domingo, 9 de abril de 2023

 

ENRAIZAMENTO E PERSONALISMO

   DUAS    OPÇÕES    CRÍSTICAS

 

 


 

CLARÃO na noite escura de nossa realidade, quase insana — eis o que nos representam as obras de dois singulares filósofos Simone Weil e Emmanuel Mounier, ambos franceses. Sobre a filósofa, há um movimento visando levá-la à beatificação, não apenas por sua obra filosófico-religiosa — mas sobretudo pelo desenvolvimento de sua espiritualidade de viés católica, embora nunca tenha sido convertida à Igreja em vida. Sabe-se que ela foi batizada ao morrer por uma amiga, a seu pedido.

É o espelho de sua obra refletido no descortino de sua vida que a elegeu à condição de beatitude. Sua personalidade ínclita, entretanto não demonstra familiaridade ao modelo das santas propriamente ditas da Igreja, capazes de milagres.

Tirante tal singularidade, o que nos espanta e nos faz acreditar em Simone é sua postura perante a fé crística — não propriamente  na ortodoxia prevalente no Vaticano, mas aquela oriunda da Patrística, nos ditames primordiais em que se fundou a Igreja como representante original dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Simone, embora assumidamente sem religião, parece firmar-se nas verdades doutrinárias da redenção da humanidade, não através de exagerado pietismo, mas da reforma dos seres humanos que se abeberem nas fontes primaciais da Sabedoria, da Justiça e do Amor. Ela preconiza o retorno ao culto a Deus Criador e Provedor Único do Universo. Ele próprio encarnado na Transcendência, com que se distingue de um simples dispenseiro existencial, a perdoar pecados e atender os mais diversos pedidos de uma humanidade pecadora, a queixar-se de seus sofrimentos, espécie de Grande Pai do Céu atendendo pensares e pesares de seus filhos.

O Deus de Simone é um Deus de superioridade infinita que administra o Universo e toda criatura nele inscrita. É o que rezam as Escrituras, a partir de sua estrutura abrâmica, a perder-se no tempo e no espaço. Eu Sou Aquele Que Sou — capaz de estruturar e desestruturar sua Obra Criada, à égide de sua Sabedoria,  Justiça e Amor, epítomes de sua Transcendência.

Perguntar-se-á: em que consiste afinal a filosofia simoneana, capaz de  reconstruir a fé no  mundo ocidental, hoje tão abalada?

O acervo filosófico de Simone Weil é relativamente extenso, considerando sua curta vida, falecida com apenas 34 anos de idade. Mas, uma de suas obras, por sinal inacabada com sua morte — O Enraizamento — a nosso ver, parece a que mais anuncia a chave de seu método original de recuperação da religiosidade, o que ela considera espécie de propedêutica do enraizamento. Segundo a filósofa, a modernidade desgovernou-se através do cientificismo, saturado de pragmatismo, para ela, responsável pelo desvio da humanidade da fé verdadeira, estiolando a sociedade dos valores axiológicos arraigados nos preceitos de Jesus Cristo, com que se subvertem a Justiça, a Moral, a Sabedoria e o Amor.

Trata-se de um ensaio de 1943, inacabado, cujo subtítulo é Prelúdio Para uma Declaração dos Deveres para com os Seres Humanos. No ensaio ela cria as bases de uma doutrina, capaz de expressar os princípios que permitiriam as civilizações perdurarem, desde que apoiadas no bem absoluto que habita o coração do ser humano, mas originário de uma realidade fora do mundo. Ou nas suas palavras: “O Enraizamento talvez seja a necessidade mais importante e mais ignorada da alma humana (...). Todo ser humano precisa ter múltiplas raízes, precisa receber a quase totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermédio dos ambientes a que naturalmente pertence.”

Ocorre que Simone Weil tem uma aliado às suas ideias. Coincidentemente é também francês e filósofo — Emmanuel Mounier. Nascido em 1905, falecido em 1950, quatro anos após o falecimento de Simone que provavelmente nunca se encontraram. Ele jornalista, criador da revista Esprit e ela envolvida com a vida operária, tendo participado da Guerra Espanhola. Ambos tinham ideias similares: defendiam o cristianismo, combatiam o comunismo e o capitalismo predador e se empenharam no combate ao hitlerismo e a ideologia  antijudaica, criadora da fatídica solução final que sacrificou milhões de judeus nos fornos nazistas, cujos fatos causaram a deflagração da 2ª Guerra Mundial.

Enquanto Simone Weil indicava o retorno ás fontes primevas do cristianismo, a Patrística e seus grandes mentores, Mounier sustentava o personalismo  como opção filosófica, a reunir duas ideologias, o liberalismo e o marxismo, visando superar os dois males. Para Mounier e também Weil, a democracia por si só não seria a solução, a não ser que se atentasse para a dimensão espiritual     visando o bem da pessoa humana integralmente. Para Weil, o ser humano precisa manter raízes morais, intelectuais e espirituais nos ambientes em que vivem para obter seu aperfeiçoamento. De sua vez, Mounier defende, baseado na tradição cristã, o que ele denomina a propriedade humana, em busca de um projeto para uma sociedade mais justa e solidária.

Ambos têm um ponto comum, suas proposição não apresentam cunho político, embora haja certos ingredientes políticos, tanto no personalismo quanto no enraizamento.

Como credores que somos  da melhoria da democracia vigente, tais aspectos dão motivos a que se façam reflexões mais realísticas sobre esse regime, visando torná-la mais livre, participativa e sua execução enseje de algum modo o aperfeiçoamento do ser humano.

 

CDL/ Bsb, 9.04.23

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