segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

 

                   ORA,  DIREIS,  FALAR

              DE POETAS E  POESIA...

 

                                                        


 

 

    
                                        Murilo Moreira Veras     

A poesia tem-nos propiciado muita euforia. A poesia nos adverte sobre a beleza das coisas, traduzindo os fatos pelo seu lado inédito de realismo.

A poesia nos encanta, ela traduz as veredas da alma pelo encantamento das palavras, muitas vezes oculto no enrubescer dos sentimentos.

A beleza por assim dizer rejuvenesce a alma, o que é intimidade vem à flor da pele devido sua técnica própria inspiradora.

Falar de poesia é poematizar a alma, fazendo transpirar a inspiração do espírito.

Como voz da intimidade, corresponde ao outro lado do ser-em-si, imantizando-se como ser-de-si — é o ser do verbo, o verbo que tramita entre o ser-do-ente para o ente-do-ser.

A poesia mantém-se sempre impoluta, mesmo quando transgride a veracidade do ser, sua vigência permeia a eternidade do próprio ser no seu casulo existencial.

A poesia é fronteiriça da verdade ou da epifania, tem condutividade própria transcendente. Pode tornar-se o  sal do ethos humano, porque transcende a mediocridade do efêmero, para transformar-se no espaço onde vige a transcendência.

Nunca poderá ser apócrifa, pois prende-se à florescência do edênico.

Ser poeta é decifrar a esfinge do tempo, frutificar as virtudes de uma natureza que espelha a pureza da existência.

O fluir da poesia é como desvendar a existência da palavra, fazendo-a haurir a imanência do existir — não que a alocução poética se desvincule do mundo como instrumento do próprio mundo poetizado.

Pois a poesia erotiza as belezas do mundo, ela própria dom que se problematiza pelas verdades declamatórias do mundo existencial. Sim, porque expõe as singularidades dos espinhos da vida, coisas e fatos, em si, tornam-se  complicados e nos impedem que visualizemos seu lado belo, apodieticamente esplendoroso — o lado melífluo dos fatos e das coisas.

A linguagem poética transcende o paladar do cotidiano, é transgressiva devido suas imbricações de deleite e variações vernaculares diferentes do manuseio comum da vulgaridade.

 

A poesia não faz os poetas, os poetas é que fazem a poesia, cada qual faz a sua poesia — a poesia de cada qual. Sim, o poeta constrói o  que deve contaminar sua alma — a alma do poeta, a alma de seu mundo.

Shakespeare poetizou sobre os fatos dos homens e sua corte. Não é igual a Dante Alighieri que se inspirou na vida e conduta de seus compatriotas,   julgando-os, no entanto,  à luz da vendeta da história.

Carlos Drummond de Andrade encontrou uma pedra no seu caminho poético e satirizou pecados e virtudes com sua mão esquerda de anjo.

Enquanto sob o furor das caravelas nas quais os navegantes singravam os oceanos, Luiz de Camões profetiza a descoberta de mundos desconhecidos, ao evocar suas aventuras em versos imortais.

Em versos íntimos, Rilke se envolve na alcova de seus sonhos, sublimando a vida interior.

Jorge Luís Borges, cego, constrói um universo próprio de livros nos quais descobre tesouros escondidos.

Lord Byron apaixona-se pela arte de amar e glorifica as virtudes do prazer, enaltecendo o caráter da amizade perenizada.

Ao lado de Mary, sua mulher, Shelley canta em versos oníricos a beleza da vida.

Homero, o poeta, que talvez nunca tenha existido, imortaliza os heróis mitológicos, recriando suas estapafúrdias vidas em inolvidáveis epopeias.

E o que dizer de Virgílio que, em sua epopeia Eneida, é considerado o fundador da latinidade? 

Em contrapartida, o contemporâneo maranhense Nauro Machado revitaliza a poesia na intimidade de seu Funil do Ser.

Ao contrário da americana Silvia Plath que, enrustida no casulo de sua intimidade egocêntrica, suicida a si e seus versos.

Antes, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais, Casimiro de Abreu, o poeta da saudade, relembra sua felicidade brejeira em lindos e ritmados versos.

Na mesma terra de Vera Cruz, Machado de Assis, símile do que já fizera no romance e nos contos, elege-se também poeta com escorreitos versos.

E das estepes russas, uma voz iracunda reproduz em versos modernistas, Maiakovski defende a revolução comunista, mas depois, traído pelos líderes do partido, se suicida.  

Eis que do seio da França embriagada pelo ideal de Parnasso, nasce a poesia lacustre de La Martinne, enfatizando a natureza.

              No mesmo passo, nas plagas do novo mundo brasileiro, eis a poesia também parnasiana que se anuncia nos primorosos sonetos de Olavo Bilac, a poetizar o encanto das estrelas.

Outra voz da Rússia nos encanta — os versos de Victor Evituchenko que os declamava sob o aplauso de multidões.

E porque não lembrar o francês Beaudelaire cujos versos violavam a inocência do mundo acadêmico.

Ah, quantas vozes brasileiras não decantaram sonhos, ilusões e aventuras, ilustrando o mundo poético com versos, ora puros ora virulentos, com suas novas estéticas para o Ser da poesia.

Cecília Meirelles com seu cancioneiro sobre o lendário Tiradentes e outros cânticos primorosos que seu estro nos legou. Moacyr Félix, autor de poesia evocativa e apologética, com que sugere a reconstrução do mundo sob nova visão.

Já provindo dos canaviais pernambucanos, ecoa a voz de João Cabral de Mello Neto com seu contundente Morte e Vida Severina, enquanto na mesma linha popular erudita brilha Ariano Suassuna, com sua poética barroco-pitoresca.

Recorde-se agora Márcio Catunda com sua poesia diplomática, mesmo falando sobre escombros e construções, a sugerir a reorganização ética do ser humano.

Na mesma linha, o diplomata João Guimarães Rosa, que produziu o fabuloso Grande Sertão Veredas, nos brinda com o notável Magma, em que se volta para si mesmo com uma poesia personalista.

E não podemos esquecer da Ilha Rebelde, São Luís do Maranhão, cidade supostamente fundada pelos franceses em 1612, de onde de  surge a poética modernista de Ferreira Goulart , que se arvorou surpreender a arte com seu impactante Poema Sujo.

Sim, falar de poetas e poesia é salutar, ameniza as asperezas da vida e conforta nosso estro interior, enquanto hoje, infelizmente, vige a vastidão do ignóbil, o belo transformado num mar de excentricidades, mariolas frívolas, a gerar a opacidade acadêmica, influenciada pelo tecnicismo agnóstico.

CDL/Bsb, 28.12.21

 

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