quinta-feira, 1 de março de 2018



O SUSTENTÁVEL  PESO  DO  MAL







Nestes dias tumultuados, assalta-nos uma questão: Por que o Mal tem vicejado tanto em nosso País? Por que há mal no mundo? E o que é afinal esse Mal, a quem ele aproveita? A literatura inspira o Mal ou é o Mal que tem na literatura sua maior inspiração? Afinal por que Deus permite o Mal no mundo?
Na literatura, o Mal parece  ter ganho os louros de vencedor, ocupa o panteão dos epítetos heroicos. O Mal contamina toda a obra literária e “... se permitirmos que ele condene, por contaminação, tudo em que encosta, então nada se salvará no universo humano.”  Quer dizer — em palavras claras — que o universo literário e, por extensão, todo o projeto civilizatório encontra-se eivado do Mal, o que in extensis não deixa de ser um absurdo. A informação consta de recente artigo da revista Veja, edição 2571, de 28.02.18, título do artigo “A Literatura e o Mal”, o autor o sr. José Francisco Botelho.
Nós, a vida, o mundo, somos todos refém do Mal? Não é bem assim. A opinião do articulista é muito superficial, aliás, como o é toda mídia, pelo menos a brasileira.
Reflitamos um pouco sobre esse pavoroso Mal ao qual nós somos supostamente refém. Consultemos os eruditos. Para Aristóteles (384-22 a.C), o Bem é equivalente à felicidade, portanto prevalece sobre o Mal. Deriva da ação racional do homem, o pensar a essência da natureza deste. A Virtude integra a ação humana, considerada  seu  meio termo, o justo equilíbrio. Portanto, o Mal seria o desequilíbrio da ação humana, ou uma ação irracional, dessencializada do ser.
Já os epicuristas, adeptos do prazer, ligavam o Mal a uma dor do corpo e do espírito, devia ser evitada, como um desprazer. Na Idade Média, Santo Agostinho (354-430), seguindo a Patrística aristotélica, afirmou que o Mal era o “não-ser”, o contrário do Bem, sendo este a essência do Ser. São Tomás de Aquino (1226-1274), o maior expoente da Patrística, atualizou a concepção aristotélica agostiniana para pontificar que o Mal resultava dos atos humanos e também das coisas. O Mal seria a privação do Bem, mas a Vontade capaz de controlar os atos humanos.
Com ao advento da Reforma Protestante, figuras como Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804), modificaram um pouco essa propedêutica do Mal. Leibniz entendia que o Mal contribuiu para o grau de perfeição das criaturas, contribuindo para a plenitude do Bem. Ademais, o Mal resultaria do trabalho de Deus na construção do Melhor Mundo Possível. De sua vez, Kant aprofundou o conceito do Mal em termos ético-políticos e filosóficos. O Mal sinaliza uma vontade maligna, espécie de poder maléfico universal inerente à natureza. Manifesta-se de forma clara, sem neutralidade na natureza. É ausência do Bem ou sua transgressão. A essência do Mal o somatório da oposição, transgressão e perversão do Bem. Schelling (1775-1854), com seu idealismo transcendental, defende que o Bem e o Mal são predicados das ações humanas e o Mal se relaciona com a vontade humana. Hegel (1770-1831), autor de Fenomenologia do Espírito, expende que o Mal é escolha do homem e decorre de pulsão ou desejo dele, em função de sua visão do mundo. Assim, o Mal é uma atitude de desrazão, também configurando uma transgressão da norma jurídica.
Modernamente, o Mal tem sido objeto de conceitos mais atualizados. Na ética protestante de Paul Ricouer (1923-2005), o Mal desafia a filosofia e a teologia. Como o Criador, Deus enraíza Nele o próprio Mal. Denis Resenfeld (1956) considera o Mal contrário ao Bem, os dois  Mal e Bem simetricamente relacionados — um dependendo do outro. Jean Baudrillard (1929-2007), o mais pessimista de todos em nossa análise, viraliza nos seus escritos e palestras — o Mal é capaz de mover o mundo, pois é encantador, sedutor. Não é moral, e de tal ordem constitutivo que permite criar paraísos artificiais do consenso.
Vê-se que o Mal não é tão simples assim. Os analistas revelam que o Mal é inerente ao ser do homem, representa seu lado negativo, constitutivo, mas controlável pela vontade racional.
Portanto, o Mal existe no mundo, é condicionante da natureza humana, embora o agir esteja sujeito sempre ao crivo da razão. Deus não deseja o Mal para o mundo, sua excelsa criação — tampouco como ação reivindicatória ou de vendeta moral ou moralizante. Mas permite que ele, o Mal, permeie o mundo e as coisas nele constitutivas, para que o ser humano, por seu livre arbítrio, saiba espelhar sua vida e conduzi-la no mundo, não na negritude da noite, mas na claridade do dia, e assim reconheça o autêntico sentido da vida — que é conciliar-se com o lado sagrado da existência. Sobre o que acontece atualmente no mundo, diremos que, à medida que os seres humanos se afastam do sagrado, substituindo-o pelo materialismo em suas ações desconstrutivistas, o Mal se imporá, com suas ideologias e as pessoas, seduzidas, perdem o verdadeiro sentido do ser — afogam-se no vazio do não-viver.
Quanto à literatura, entendemo-la como arte e criação essencialmente humanas, devendo também pautar-se por esses parâmetros da virtude. Nas letras, é preferível  mantê-las iluminadas  do que conduzi-las pela negritude da escuridão na preferência dos leitores.
CDL/BSB, 1.03.18
                                                      


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