terça-feira, 1 de fevereiro de 2022


 

A CABEÇA NAS ESTRELAS

E   OS   PÉS   NO   CHÃO

 

No século XIX, por volta de 1830,  enquanto os baluartes do iluminismo tentavam retirar o mundo do suposto obscurantismo religioso, uma campesina escocesa autodidata, Mary Somerville, interpretava Laplace. Para espanto dos positivistas dogmáticos, ela ousava unir as equações explicativas das estrelas com os fenômenos da natureza. Para explicar esses fenômenos, ela publicou o livro On the Mechanism of Heavens — A Mecânica Celeste, um best-seller à época.

Nos dias atuais, a professora versada em matemática, história e filosofia da UFRJ, Tatiana Roque, publica um livro O Dia em que voltamos de Marte, selo da Editora Planeta, no qual expõe, de forma mais palatável ao público leitor, um punhado de informações científicas, procurando reduzi-las ao gosto popular. Na sua performance, mas sempre se esquivando, diz ela,  de propor normas ou estipulações normativas, a autora nos apresenta uma verdadeira parafernália de pesquisas, informações e conceitos científicos. Tudo para demonstrar que nosso mundo, também o solo em que pisamos e no qual nascemos está de cabeça para baixo, devido não só à má gestão da mão humana, mas principalmente pela falta do fiel e irrestrito atendimento ao pragmatismo, à eficiência das técnicas científicas, durante toda a existência humana nesse imenso palco que se chama o planeta Terra.

Em outras palavras, a Professora Tatiana, com seu laurel científico obtido nos mais lídimos corredores da sapiência humana, agora nos dá uma espécie de aula magna, dá um puxão de orelha em nós, desvalidos leitores, por nossa grassa ignorância em ciência, matemática superior, explosão do átomo, viagens espaciais — isto acompanhando a linha do tempo, nos dando aula de iluminismo, como utilizar a razão, desvendar os mais diversos escaninhos, claro e obscuros,  do desenvolvimento humano, os artifícios e mistificações políticas, econômicas e financeiras escondidos nas tramas que conduzem às guerras. E o que é mais estranho, revela que as guerras têm sua importância, não só limitam o acúmulo populacional, como obrigam governos e nações a se unirem em planos supostamente salvadores das pátrias atingidas pela hediondez dos massacres da guerra. Dão origem aos planos de governo, criam modelos e objetos visando à modernidade, alimentam o progresso e podem criar modelos de convivência. O mais importante é o avanço tecnológico, o poder da ciência a prevalecer sobre o obscurantismo, social, político, econômico.

A autora, do alto de sua cátedra acadêmica, abre o nosso raciocínio, que ela acha emperrado, os primeiros capítulos de seu painel científico até interessantes, fatos que nos esclarecem sobre o iluminismo, o malabarismo intelectual de Laplace, a genialidade dos fundadores do Enciclopedismo, Diderot, Lagrange, D’Alembert, Louis de Jaucourt e Voltaire, que coroaram com chave de ouro o racionalismo de Descartes. Era o nascer esplendoroso do cientificismo, enciclopédico, monumental, agora a dogmatizar o mundo e baixar finalmente a crista dos místicos, acoitados em seus conventos sombrios com suas ideias religiosas, enquanto o mundo estava sendo descoberto pela aurora da razão. Auguste Comte que o diga com sua teoria capaz de dogmatizar para sempre o mundo.

Mas, às páginas seguintes (o livro tem 367), quase inesperadamente para o leitor desavisado, a Professora nos promete castigo se não aprendermos a lição, considerada, ela e seus apaniguados, como essencial, a chave de tudo, do progresso, o descobrimento da pólvora, que nos salvará do deblaque mundial, trocando a pólvora pelo culturalismo gramsciano, que vem de outro tipo de munição: a alegoria do marxismo cultural. O circo do mundo pegará fogo se não seguirmos as normas do cientificismo, pois é na ciência que está o Eldorado. E não se trata de alegoria: estamos sob a lâmina maldita do aquecimento global, o mundo vai pegar fogo mesmo, os mares vão esquentar, tsunamis arrasarão cidades e nações. A causa? O aquecimento global, conforme determinou o sr. Al Gore. Nós temos de internacionalizar urgente a Amazônia, berra o sr. Macron,  aboletado lá na Torre d’Eiffel. Disseram-lhe que o Presidente do Brasil, o sr. Bolsonaro, não estava fazendo nada para evitar a hecatombe. E os grandes manufatores do globalismo precisam de fatos para enganar esses patriotinhas malandros, como se ele próprio não o fosse, um almofadinha de colarinho branco, desgovernando a pátria de Victor Hugo.

Enfim, nossa Professora abre o jogo e logo se vem a saber a que ala ela pertence, de corpo e alma. Ás páginas finais de seu calhamaço, ela já diz a que veio. Nosso País tem um estrupício de governo, diz ela, enquanto o Presidente protege a Nação, tem espírito altamente patriótico, não é corrupto, faz uma administração limpa na medida do possível, conquanto os guardiões constitucionais aliados à oposição obstaculizam sua gestão.

Não podemos deixar de contraditar a autora de O Dia em que voltamos de Marte. Reconhecemos que as informações nos prestaram esclarecimento. Afinal, é sempre de boa envergadura intelectual, ler, também os que nos são contrários. Porque não somos donos da verdade, pois ela a verdadeira verdade pertence apenas à Sabedoria Divina — o resto são vaidades e mais vaidades, avisa os Eclesiastes. Mas isto não nos acumplicia com os sofismas, aliás, de que hoje o mundo e a mídia estão cheios. Urge escoimar o joio do trigo.

Não somos de Marte, nem tencionamos ali habitar por circunstâncias óbvias. Queremos permanecer na Terra, herança divina, por sinal, como todo o universo. Mas não um planeta, já marcado para morrer por propositura cientificista. Queremo-lo como nosso lar terrestre. Devemos cuidar dele, porque assim o ordenou o Criador. Não como moeda de troca política e ideológica, pela cabeça de alguns energúmenos, a ponto de vendermos nossa alma por um templo natural transformado em asilo cosmopolita, sob o ferro e fogo de uma universalidade ditatorial, às ordens de patriarcados alienígenas, prisão mascarada de solidariedade, sob o olhar maligno de um Grande Irmão, a nos vigiar diariamente.

Cônscios estamos nós, patriotas, de que a Nação ou o Mundo se encontra numa encruzilhada, não numa picada, como alude a autora. Numa picada, estaríamos perdidos, abandonados. Numa encruzilhada, resta-nos a escolha do melhor caminho. Urge saber escolher a melhor ou mais adequada trilha. Não somos um País de ninguém. Temos um Governo, uma liderança. É preciso saber escolher governantes dignos, patriotas, honesto, políticos conscientes e valorosos. Iguais aos que tivemos no passado. Pedro II, o Imperador. José Bonifácio de Andrade e Silva. Carlos Lacerda. Queremos juízes ínclitos, cônscios de seus deveres constitucionais. A Pátria precisa de Deus, da benção divina,  os olhos dos homens incapazes de sentirem a voz da razão, se não forem iluminados.

Certa, sim, estava Mary Somerville, a cientista autodidata iluminista — nós seres humanos, eruditos ou não, só seremos justos e bons, mesmo ao conduzir a matéria, se mantivermos a mente sempre no Céu, para na terra obtermos o justo domínio da razão.

CDL/Bsb, 2.02.22

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

 

                   ORA,  DIREIS,  FALAR

              DE POETAS E  POESIA...

 

                                                        


 

 

    
                                        Murilo Moreira Veras     

A poesia tem-nos propiciado muita euforia. A poesia nos adverte sobre a beleza das coisas, traduzindo os fatos pelo seu lado inédito de realismo.

A poesia nos encanta, ela traduz as veredas da alma pelo encantamento das palavras, muitas vezes oculto no enrubescer dos sentimentos.

A beleza por assim dizer rejuvenesce a alma, o que é intimidade vem à flor da pele devido sua técnica própria inspiradora.

Falar de poesia é poematizar a alma, fazendo transpirar a inspiração do espírito.

Como voz da intimidade, corresponde ao outro lado do ser-em-si, imantizando-se como ser-de-si — é o ser do verbo, o verbo que tramita entre o ser-do-ente para o ente-do-ser.

A poesia mantém-se sempre impoluta, mesmo quando transgride a veracidade do ser, sua vigência permeia a eternidade do próprio ser no seu casulo existencial.

A poesia é fronteiriça da verdade ou da epifania, tem condutividade própria transcendente. Pode tornar-se o  sal do ethos humano, porque transcende a mediocridade do efêmero, para transformar-se no espaço onde vige a transcendência.

Nunca poderá ser apócrifa, pois prende-se à florescência do edênico.

Ser poeta é decifrar a esfinge do tempo, frutificar as virtudes de uma natureza que espelha a pureza da existência.

O fluir da poesia é como desvendar a existência da palavra, fazendo-a haurir a imanência do existir — não que a alocução poética se desvincule do mundo como instrumento do próprio mundo poetizado.

Pois a poesia erotiza as belezas do mundo, ela própria dom que se problematiza pelas verdades declamatórias do mundo existencial. Sim, porque expõe as singularidades dos espinhos da vida, coisas e fatos, em si, tornam-se  complicados e nos impedem que visualizemos seu lado belo, apodieticamente esplendoroso — o lado melífluo dos fatos e das coisas.

A linguagem poética transcende o paladar do cotidiano, é transgressiva devido suas imbricações de deleite e variações vernaculares diferentes do manuseio comum da vulgaridade.

 

A poesia não faz os poetas, os poetas é que fazem a poesia, cada qual faz a sua poesia — a poesia de cada qual. Sim, o poeta constrói o  que deve contaminar sua alma — a alma do poeta, a alma de seu mundo.

Shakespeare poetizou sobre os fatos dos homens e sua corte. Não é igual a Dante Alighieri que se inspirou na vida e conduta de seus compatriotas,   julgando-os, no entanto,  à luz da vendeta da história.

Carlos Drummond de Andrade encontrou uma pedra no seu caminho poético e satirizou pecados e virtudes com sua mão esquerda de anjo.

Enquanto sob o furor das caravelas nas quais os navegantes singravam os oceanos, Luiz de Camões profetiza a descoberta de mundos desconhecidos, ao evocar suas aventuras em versos imortais.

Em versos íntimos, Rilke se envolve na alcova de seus sonhos, sublimando a vida interior.

Jorge Luís Borges, cego, constrói um universo próprio de livros nos quais descobre tesouros escondidos.

Lord Byron apaixona-se pela arte de amar e glorifica as virtudes do prazer, enaltecendo o caráter da amizade perenizada.

Ao lado de Mary, sua mulher, Shelley canta em versos oníricos a beleza da vida.

Homero, o poeta, que talvez nunca tenha existido, imortaliza os heróis mitológicos, recriando suas estapafúrdias vidas em inolvidáveis epopeias.

E o que dizer de Virgílio que, em sua epopeia Eneida, é considerado o fundador da latinidade? 

Em contrapartida, o contemporâneo maranhense Nauro Machado revitaliza a poesia na intimidade de seu Funil do Ser.

Ao contrário da americana Silvia Plath que, enrustida no casulo de sua intimidade egocêntrica, suicida a si e seus versos.

Antes, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais, Casimiro de Abreu, o poeta da saudade, relembra sua felicidade brejeira em lindos e ritmados versos.

Na mesma terra de Vera Cruz, Machado de Assis, símile do que já fizera no romance e nos contos, elege-se também poeta com escorreitos versos.

E das estepes russas, uma voz iracunda reproduz em versos modernistas, Maiakovski defende a revolução comunista, mas depois, traído pelos líderes do partido, se suicida.  

Eis que do seio da França embriagada pelo ideal de Parnasso, nasce a poesia lacustre de La Martinne, enfatizando a natureza.

              No mesmo passo, nas plagas do novo mundo brasileiro, eis a poesia também parnasiana que se anuncia nos primorosos sonetos de Olavo Bilac, a poetizar o encanto das estrelas.

Outra voz da Rússia nos encanta — os versos de Victor Evituchenko que os declamava sob o aplauso de multidões.

E porque não lembrar o francês Beaudelaire cujos versos violavam a inocência do mundo acadêmico.

Ah, quantas vozes brasileiras não decantaram sonhos, ilusões e aventuras, ilustrando o mundo poético com versos, ora puros ora virulentos, com suas novas estéticas para o Ser da poesia.

Cecília Meirelles com seu cancioneiro sobre o lendário Tiradentes e outros cânticos primorosos que seu estro nos legou. Moacyr Félix, autor de poesia evocativa e apologética, com que sugere a reconstrução do mundo sob nova visão.

Já provindo dos canaviais pernambucanos, ecoa a voz de João Cabral de Mello Neto com seu contundente Morte e Vida Severina, enquanto na mesma linha popular erudita brilha Ariano Suassuna, com sua poética barroco-pitoresca.

Recorde-se agora Márcio Catunda com sua poesia diplomática, mesmo falando sobre escombros e construções, a sugerir a reorganização ética do ser humano.

Na mesma linha, o diplomata João Guimarães Rosa, que produziu o fabuloso Grande Sertão Veredas, nos brinda com o notável Magma, em que se volta para si mesmo com uma poesia personalista.

E não podemos esquecer da Ilha Rebelde, São Luís do Maranhão, cidade supostamente fundada pelos franceses em 1612, de onde de  surge a poética modernista de Ferreira Goulart , que se arvorou surpreender a arte com seu impactante Poema Sujo.

Sim, falar de poetas e poesia é salutar, ameniza as asperezas da vida e conforta nosso estro interior, enquanto hoje, infelizmente, vige a vastidão do ignóbil, o belo transformado num mar de excentricidades, mariolas frívolas, a gerar a opacidade acadêmica, influenciada pelo tecnicismo agnóstico.

CDL/Bsb, 28.12.21

 

Fred Astaire e Rita Hayworth, dançando forro

sábado, 11 de dezembro de 2021

 

MEU NATAL DO FUTURO

                                                  Murilo Moreira Veras






Meu Natal do Futuro há de ser diferente.

Não tem festa, não tem alarde,

não tem riqueza, ostentação:

será o sol despertando a aurora

do sono letárgico da Escura Noite.

Meu Natal do Futuro transcende

a vida medíocre,

transforma a afasia geral

em suprema unção

– a Natalidade criadora.

Meu Natal do Futuro é

a sublimação não do tempo,

mas    da  Vida    é seu revigorante,

espelho a transluzir a polifonia

do existir,

o Natal há de ser

o amanhã, mais do que hoje,

fermento da melhoria do homem

– sal da Terra e do Universo.

Meu Natal do Futuro é o amanhã do mundo,

 abre-se em leque de inconsútil esperança

  amorosa magnitude 

do Menino-Eternidade,

infinitude cósmica,

imanência transcendental

                 que sacramenta a transcendência imanente.

Verbo que se fez Carne,

e se fez Menino, o Infante que renovará o Mundo.

O Natal do Futuro é isto:

      um Novo Mundo,

um Novo Ser Humano –  a Verdade reabilitada,

sarça ardente queimando o coração dos homens.

Meu Natal do Futuro é o prenúncio da Esperança:

ilumina os caminhos da Vida,

o futuro do Mundo, sob doce olhar

do Menino, que se fez Homem, que se fez Mártir

e redimiu o mundo da perdição.

Quem  viver,  verá

 Viveremos?

                                          Bsb, 2.12.21 

– cdletras@gmail.com