domingo, 4 de fevereiro de 2024

 

              SERMÃO  DA  PÁSCOA

 

 


 

 

Que cessem  de Momo os delírios

e nos preparemos para os mistérios

                           da Páscoa,

               algo mais nobre se alevanta,

a Cruz mística sobre os ossos

                            da inércia humana

uma luz de clarividência, única e bela

a iluminar o que foi cárcere

                            de injustiça

o destino do mundo na conjectura

                            da esperança

— o símbolo da cruz, de crueza

                             feita,

edificando-se no coração do

                             mundo

o cálice da dor agora transformado

                              no ágape do Amor

pregado nos braços místicos da Cruz.

Cada estocada de sofrimento no corpo

                              do Mestre

nasce um arpejo de luz no eufemismo

                              da intensa dor,

cada vergalho lancinante no seu

                              corpo informe

o simbolismo do divino amor

— cada ferida a transfiguração celeste

                             se converte em sangue,

sangue do martírio a redimir

                              a humanidade.

Move-me, sim, ver-te, Senhor

                              em sangue vertido

o olhar transfigurado, a dor de teu

                              corpo retorcido,

os braços retesados suplicando devido os enormes

                              pregos infamantes.

Vês — a aurora já se ergue na plenitude

                              do tempo torturado

e os teus pecados já se apagam na mística

                              da Cruz.

Estamos todos remidos pelo sangue do Mestre

                              derramado.

O símbolo expiatório da Cruz expiou

                              os teus pecados,

outrora pérfido, teu coração ergue-se agora,

                               num amplexo de alegria

redimido pelo divino Amor.

Disse o divino Mestre dos Mestres

                               do mundo e do Universo

— “Vai e não peques mais”.

É tarde,  a noite lúgubre já se descortina nesse

                               presídio em que vivemos.

Os teus pecados  foram perdoados.

A dor suprema sofrida pelo Cristo Crucificado

                               é a superveniência do Amor

em oblação o humano ser converte seu pecado

                               em perdão

— o sacrifício imolado do Divino Amor.

E assim transfigurado pela divina  

                               concretude

o verbo se fez carne e habitou entre nós,

pelo sacrifício incruento da Cruz elevou-se

                                à plenitude celeste.

Louvemos todos ao Senhor Crucificado

que se imolou na Cruz por nossa egoísta e pecador

                                humanidade

                                egoísta e pecadora.

Se assim o foi há dois milênios do humano

                                vivenciamento,

por que tu te preocupas pelas dores

                                deste mundo,

por que negas tanto o sacrifício da Cruz

                                 e te afagas

na ilusão performática do mundo perfeito,

se só Ele, Jesus Cristo é perfeito, com o

                                 Criador Supremo?

 Ó céus — salmodiai todos em preces e

                                  louvores todo dia

é hora de bendizer a Crística Paixão.

 

 

 

             Sim, salmodiai o Senhor, todos os dias, todas as horas

               será que cada um de nós não responde

             pela crucifixão infamante de nosso Mestre

                                     Jesus? 

 

                                                                                        Bsb, 3.02.24

                                 

    

 

                        

                                

 

 

sábado, 27 de janeiro de 2024

 

            O CARRO  À  FRENTE DOS BOIS

            E OUTROS DELÍRIOS ANDANTES

 

                   Esqueçamos a desfaçatez da mídia histriônica atual e,  neste prelúdio momesco, aproveitemos para reler alguns clássicos de nossa literatura universal. Permitam-me escolher dois — Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes (1547-1616) e Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões (1524-1580). Ambos constituem obras-primas no conceito mundial, pilares dentre outros pilares a enobrecerem o cânone universal.

Nada mais salutar, até mesmo para nossa saúde mental, que nos deleitemos o espírito com essas leituras, diante de tanta desesperança nos dias atuais, desacertos, atrocidades, declínio geral e  violência, de todos os meios e formas, inclusive o ataque à individualidade, vez em quando ocorrida pelos meios políticos e até jurídicos.

Enquanto isso, inventores avançam com seus bricabraques artificiais, os mais espantosos por sinal, embora nenhum deles tenha ousado conseguir a felicidade almejada pelos tecnólogos em sua busca tenaz pela realização da panaceia do Novo Mundo, apregoada pele cientificismo e seus artífices — Elon Musk e seus sequazes.

Retornemos ao classicismo universal de Cervantes e Camões. Ambos viveram no século XVI, antes do chamado século das luzes, o tal  iluminismo dos enciclopedistas Diderot, Rousseau, D’Alembert, Montesquieu e Voltaire.

Cervantes cria aquele personagem fabuloso, Dom Quixote de La Mancha, defensor dos fracos e oprimidos de seu tempo, fazendo justiça com suas próprias mãos. Já Camões promove os feitos  do conquistador Vasco da Gama  na construção do império lusitano, por mares nunca antes navegados — verdadeira odisseia dos “barões assinalados”.

Recapitulemos os fatos em confronto com nossa realidade. Será que essas duas visões, de certo modo simbólicas, não têm muito a ver com nosso tempo, verdadeiro campo de sonhos de incertezas e decepções?

Dom Quixote não seria nosso Vingador do Futuro — aquele que combateria a maldade humana, defensor perpétuo dos “pobres e oprimidos,”  ou seja, o restaurador do inaudito Mundo Novo de Aldous Huxley?

Ora, o Cavaleiro da Triste Figura na verdade sofria das faculdades mentais, desmiolado por ter lido em demasia os feitos extraordinários dos chamados Cavaleiros Andantes, a literatura bizarra de certos autores medievais.

Então a leitura de livros pode ser perigoso, leva à loucura — é o que se depreende, portanto deve ser vigiada. Hitler mandou queimar todos os livros que contrariasse seu regime terrorista. Os tempos mudam, os perigos são os mesmos, às vezes piorados. Os sonhos podem se transformar em utopias ou distopias degeneradas.

Observemos os sonhos em Os Lusíadas. As peripécias dos lusitanos pode enlouquecer os saltimbancos do futuro com poética enganadora. Não seria uma advertência às alucinantes propostas da IA e seus articuladores — Elon Musk e outros artífices?

Então estamos num beco sem saída. Se nos tornarmos um Dom Quixote, criamos um mundo utópico, buscando salvar a humanidade — o que implica a criação dos mitos terríficos, os de Hitler, Stalin e Mao Tse Tung. Ao contrário, se nos tornarmos ávidos de aventuras faustosas, como as de Os Lusíadas, alcançamos o Eldorado ou a Cidade do Sol de Campanela,  a Utopia de Thomas More ou a mais recente A Ilha, de Huxley.

A solução talvez seja unânime. Ler de novo os alfarrábios, os luminosos e verdadeiros humanistas Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho e agora ressuscitar do silêncio Raimundo Lúllio, esses baluartes do saber, da ética e da estética. Esses alfarrábios, por incrível que pareça, respondem pela ascensão do cristianismo, o maior e mais extraordinário processo de humanização do humanoide, inclusive a reabilitação  das mentes. O resto é o resto, como diz a sabedoria popular — colocar o carro à frente dos bois.

Às vezes caminhamos assim: o supérfluo à frente do todo e o carro civilizatório viajando às avessas. Falha o poeta lusitano quando canta “Viajar  é preciso, viver não é preciso”. Não, frutuoso vate — viver é preciso. O carro de nossa experiência é protegido pela direção tomada com Justiça e Amor, desde que capitaneado pelo boi da Sabedoria e da Fé.

CDL/Bsb, 27.01.24