MONTAIGNE E A SAÚDE
DE NOSSO
TEMPO
Tempos difíceis esses
em que vivemos. Biblicamente são os primeiros passos dos fins dos tempos — os
sinais preconizados pelo profeta João no Livro do Apocalipse.
Como
nos preparar para as calamidades advindas? É o que nos preocupa a todos, quanto
à nossa saúde mental, possivelmente abalada, se já não estamos todos loucos, o
mundo todo enlouqueceu.
Sim,
porque ocasiões há em que o ser humano já perdeu de vez a tramontana, basta
verificarmos o grau de insanidade da chamada modernidade e seus estrépitos de
desalinhos para com a natureza, a quebra da realidade e a deformação do próprio
universo.
Se
considerarmos as anomalias que nos assolam a atualidade, a insanidade de que tem
se valido os atos humanos, os descompassos éticos, estéticos e morais dos seres
humanos — a tudo isso só podemos chegar a uma conclusão: o mundo ficou louco e
seus habitantes, também.
O
Mestre já nos preveniu, preparando-nos para os novos, mas terríveis tempos de
provação: “Orai e Vigiai”.
Neste
ínterim, cai-nos à mão, advindo de um amigo, entrevista retirada do jornal
francês Le Figaro, edição de 19.09.22 de um psiquiatra, Michel Lejoyeux.
A entrevista é sobre seu livro “En bonne santé avec Montaigne” — o subtítulo define o conteúdo do livro:
Montaigne, um filósofo preocupado com nossa saúde. Em seu livro, o psiquiatra
nos alerta: “Em Boa Saúde com Montaigne.”
Michel
Montaigne (1533-92 foi um escritor francês, jurista, político e filósofo —
teria sido inventor do gênero ensaio, considerado um dos mestres do
humanismo francês. Resta dizer que Montaigne não era, por assim dizer, um bon-vivant,
ao contrário era retraído e crítico da sociedade à época (século XVI), tendo
por líder Boécio, com a pretensão de alcançar a verdade absoluta, conquanto
duvidasse de tudo, o que contrariava seu suposto estoicismo. Na verdade ele não
passava de um seguidor de Sócrates com o Conhece-te a ti mesmo, um
casmurro, como Machado de Assis em seu Dom Casmurro.
Mas,
Montaigne pode nos ajudar a entender esse nosso tempo louco? Esse parece ser o
objetivo do livro do sr. Lejoyeux, que nos dá uma luz no fim do túnel.
Afinal
o que nos legou esse senhor medieval, ensaísta famoso que possa nos ajudar hoje
a viver esse nosso mundo e seus viventes?
Segundo
a entrevista do Le Figaro, sim, parece que o velho caturra, autor dos Ensaios,
o humanista boeciano, nos traz algumas
luzes. São conselhos, tirados à sua própria maneira de viver, recluso no seu
Castelo, preocupado com suas biles.
Por
que nos preocupar tanto com as mazelas do mundo? Devemos é alimentar nossa
alegria interior, abolir as tristezas, afagar os mínimos prazeres, apreciar o
que nos faz feliz e abolir por completo a infelicidade (chagrin)—esta, sim
é a causa mais depressiva que existe.
Outra
coisa interessante que nos aponta Montaigne, segundo Lejoyeux, é que
nós, humanos, devemos ter poucos, mas amigos de verdade, os quais nos confortem
com suas presenças,.ações e pensamentos e nunca cultivar numerosas amizades,
tornam-se flibusteiros de plantão.
Por
fim, outro conselho do velho mestre francês dos Ensaios — fazer
exercícios corporais e diz ele: “Se você hesita entre fazer exercício físico
e os do espírito, escolha o físico, pois o inverso não é verdadeiro.”
Ficamos
dando tratos à bola como Montaigne, velho, culto, jurista e filósofo dos
costumes, diria diante desse espetáculo caricato que foi, durante um imbróglio
político, um membro da alta corte de nossa justiça, responder a uma pessoa com
esse chiste, absolutamente impróprio e chulo:
—
... Perdeu, mané!
Certamente
teria vergonha de ter escrito seus Ensaios, afirmaria estar no planeta dos
macacos, jamais no cadinho civilizatório sobre o qual urdiu suas reflexões.
CDL/Bsb,4.12.22