quinta-feira, 22 de março de 2018


REFLEXÕES  QUARESMAIS




Os cristãos católicos no mundo todo se preparam para celebrar o tempo litúrgico da Quaresma, também nosso País. Segundo a liturgia católica é o período em que os professantes devem aderir à conversão, procedimento  que de si implica a presunção do aumento  e manutenção da fé em Jesus Cristo, da parte do rebanho de fiéis que o consideram o Salvador da humanidade pelo sacrifício de sua crucifixão.  A Quaresma recorda o terrível suplicio do Mestre da Galiléia, perante o Sinédrio e o julgamento presidido por Pilatos, e, na sequência dos fatos, celebra como Ele venceu a morte, mediante a fantástica ocorrência da Ressurreição e Sua não menos fantástica aparição, depois, entre os discípulos estarrecidos.
Enquanto os fiéis se submetem a esse aprofundamento de fé no Filho de Deus feito Homem, nosso mundo se engolfa  numa avalanche de ocorrências, ocorrências essas que não só envolvem  o orbe todo, como em especial nosso sofrido torrão natal, com o desenrolar de outros tantos acontecimentos e  problemas que deles resultam ou são por eles gerados, num verdadeiro círculo vicioso de circunstâncias, ora execráveis, ora de importância significativa. Se por um lado tais ocorrências nos estarrecem, por outro lado nos sevem de alerta e também motivo para sobre elas fazermos  nossas reflexões.
Acode-nos em primeiro lugar a morte do astrofísico e professor emérito da Universidade de Cambridge, Stephen Hawking, o famoso descobridor dos buracos negros no Cosmo, defensor acérrimo da chamada Teoria do Tudo e outros teorias excêntricas, como a das Cordas, assim como os não menos estapafúrdios buracos de minhoca. O físico inglês sofria há mais de cinquenta anos de uma doença degenerativa, de consequências fatais, mas que se prolongou miraculosamente durante tanto tempo, graças à avançada tecnologia nele aplicada e desenvolvida. O cientista escreveu vários livros sobre temas ligados à astrofísica, mas sua vida extinguiu-se, como uma vela, diante dos grandes dilemas científicos que se propôs enfrentar e que jamais conseguiu solucioná-los, nem podia fazê-lo, por absoluta impossibilidade de o ser humano, adentrar os mistérios da  Eternidade e Transcendência de Deus, o Criador do Universo.
E na sequência dos fatos que sucedem à luz desse período quaresmal, de oração e penitência, comentamos nos cinemas uma fita — certamente em razão da própria Quaresma — cuja temática gira nada menos que sobre a vida de Maria Madalena, quem primeiro testemunhou a Ressurreição de Cristo, ao aportar bem cedo ao túmulo onde jazia o corpo do Salvador, de quem ouviu a  enigmática frase Noli mi tangere, não me toques, pois, disse Ele, “não havia subido até o Pai.” O filme tem o título de Maria Madalena , é dirigido pelo cineasta  Garth Davis, o papel de Jesus dado ao ator americano Joaquim Phoenix ( o mesmo que interpretou um imperador tresloucado no filme O Gladiador). Rooney Mara interpreta Madalena, com boa e convincente interpretação, o que não o fêz Phoenix, dando a Jesus uma voz rouca, com aparência extremamente simplória, para não dizer medíocre. O roteiro coube a duas mulheres Helen Edmundson e Phlippa Goslett, as quais, com forte insinuações feministas e ideológicas, impuseram ao filme uma narrativa descontextualizada dos Evangelhos, que, de certo modo, desvaloriza a personalidade de Jesus e, a nosso ver, tampouco enriquece a de Madalena, pois não apaga sua condição de prostituta arrependida, como lhe impinge a narrativa dos Evangelistas. O que mais desmerece no filme é que seus realizadores na verdade omitiram os episódios mais importantes da vida de Jesus, no seu Ministério, tais como o Sermão da Montanha, a realização da Páscoa e das significativas palavras que entronizaram a Eucaristia, a Ressurreição e o fantástico momento da Ascensão do Senhor. Em razão disso, o filme restou pobre, com narrativa arrastada e sem grande motivação.
Enquanto isso, assistimos nos dias que correm o tumulto decorrente do recente assassínio brutal de uma Vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, de cujo fato tem se aproveitado o ativismo político ideológico auxiliado pela mídia sensacionalista. Demonstração patente de quanto nos afastamos dos ensinamentos do Mestre, em especial os pobres habitantes desta Terra Papagalis, inculta, mas ainda assim bela, obrigada a se espelhar numa modernidade antropofágica e volúvel.
Haja coração, fígado, nervos e estômago para digerir tanta desvario, incompreensão e irracionalidade. A essa altura, o Ressuscitado, egresso do tumulo, há de dizer, perplexo, aos homens do mundo: Noli mi tangere, pois ainda não subi ao Pai.  
                                                                                Bsb, 22.03.18


quinta-feira, 1 de março de 2018



O SUSTENTÁVEL  PESO  DO  MAL







Nestes dias tumultuados, assalta-nos uma questão: Por que o Mal tem vicejado tanto em nosso País? Por que há mal no mundo? E o que é afinal esse Mal, a quem ele aproveita? A literatura inspira o Mal ou é o Mal que tem na literatura sua maior inspiração? Afinal por que Deus permite o Mal no mundo?
Na literatura, o Mal parece  ter ganho os louros de vencedor, ocupa o panteão dos epítetos heroicos. O Mal contamina toda a obra literária e “... se permitirmos que ele condene, por contaminação, tudo em que encosta, então nada se salvará no universo humano.”  Quer dizer — em palavras claras — que o universo literário e, por extensão, todo o projeto civilizatório encontra-se eivado do Mal, o que in extensis não deixa de ser um absurdo. A informação consta de recente artigo da revista Veja, edição 2571, de 28.02.18, título do artigo “A Literatura e o Mal”, o autor o sr. José Francisco Botelho.
Nós, a vida, o mundo, somos todos refém do Mal? Não é bem assim. A opinião do articulista é muito superficial, aliás, como o é toda mídia, pelo menos a brasileira.
Reflitamos um pouco sobre esse pavoroso Mal ao qual nós somos supostamente refém. Consultemos os eruditos. Para Aristóteles (384-22 a.C), o Bem é equivalente à felicidade, portanto prevalece sobre o Mal. Deriva da ação racional do homem, o pensar a essência da natureza deste. A Virtude integra a ação humana, considerada  seu  meio termo, o justo equilíbrio. Portanto, o Mal seria o desequilíbrio da ação humana, ou uma ação irracional, dessencializada do ser.
Já os epicuristas, adeptos do prazer, ligavam o Mal a uma dor do corpo e do espírito, devia ser evitada, como um desprazer. Na Idade Média, Santo Agostinho (354-430), seguindo a Patrística aristotélica, afirmou que o Mal era o “não-ser”, o contrário do Bem, sendo este a essência do Ser. São Tomás de Aquino (1226-1274), o maior expoente da Patrística, atualizou a concepção aristotélica agostiniana para pontificar que o Mal resultava dos atos humanos e também das coisas. O Mal seria a privação do Bem, mas a Vontade capaz de controlar os atos humanos.
Com ao advento da Reforma Protestante, figuras como Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804), modificaram um pouco essa propedêutica do Mal. Leibniz entendia que o Mal contribuiu para o grau de perfeição das criaturas, contribuindo para a plenitude do Bem. Ademais, o Mal resultaria do trabalho de Deus na construção do Melhor Mundo Possível. De sua vez, Kant aprofundou o conceito do Mal em termos ético-políticos e filosóficos. O Mal sinaliza uma vontade maligna, espécie de poder maléfico universal inerente à natureza. Manifesta-se de forma clara, sem neutralidade na natureza. É ausência do Bem ou sua transgressão. A essência do Mal o somatório da oposição, transgressão e perversão do Bem. Schelling (1775-1854), com seu idealismo transcendental, defende que o Bem e o Mal são predicados das ações humanas e o Mal se relaciona com a vontade humana. Hegel (1770-1831), autor de Fenomenologia do Espírito, expende que o Mal é escolha do homem e decorre de pulsão ou desejo dele, em função de sua visão do mundo. Assim, o Mal é uma atitude de desrazão, também configurando uma transgressão da norma jurídica.
Modernamente, o Mal tem sido objeto de conceitos mais atualizados. Na ética protestante de Paul Ricouer (1923-2005), o Mal desafia a filosofia e a teologia. Como o Criador, Deus enraíza Nele o próprio Mal. Denis Resenfeld (1956) considera o Mal contrário ao Bem, os dois  Mal e Bem simetricamente relacionados — um dependendo do outro. Jean Baudrillard (1929-2007), o mais pessimista de todos em nossa análise, viraliza nos seus escritos e palestras — o Mal é capaz de mover o mundo, pois é encantador, sedutor. Não é moral, e de tal ordem constitutivo que permite criar paraísos artificiais do consenso.
Vê-se que o Mal não é tão simples assim. Os analistas revelam que o Mal é inerente ao ser do homem, representa seu lado negativo, constitutivo, mas controlável pela vontade racional.
Portanto, o Mal existe no mundo, é condicionante da natureza humana, embora o agir esteja sujeito sempre ao crivo da razão. Deus não deseja o Mal para o mundo, sua excelsa criação — tampouco como ação reivindicatória ou de vendeta moral ou moralizante. Mas permite que ele, o Mal, permeie o mundo e as coisas nele constitutivas, para que o ser humano, por seu livre arbítrio, saiba espelhar sua vida e conduzi-la no mundo, não na negritude da noite, mas na claridade do dia, e assim reconheça o autêntico sentido da vida — que é conciliar-se com o lado sagrado da existência. Sobre o que acontece atualmente no mundo, diremos que, à medida que os seres humanos se afastam do sagrado, substituindo-o pelo materialismo em suas ações desconstrutivistas, o Mal se imporá, com suas ideologias e as pessoas, seduzidas, perdem o verdadeiro sentido do ser — afogam-se no vazio do não-viver.
Quanto à literatura, entendemo-la como arte e criação essencialmente humanas, devendo também pautar-se por esses parâmetros da virtude. Nas letras, é preferível  mantê-las iluminadas  do que conduzi-las pela negritude da escuridão na preferência dos leitores.
CDL/BSB, 1.03.18