O MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS
Murilo Moreira Veras
Em
livro elogiado pela grande crítica filosófico-literária, Voltaire
(1694-1778), filósofo humanista francês, escreveu o livro Cândido para
satirizar o grande erudito alemão, Gottfried Wilhelm Leibniz
(1646-1716). Foi ele quem cunhou a expressão “o melhor de todos os mundos possíveis”, nosso habitat desde
priscas eras.
Voltaire
não poupou crítica ao criar personagens praticamente imbecilizados, como
Cândido, discípulo fiel do também idiotizado Panglos, travestido de Leibniz.
Na
verdade, Voltaire era espécie de sábio tipo cricri que satanizava fosse quem
fosse, para envaidecer seu ego crítico e se vingar da doença que o martirizava.
Se
algumas ideias se demonstraram suscetíveis de crítica e imperfeições
filosóficas, nem por isso deixar-se-á de reconhecer o legado sapiencial deixado
pelo grande polímata que foi Leibniz, através de sua vasta obra. E parte desse
extraordinário legado reflete-se na ideia, decorrente de seus profundos estudos
de hermenêutica religiosa e científica sobre
qual nosso papel como criatura vivente no mundo criado, mantido e
sustentado pelo seu Criador.
Nesse
pequeno relato, propomos expor algumas observações de Leibniz sobre dois temas
notáveis e que muito se refere ao tempo em que atravessamos neste nosso velho
novo mundo.
Primeiro
seria sobre o livreto, editado pela ABDR, com selo da Vozes Editora, de
Petrópolis, “Discurso de Metafísica”
no qual Leibniz, através de proposições sincréticas, analisa o relacionamento
do Criador com sua criatura, diretrizes gerais e metafisicas de como esse
enlace criador e criatura se desdobra, pontos e minudencias que se entrechocam
visando esclarecer e justificar os supostos comportamentos dos envolvidos nesta
espécie de conflito ético, estético e religioso entre os entes envolvidos.
Ao
todo são XXXVII proposições nas quais Leibniz, com maestria, deslinda os problemas
gerados entre Deus e suas criaturas, recorrendo inclusive aos ensinamentos da
Patrística e da escolástica, sem deixar de recorrer a seus estudos de hermenêutica científica e
matemática, para esclarecer os pontos de discórdia e incompreensão. São
verdadeiras aulas de filosofia, metafísica e religião.
Sem
nos atrever a discutir o mérito do Discurso de Leibniz, pelo seu intrincado
fundamento em Metafísica, é inegável a validade dos argumentos ali expostos
pelo mestre criador das simbólicas mônadas. Se erros ou desacertos os há,
o bom senso e a equalização de seus pensamentos com o Evangelho e a simbólica
há de os compensar.
Outra
ideia de Leibniz viralizada até hoje é a de que vivemos no Melhor de todos
os mundos possíveis — objeto da irrisão literária de Voltaire na sua novela
Cândido. A ridicularização feita por ele muitos cientistas e filósofos a
acompanham. Alegam inclusive que Deus poderia ter criado o mundo mais perfeito,
o nosso é ao contrário imperfeito, os antirreligiosos ainda a alegarem que se o
mundo é o melhor dos mundos possíveis, porque existe o mal — e outros quejandos
gerados pelo cientificismo e os agnósticos inveterados.
É-nos
claro que a assertiva filosófico-religiosa de Leibniz, o gênio precoce de
Hanover, tem sua falha. Por exemplo, ele declarava que só existia o nosso mundo
como o melhor dos mundos possíveis, ora se é o mais possíveis dos possíveis,
então há evidentemente outros mundos possíveis. Mas muitas de suas assertivas
são, no mínimo inteligentes e agradáveis como explicações filosóficas,
caso das mônadas — para ele
substâncias simples dotadas de tendência e percepção, portanto, conscientes,
capazes de ter desejos originais sobre o mundo.
Em outras palavras não nos parece de todo despropositada a
sentença de Leibniz — despropositada é
a infeliz ironia voltairiana em o
Cândido. Nosso mundo, situado nos confins galácticos, talvez seja o mundo
possível, o melhor e mais possíveis de todos os outros possíveis, porque criado
por Deus, que o criou para exaltar sua glória e fazer da sua criatura a melhor
das criaturas, capaz de glorificá-Lo, dentre todas as possíveis criaturas que
talvez enxameiem o universo transcendente.
Bsb. 28.09.22