tal designa “apercepção transcendental”.

(ix)         Tese de Kant sobre o ser: o fato de o ser e suas modalidades deverem se deixar determinar a partir de sua relação com o entendimento.

(x)           Extraído da “Crítica da razão pura” (§ 16,B 134, nota): “Desta maneira, a unidade sintética da apercepção é o ponto mais alto ao qual se deve prender todo uso do entendimento, mesmo toda a lógica, e, depois dela, a filosofia transcendental, sem, pode-se dizer, que este poder (a aludida apercepção) é o próprio entendimento.”

(xi)         Filosofia transcendental para Kant: ontologia transformada em consequência da crítica da razão pura, uma ontologia que reflete o ser do ente enquanto objetividade do objeto da experiência.

(xii)        Ser e existência se determinam a partir da relação com o uso do entendimento.

(xiii)       A expressão-chave para a interpretação do ser do ente: ser e pensar.

(xiv)      “Eu penso” significa: eu ligo uma multiplicidade de representações dadas a partir da visão prévia da unidade da apercepção, que se articula na multiplicidade dos conceitos puros do entendimento, isto é, das categorias.  

(xv)        O noumeno no sentido, positivo, isto é, o objeto não sensível visado em si mesmo, por exemplo, Deus, permanece fechado para o nosso conhecimento teorético, porque não dispomos de nenhuma intuição não sensível, para a qual esse objeto possa estar imediatamente presente em si mesmo.

(xvi)      Título do § 17 (B 136): “O princípio da unidade de apercepção é o princípio supremo de o  uso do entendimento.”

(xvii)     “Os postulados do pensamento empírico em geral “são princípios pelos quais se esclarecem ser-possível, ser-atual, ser-necessário, na medida em que se determina, por meio dai, a existência do objeto da experiência.

(xviii)    Ser, enquanto ser-possível, ser-atual, ser-necessário, não é certamente um predicado real (ôntico), mas um predicado transcendental (ontológico).

(xix)      A posição e suas modalidades de existência se determinam a partir do pensamento.

(xx)        Diz Kant: “O fundamento da distinção “necessária e inevitável para o entendimento humano”, entre a possibilidade e a atualidade das coisas, encontra-se no sujeito e na natureza de sua capacidade de conhecer.

(xxi)      A mais avançada determinação do ser como posição realiza-se, para Kant, em uma reflexão sobre a reflexão – portanto, em um modo privilegiado do pensamento.

(xxii)     Ser é elucidado e discutido a partir de sua relação com o pensamento. Elucidação e discussão possuem o caráter da reflexão, que se manifesta como pensamento sobre o pensamento.

(xxiii)    Logo, a expressão “ser e pensar” exprime aproximadamente o seguinte: posição e reflexão da reflexão.

(xxiv)   O pensamento exerce o papel de antecipador do horizonte para a elucidação do ser e de suas modalidades como posição.

(xxv)     Pensamento enquanto reflexão designa o horizonte, pensamento enquanto reflexão da reflexão designa o organon da interpretação do ser do ente. Na expressão diretriz “ser e pensar”, o pensamento permanece ambíguo no sentido essencial que mostramos e isto através de toda a história do pensamento ocidental.

(xxvi)   A tese de Kant sobre o ser pertence àquilo que permanece impensado em toda a metafísica.

 

Concluindo devo dizer que, tanto Kant quanto Heidegger, se por um lado deram  um contributo à filosofia com suas ideias originais, por outro colaboraram na construção de um modelo por demais metafísico e alienado, afastando o ser humano de sua trilha natural, humanística, para metamorfoseá-lo num factoide  a saborear o fruto de sua própria imaginação, ao invés de saber perenizar a sapiência recebida e elevar-se no exercício da verdadeira transcendência.  

 

                                                       Bsb. 18.11.14

 O MULTIVERSO E A VISÃO 

CRÍSTICA DO  UNIVERSO

 

                               Murilo Moreira Veras




         N
o drama shakespeariano “Hamlet”, Ato 1, cena III, o personagem Hamlet diz a seu amigo Horácio: “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha tua filosofia.” Parece que nossos cientistas, os físicos principalmente, querem levar isso muito além do pé da letra, transbordando inclusive para além da própria filosofia e se esforçam por tornar realidade o que é irreal.  

Todos sabemos quão ilusórias e apressadas têm se tornado as elucubrações científicas, sobretudo nas áreas da biologia, psicologia e cosmologia, a partir da própria visão evolucionista de Darwin, a que se apoiou o próprio Freud com seu psicologismo racionalizante. Em biologia, eis um Richard Dawkins que nos impinge um tal genes egoísta para explicar a luta de classe evolucionista em que a célula humana pratica, espécie de vale tudo para a sobrevivência humana, dai sua justificativa porque os seres humanos são violentos, aéticos e imperfeitos por constituir sua própria natureza.

A partir de 1952, devido a uma palestra realizada em Dublin, o físico Erwin Schröedin referiu pela primeira vez a suposta existência do multiverso, ou seja, da possibilidade de em vez de um, existirem na realidade vários. Cientistas logo vêm abraçando essa ideia, até que, mais recentemente, em 2015 um certo astrofísico afirmar ter encontrado evidências, após o Big Bang, de ser possível essa possibilidade cósmica. Eis que Ranga-Ram Chary, ao analisar o espectro da radiação cósmica, assegurar ter encontrado sinal dessa evidência numa explosão 4.500 mais intensa que as demais, com base em prótons e elétrons. Foi o bastante para alguns cientistas abraçarem a hipótese da ocorrência de outras colisões, além do Big Bang. Logo físicos como Max Tegmark e Brian Greene aproveitaram a deixa para formularem a teoria da existência dos chamados multiversos ou cada tipo de universo nele incluído.

De sua vez, Brian Greene propôs existirem 9 tipos de universos paralelos: o acolchoado, o inflacionário, membrana, o cíclico, paisagem, o quântico, o holográfico, o simulado e o final. Cada qual com especificação própria, ou seja, um colchão, o distributivo, o envolvido numa membrana, o com membranas múltiplas, o que depende dos espaços que usa, aquele capaz de gerar outro universo, o existente num espaço informativo, por fim o que pode ser matematicamente possível. 

É certo que essa fantástica teoria não teve o apoio de outros cientistas, dentre os quais, Paul Davis em seu livro A Breve História do Multiverso. Também George Ellis em seu artigo na Scientific American, O Multiverso realmente existe?

Essa teoria não é uma proposta simplória. Outras a acompanham ou com ela têm implicações, como a chamada Teoria das Cordas, dos Buracos Negros e do Buraco de Minhoca, as últimas formuladas por Stephen Hawking, o celebrado físico número um da modernidade.

Todas essas teorias, com suas formulações exdrúxulas, segundo seus apoiadores têm um único e absoluto propósito: explicar o inexplicável. É uma espécie de fisiologismo cosmológico querer, como se diz popularmente, tirar leite de pedra. Disse-o bem o também físico e erudito  Wolfgang Smith em sua última obra editada no Brasil, que chega a ponto de satanizar a tal teoria do Big Bang, por ser absolutamente contrária ao princípio bíblico, que ele considera  inatacável, inclusive explicando porquê.

Se tais teorias ainda não encontram até mesmo a certificação técnica e científica e que o próprio Big Bang não é a última palavra, por gerar dúvidas, como aceitar especulações extravagantes quando podemos simplesmente acreditar no que preconiza o Gênese Bíblico: “1. No princípio, Deus criou os céus e a terra.”  

Aliás, seria bom e extremamente racional recordar as palavras sábias de um grande erudito francês, Montesquieu, quando escreveu: “O homem que não é nada, procura, por sua fraqueza e incapacidade, sondar os mistérios de Deus, mas ali não encontra nada em que se apoiar.”

Quem ousará compreender e desvendar os mistérios da eternidade, Deus que criou todas as coisas inclusive o universo, o multiverso, e demais fantásticos quejandos que compõem o Cosmo?


































              ESPECULAÇÃO SOBRE O AMOR CRÍSTICO

                                        Murilo Moreira Veras





                                                                            

O que é liberdade? É estar livre dos embaraços que a existência nos traz.  Mas o que isso implica na filosofia  bergonsoniana? Henri Bergson é um pensador que pesquisou sobre a linha do tempo, sua duração e como tal afeta o ser na sua mobilidade existencial.
O que significa o amor cristão? Diria que é o sentido de agir fraterno. Este, sim, o traço mais característico do cristianismo. Talvez esta seja a vocação do verdadeiro cristão: elevar o ser humano a uma categoria que ultrapasse sua própria humanidade, para que ele possa transmitir ao ser-objeto que será amanhã, isto é, no horizonte do devir. Assim, o ser humano terá sua vida projetada para depois pelo que o ser do ente passa a ser objeto do próprio ente na sua transitoriedade ontológica.
Essa transição fará do homo sapiens o homo objectus ou o homo res, ou seja, o ser do homem colocado na condição de ser objetivado e não pensado.
Ora, nesse estado de coisa como posicionar o chamado amor cristão, ou crístico, no sentido ontológico, quando o fenômeno da capacidade propriamente crística de compartilhamento fraterno está depositada no objeto da relação ser-estar-no-mundo — o sujeito desvinculado de sua passividade por ser possuído?
A relação ser-no-mundo heideggeriano terá de sofrer mudança na categoria de Desein. O mundo terá de se adaptar à sua nova forma que seria através da hominização do objeto do ente, feito ser na categoria ontológica, não propriamente do ser, mas do objeto ontologizado, ou seja, o objeto pensado.
O amor crístico do objeto pensado é a objetivação do pensar desprovido de sua imanência de humanidade. É a transcendência do pensamento-objeto, o pensamento maquínico, porque a potência do ser passou para o ser da potência, ou o humanismo coisificado. É como transcender na imanência do ser objetivado ou objetivante.
Transformado o Desein no ser imanentizado pela objetivação do humano para o pós-humano, a cristianização se dará por desconstrução axiológica, quer dizer, o objeto seria ou se tornaria valorizado para obter sua condição de comunhão crística.
O homem ou a mulher, sem sua humanidade imanente, passaria a assumir sua objetividade transcendente e agiria como o novo homem embebido de transcendência objetivada, ou, em outras palavras, em termos de simbologia mais avançada, o ser humano já agora desumanizado adquire a feição de materialização cósmica que o interligaria à infinitude, onde há de haver nova forma de Desein, ou seja, de estar-no-mundo, embora faça com que sua humanidade se apegue demais ao mundo cuja imanência infantiliza suas potencialidades transcendentes.
Ora, se o cristianismo se fundamenta em  (des) essencializar o humano para transformá-lo numa nova categoria do ser pela qual o cristão propugna por ser um novo homem, essa transcendentalidade do objetivado pode constituir a resposta para o mundo e sua consequente renovação e assim o ser-para-a-morte heideggeriano pode desaparecer para dar lugar ao ser-para-a-vida, porque a morte passa a ser a transitividade da espiritualização da matéria pela vacância do eu decorrente de sua objetivação que é a matéria transcendentalizada, ou seja, o novo homem  desmaterializado da matéria. Não se trata aqui de nenhuma doutrina cabalística, mas de uma hermenêutica escatológica para o ser humano ao elevar-se de categoria mediante processo sistemático e quicá fatalístico de materialização espiritual. Isto porque o avanço dos instrumentos tecnológicos será cada vez tão grandioso que a mecanização do mundo se tornará inevitável. A máquina pensante será aos poucos incorporada ao ser humano e o pensar humano será um pensar maquínico com desdobramento e vocação cósmicos, ou seja, capaz de se interligar aos padrões estelares e galácticos.
É, pois, nesse estágio que o sêmen do cristianismo há de assumir seu papel e impor sua razão fundamental não apenas como “a luz do mundo”, ou o “o sal na terra”, mas como “a luz, o lume do universo” – o sal que irá se espalhar por todos os redutos conhecidos e desconhecidos, o sêmen crístico que existe e sempre existiu no Uni-Verso  do qual nosso homo terrenus tanto precisa, pois sua visão apenas telúrica tem materializado o  seu humanismo,  tornando-se cego, em face de seu desbragamento orgíaco pelo materialismo sem transcendência.
Esse trânsito do sujeito para o objeto pela desumanização transcendente corresponde à grande solução para nossa civilização essencialmente materializada por excesso de afirmação subjetiva, dado que o ser extravasou suas potências e precisa sublimar-se pela elevação através da desmaterialização do eu-ser-no-mundo em direção da transcendentalidade  do mundo no eu-ser, ou na fórmula mesmo que insólita – o homem pensando como máquina e a máquina pensando como homem, numa simbiose metafórica em busca da perfeição crística absoluta, onde reside, enfim, a sabedoria cósmica do infinito.  
CDL/Bsb, 12,07.19




               VARIAÇÕES EM TORNO DA METÁFORA DO
CORAÇÃO A PARTIR DE JOSÉ DE ANCHIETA

                                      Murilo Moreira Veras









Psicólogo e psicanalista, Francisco Catunda, professor emérito da UNB e destacado  membro da Academia de Letras de Brasília, escreveu judicioso artigo na Coletânea 2018, da ACLEB, sobre o assunto à epígrafe. Tomo a liberdade — e quem sabe a petulância — de emitir algumas observações, melhor, variações meramente pessoais, jamais discordantes do pensamento científico de meu nobre amigo Dr. Catunda, de quem sou admirador incondicional.
O professor Catunda nos adverte sobre a problemática do simbolismo, o coração como sentido metafórico do amor e da bondade no ser humano. Para tanto, baliza-se nos grandes expoentes científicos da matéria. Minhas observações consistem em trazer à baila alguns aspectos não abordados pelo ilustre propedeuta e confrade nosso na Academia. Refiro-me ao linguista francês  Ferdinand de Saussure, responsável por recolocar em evidência o sistema da semiologia e semiótica. Esta, a semiótica, nasceu como ramo formal de pesquisa em fins do século XIX, embora já tivesse aplicação entre os médicos da Grécia Antiga. Na verdade, semiótica vem do radical grego e significa “interpretação de signos”, modernamente identificada com a teoria linguística, aplicando-se também à crítica literária, à comunicação de massa e às ciências sociais (antropologia e sociologia).
Como em seu artigo o Prof. Catunda aprofunda sua análise em torno da metáfora e suas implicações nas relações humanas, mantendo como paradigma o coração, inclusive em manifestações religiosas — o beato José de Anchieta teria criado a metáfora da pieguice do indígena para forçá-lo à conversão, tendo contribuído, na perspectiva histórica, para que o nosso índio perdesse a concepção do outro e, quem sabe, por isso discriminado.
Penso que essa ideia tramita por outra interessante, os meandros da sistemática linguística, a que a semiótica se refere. Como propedeuta do cristianismo, Anchieta apostou na linguagem para ousar a conversão dos indígenas. Para tanto, reelaborou uma língua esquecida e fez dela seu instrumento de persuasão. O coração como metáfora de Deus, a piedade a ser assumida e  pelo amor piedoso o acesso à “eterna morada”. Ali, “neste remanso/o resto de meus dias, quão suave será viver/Aí, por fim, morrer!” — reza o seu poema.
O outro, na simbologia cristã, significa a solidariedade, o ser do outro como a presença do sagrado, preconizando o ensinamento do Metre Galileu de que devemos “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.”
In dubio pro reo e em o sendo, arguo a defesa de nosso virtuoso José de Anchieta, não tanto por sua audácia apostólica de converter os aborígenes incultos e indóceis, através da linguagem, do aforismo da palavra, mas por sua contribuição à construção do povo indígena, ao recriar-lhes  uma linguagem, o tupi-guarani, com que contribuiu para o enriquecimento do nosso português tropicalizado pela linha do equador.
Quanto ao ser-do-outro, a apologética anchietana teria solapado a presença do outro, o próximo, pelo que, em razão de seu aforismo religioso e da contingência circunstancial, levou-o a defender o índio, sua cultura, livrando-o do extermínio, como ocorreu nos Estados Unidos?
Divaguemos um pouco sobre o tema. O ser-do-outro na sistemática heideggeriana não vai da extensão cognitiva do ser-em-si enclausurado na pessoa, não perquire sobre sua função crística que o levaria ao outro, a portabilidade solidária que o próximo representa no cristianismo. Solidarismo que não se confunde com socialismo, de expressão essencialmente política e econômica, simetria com o igualitarismo despersonalizado.
Dir-se-á, então que o Apóstolo brasileiro José de Anchieta terá, sim, cumprido sua missão, agora cultural e, quiçá, apocalíptica — a de ter contribuído pela integração do índio ao patrimônio nacional, inclusive através do dialeto, reelaborado nas praias paradisíacas de Guarujá, o qual ousou incluí-lo à prosódia brasileira.
Num segundo passo, concordo plenamente com o judicioso argumento do Prof. Catunda de que na psicologia do brasileira, hoje, como a de ontem, a presença simbólica do ser-do-outro vislumbra-se apagada, desvalorizada, sem esperança de se tornar, como devia, uma presença crística.
Não devido a extremada religiosidade de José de Anchieta, mas, a meu juízo, talvez mais pelo nosso cadinho cultural na tripartite de raças, de que fazemos parte — o índio, o branco e o negro. Dai teria decorrido o desfibramento do tipo brasilis, o dito nativo. Bem verdade que o sertanejo é, antes de tudo, um forte — na ótica vibrante de Euclides da Cunha, mas um forte esquecido, abatido pela circunstância de tempo e lugar. E, em sendo assim, que me perdoe o nacionalista Sérgio Buarque de Hollanda, mas o seu brasileiro Homo Cordiallis de cordial não tem nada, porque, para ele, o outro é o outro não tem valor alguma para sua portabilidade egoísta. Reminiscências do egocentrismo tripartite?
                                                                                 
 Bsb, 13.05.19


































E T N O M A T E M Á T I C A :

IMPOSTURA     INTELECTUAL?


                                      Murilo Moreira Veras


Dentre os assuntos constantes do livro de ensaios “Ficções de um Gabinete Ocidental”, de autoria de Marco Luchesi, consta como parte do tópico “Poesia e Matemática”, especulações, muito pessoais, sobre uma  novel ciência chamada ETNOMATEMÁTICA. O nome teria sido cunhado pelo matemático brasileiro Ubiratan D”Ambrósio com que se propõe constituir uma nova ciência, originária da matemática. Seria uma espécie de filosofia da matemática ou meta-matemática. Seu conteúdo seria de uma ciência interdisciplinar, abarcando estudo das ciências de cognição, epistemologia, história, sociologia e difusão. Esclarece o sr. D’Ambrósio que a “etnomatemática” trata do conhecimento de fazer (es), saber (es), com vistas à sobrevivência humana, mediante técnicas (techné ou ticas), para explicar, conhecer, entender, defender, lidar com, conviver com (mátema) a realidade natural e sociocultural em que inserido o ser humano.”

Nos ensaios ali reunidos, Luchesi se desmancha em elogios ao cunhador da “etnomatemática”, considerando-o um gênio por ter aliado a matemática à poesia, ou vice-versa, a poesia à matemática – o que não é absolutamente novidade, basta ler os poemas de João Cabral de Melo Neto ou então os super-modernistas Augusto e Haroldo Campos, ambos influenciados talvez por Esra Pound.

Luchesi desenvolve toda uma pirotecnia cultural para demonstrar o grande mérito da nova ciência e elevar, no bojo de suas vênias, a capacidade e maestria de seu amigo D’Ambrósio. De sorte que o elogiando, ele próprio Luchesi se elogia, imodestamente. E o sr. D’Ambrósio torna-se um verdadeiro “seven-trompet-man” – sim, porque ninguém pode, seguindo o dito popular “chupar cana e comer os bagos ao mesmo tempo”. Infelizmente isso caracteriza o carreirismo literário.

Não sou absolutamente versado em matemática, mas é a primeira vez que tomo ciência do termo “etnomatemática”– isso não me desautoriza a especular sobre o assunto, expor o ponto de vista. Começa o “imbróglio” quando os srs. Luchesi e D’Ambrósio citam o nomes dos autores, escritores, envolvidos de alguma forma com essa “etnomatemática”: Lacan, Derrida, Foucault, Greimas e no Brasil, Paulo Freire e naturalmente D’Ambrósio e Luchesi. Ora, é sabido, pelo menos nos meios mais conservadores, que esses autores apresentam teorias esdrúxulas, incompreensíveis,  distorcendo conceitos e desenvolvendo reflexões muitas vezes taxadas de verdadeiros embuste ou falácias intelectuais. Foram eles, acrescidos de Tzvetan Todorov, Julia Kristeva, Jules Deleuse, Félix Guatari, Claude Lévi-Strauss, Roland Barthe, Julien Greimas, Émile Benveniste e Roman Jakobson, os articuladores do  chamado “estruturalismo”, movimento inspirado na linguística, originária de Ferdinand de Saussure em seu “Cours de Linguistique Général”, cuja proposta era entender a cultura humana dentro do contexto das estruturas sociais, políticas, econômicas, textuais, matemáticas etc., o qual, de sua vez, deu origem ao mais desconcertante de todas as teorias pos-modernas – o “desconstrutivismo”, defendido pelo filósofo Jacques Derrida.

Pela pluralidade dos campos em que atua, é fácil verificar que essa “etnomatemática” abriga na verdade um “saco-de-gato”– tal a pulverização de conceitos e atividades ali implicados, muito além de uma simples epistemologia dos conceitos e fundamentos matemáticos.

Nesse passo, alude-se ao célebre “Caso Sokal”  ou “Escândalo Sokal” da década de 1990, eclodido depois em 1996, quando o físico, Alan Sokal, professor de Física da Universidade de Nova York, publicou um “artigo-bomba” na revista Social Text, publicada pela Duke University Press. O artigo de Sokal apresentava um “paper” contendo conceitos e especulações à moda dos autores denominados “pós-modernos”, na verdade recheado de embustes, falsificações e nonsenses. A repercussão foi estrondosa nos meios intelectuais e acadêmicos. Mais tarde, em 1999, em parceria com outro físico belga da Universidade de Louvain,  Jean Briemont, a dupla Sokal & Briemont, publicou o livro “Imposturas Intelectuais”, editado no Brasil pela Record em 2006. Neste livro, verdadeira “bomba-de-efeito-retardado” nos meios intelectuais, os autores de maneira destemida analisam “... uma série de textos que ilustram as mistificações físico-matemáticas perpetradas por eruditos famosos como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigary, Bruno Latour, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guatari, Paul Virilo e até Henri Bergson.

Será que essa ciência tão elogiada nos ensaios de Luchesi tem consistência ou não passa de mais um embuste, a ser incluído no rol de Sokal como “impostura intelectual”?  Luchesi e D’Ambrósio não fazem parte desses famosos “pós-modernos” escrutinados pelo físico americano?

Entrevemos, não há negar, recolhos interessantes nas observações de Luchesi, assim como nas teorizações de D’Ambrósio, quando fazem inter-relação entre a matemática e a poesia e vice-versa. Faz sentido, pois a matemática pura, que transita no terreno da filosofia, se abebera na poética e nos fundamentos filosóficos. Haja vista as especulações matemáticas dos grandes gênios como Pitágoras (570-498 aC.); Hypácia (360-415); Girolano Cardano (1.510l-1546); Isaac Newton (1643-1727); Leonard Euler (1.707-1783); Carl Friederich Gauss (1.777-1855); Georg Cantor (18454-1918); Paul Endös (1913-1996); Jorn Horton Conway (1937); Grigori Perelman (1966). Os grandes feitos matemáticas devem-se a fagulhas de transcendência e espiritualidade hauridas por seus realizadores, apartam-se, portanto, do empirismo relativista da mediocridade.

Afinal, o que é essa “etnomatemática”, com que ela lida? Ou não será apenas uma atividade emblemática, para não dizer um cadinho de sofismas sob rótulo científico – mais um movimento desses que mitificam e mistificam a realidade? Como o foi o “estruturalismo” e o “desconstrutuvismo”?

Ousemos algumas reflexões a respeito. Segundo seu “fundador”, sr. Ubiratan D’Ambróso – a etnomatemática é uma espécie de celeiro de ideias, reunindo atividades, trabalhando com conceitos. Daí sua multiplicidade de ações, razão por que apresenta as seguintes dimensões:

(a)  Conceitual    – seria o conhecimento pelo conhecimento;

(b) Histórica       – estudo da história de cada grupo ou sociedade,

                           com vistas a seus próprios saberes;

(c)   Epistemológica – estudo crítico dos princípios, hipóteses e resul-

                        tados das ciências – teoria do conhecimento;

(d) Cognitiva        – consiste em quantificar, comparar, explicar e                              generalizar a espécie humana;

(e)  Política            estuda as relações de poder com a valorização                              do saber e do fazer;

(f)   Educacional        produzir educação à luz do conhecimento,                                  elevando assim seu nível junto às nações,                                   comunidades ou sociedades.


São muitos os campos de atuação da novel ciência. Ultrapassa a própria filosofia, equiparando-se à “meta-filosofia”. Erige-se, a nosso ver,  espécie de Leviatã cultural, Pantagruel sagrado, invadindo com seus tentáculos os campos da sociologia, epistemologia, geopolítica, economia, historiografia, literatura, linguística – tudo sob a visão de uma matemática ideológica.

Sua atuação, obviamente, ultrapassa a engenharia, não só do saber, mas também do fazer, o “modus operandi” civilizacional.

Como fazer com que tamanho gigante opere numa comunidade incipiente, a nossa, onde os estudantes leem mal, são incapazes de raciocionar, escrevem péssimo, mal entendem os rudimentos da matemática, enquanto as escolas de sua vez são despreparadas, os professores mal formados – e o que é pior com um planejamento educacional totalmente corrompido que não corresponde à realidade, por ideológico?

É o que nos perguntamos diante dessa massa de informação incoerente que parece envolver a “etnomatemática”, que, se adotada, mais confunde do que esclarece, mais complica do que clarifica.

Ora, pois, o de que nossa sociedade precisa urgentemente não são os benefícios mágicos de uma nova ciência – que já temos ciência em demasia – mas, o de que precisamos, isto sim, é de que se tenha bom raciocínio, se cultivem boas dozes de bom senso, necessário tirocínio à realização de nossos construtos civilizatórios, sejamos mais criativos e, sobretudo, vontade de trabalhar, construir nosso mundo possível, olhando o agora e o amanhã.

O resto é o silêncio de nossa indigência espiritual, esta que nos fragiliza  corpo e alma – dando margem a que sofismas como esse da etnomatemática e outros desmandos ideológicos afins,  denigram de desesperança nosso horizonte axiológico.
Bsb.28.11.15
























 A SAGA DO BRASIL SOCIALISTA

                                                     

·         Leônidas Canabrava




No mundo, já houve várias utopias. A Utopia de Thomas More, a Utopia da Cidade do Sol de Campanella – agora surge a mais nova, a utopia do Brasil Socialista ou Socializado,  à moda do político K, este fundador do Partido do Operário – PO.

O Brasil passa a ser regido pelo PO, responsável por implantar o socialismo de estado no País. O partido terá uma cúpula governativa chamada Câmara dos Operários do Poder – COP, que fará a gestão total. A chefia caberá ao homem nº 1 do PO, acumulando a função de presidente do partido e do País.

Os estados da Federação serão geridos por um Governador Operário indicado pelo partido, mediante meritória militância e tendo em vista os serviços que o elemento prestou. Os estados serão divididos em comunidades, para as quais será indicado um operário supervisor, chamado Operário Comunitário, que fará a fiscalização de cada região ou comunidade,  visando atender às necessidades dos moradores.

Para assegurar a total socialização do País, o COP, sob supervisão de instrutores de alto nível em matéria de socialismo, se incumbirá de redimensionar a economia e as finanças do Pais. O PNB — somatório de todos os bens e recursos da nação — será compartilhado equitativamente com todos os brasileiros, com o objetivo de erradicar, definitivamente a pobreza do País. Criar-se-á então um instrumento específico com esse objetivo, implantando-se concomitantemente a reforma agrária. Será o Movimento de Distribuição de Terras – MDT, responsável pela distribuição de terra a lavradores e pecuaristas, os quais ficarão sob sua tutela. Para solucionar o problema da moradia, agirá o Movimento da Casa Própria – MCP, confiscando-se quem tem mais de uma, para dá-la a quem não tem. O  objetivo é equalizar bens e  riqueza, mediante redistribuição equitativa de seus cômputos, evitando-se o monopólio, tanto de bens quanto de riquezas, como soe ocorrer no capitalismo, tudo em consonância com a perspectiva do genial seguidor de Gramsci, o economista francês Thomas Piketty. Tais iniciativas objetivam evitar, de uma vez por toda, o reaparecimento do capitalismo, que, assim, será totalmente erradicado.

A implantação sumaria do socialismo no País será consumada pelas ações do PO e do COP, para o que contarão com o auxílio estratégico e logístico do Exército Brasileiro, que, doravante, se denominará Exército Nacional do Povo.

Quem será beneficiado com a socialização do Brasil é o povo, incluso neste os mais necessitados, os sem terra e sem tetos, os quais, doravante, serão todos atendidos, acabando-se finalmente com a fome e a miséria no País. Só assim o brasileiro terá o que comer e onde morar. A competição e a exploração serão totalmente eliminadas da economia. Dar-se-á prioridade à educação, desde que orientada diretamente pelo Departamento de Cultura Popular – DCP, eliminando-se qualquer manifestação cultural ou educativa que não traga benefícios ou não estimulem o incremento do socialismo no Pais.

As profissões funcionarão em favor do regime, da mesma forma a saúde, criando-se os monitores respectivos a cada atividade, os Operários da Educação, da Saúde, do Ensino e assim sucessivamente.

Com a socialização do Brasil, cumprir-se-á o surgimento de mais uma Utopia — a utopia fundada e desenvolvida pelo gênio brasileiro da espécie, o Sr. K, que, por sua vez, inspirou-se nos mais importantes lideres da atualidade: o jurássico Fidel Castro, o já falecido sargentão Hugo Chaves e o caminhoneiro Maduro.

No mais, é pedir a intervenção divina, diante de tanta devastação no País, já deteriorado por Mensalões, Petrolões e outros diabólicos quejandos infelicitatórios.

Bsb, 25.02.15

Jornalista cultural e cronista, nosso colaborador  



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