sábado, 25 de maio de 2019





A INSUSTENTÁVEL DUBIEDADE DO SER









Enquanto Milan Kundera pontifica sua Insustentável Leveza do Ser, elucubramos nós sobre A Insustentável Dubiedade do Ser, isto é, quão frágil pode se tornar o caráter humano.
Desde Platão,  sobrando para seu maior discípulo Aristóteles, que o tema tem sido objeto de reflexão. Platão ao criar a paródia da caverna para explicar o irrealismo do ser humano, preso nas sombras de suas próprias mentes, enquanto Aristóteles, sem desdizer o Mestre, se posiciona a favor da vitalidade do ser humano, como alma e espírito.
Tais parâmetros, à égide da filosofia realista platônica e do  bom senso aristotélico, na verdade não têm freado os desacertos cometidos pelo ser humano  na suposta caminhada evolucionária na direção do nada darwiniano. Pelo contrário, negando sua origem espiritual o homo sapiens parece se apartar mais e mais da sapiência original para se comportar como um humanoide, desprezando a ética e os valores da sapiência moral. É como se presencia o comportamento de algumas pessoas, que acaba por se apresentar com duas  caras, justificando a teoria das máscaras, as personas da tragédia grega.
Como lidar com essa duplicidade cênica, talvez seja esse o tour-de force de muitos filosóficos éticos, Emmanuel Levinas (1906-95), por exemplo, ao condicionar o humanismo perfeito ao acolhimento do outro, na sua visão crística do ser. De resto é problemático o convívio com esses portadores da máscara pirandélica, enleados em suas visões pessoais múltiplas e egocêntricas — sabe-se lá resquícios dos  genes egoístas, segundo as alucinações científicas do neurobiólogo ateu Richard Dawkins. Ou apenas faz-se representar a si mesmo nas diferentes personagens pirandélicas no grande palco da vida?
Insuscetíveis à crítica por assumirem a própria crítica, pessoas desse jaez, se encerram em suas próprias redomas de vidro e se comprazem em fazer invectivas, quem sabe a esconder dos outros o mal secreto  que o atormenta — aliás, objeto do célebre soneto do poeta maranhense Raimundo Correia (1859-1911), de que extraímos o primeiro verso e último terceto, ambos esclarecedores:
“Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse.”
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“Quanto gente que ri, talvez existe,
Cuja única ventura consiste
Em parecer aos outros venturosa”.

“...Ora, direis ouvir estrelas”, se o próprio parnasiano Olavo Bilac ouvia  estrelas, para compreender o inefável, por que nós, humílimas criaturas, que somos pó e ao pó reverteremos na visão eclesiástica, não podemos conviver com as diferenças de nosso próximo, quando o próprio Mestre, inocente, foi traído e abandonado pelo mundo?

CDL/Bsb, 25.05.19






sexta-feira, 3 de maio de 2019




JORNALISMO SERVILHANO :

UMA VISÃO PÓS-SEMANA SANTA



Do que vimos e experimentamos em viagem ao exterior, dentre outros aspectos, boa impressão nos causou as  matérias diárias dos jornais locais. O noticioso Diário de Servilla, por exemplo, no dia 22.04.19, após a Semana Santa, nos brindou com abordagens interessantes, sobretudo comentários inteligentes. Enquanto isso o jornalismo brasileiro muito de ressente quando troca a informação escorreita pelo rés do chão cru e cruel do veracismo. E, como sabemos, o que sai perdendo é a cultura, quando se lhe retira a essência da informação.
Apenas como exemplário, colhemos algumas matérias tratadas na edição 22.04.19. Alberto Gonzalez Troyano, em sua crônica sobre Livros, assinala o fato de, após o funesto incêndio da Catedral de Notre Dame, em Paris, ocorrido dias antes, as pessoas se voltarem para a magna obra de Victor Hugo -  O Corcunda de Notre Dame, como espécie de consolo. Diz o autor: “E agora, de novo, sua leitura tem levantado o ânimo de um povo (tradução nossa livre). Depois, ironiza que os políticos, naquele momento, em campanha esqueçam assuntos da Semana Santa, pois o mundo da cultura, para eles,  foi diluído, não se trata de questão prioritária.  Luis Sanchez-Moliní, com o título Spanish Tradition alerta que na tradição espanhola “há um barroco andaluz ascético e meditativo que pouco tem a ver o que se vende nas redes sociais” — prevenindo, portanto, para o mercenarismo religioso. Na sessão Opinião, Javier Gonzalez-Cotta opina sobre livro recém-lançado El Invento de Jesús de Nazaret, o autor Fernando Bermejo Rúbio. O livro trata da polêmica endêmica entre a pessoa de um Jesus autêntico, isto é, o taumaturgo exposto nos Evangelhos, ou simplesmente personagem mítica, oculta nos textos sagrados, menos revelável pela investigação  e mais pela imaginação dos crentes. Segundo o cronista, o autor vai mais além dessa  verdade plausível e do cenário da Paixão, para apresentá-Lo como  um fundamento de fé.
Na edição de 23.04.19, o mesmo jornal traz matéria bastante atual, até mesma abordando a tecnologia, com reportagem sobre autora uruguaia de 95 anos, Ida Vitale, que ganhou o Prêmio Cervantes, com sua obra despojada e misteriosa, onde trata “de temas como o deslumbramento ante a natureza e a função da linguagem” — tudo isso transcrito em seus poemas. Segundo o jornal, a poetisa poematiza a conexão da poesia com a natureza com o alerta de que em seus envolvimentos “um breve erro, torna-as ornamentais”, prevenindo o perigo que pode conter as palavras. Outro comentarista, Pablo Bujalance,   com seu artigo “Público y Laico”, ironiza a disputa entre o que é laico, público e sagrado, quando os partidários do laicismo, ao seu juízo,  voltam a condenar a excessiva ocupação das manifestações religiosas no espaço público dos últimos dias da Semana Santa. Assinala que a Espanha não é um estado laico, mas confessional, sendo permitido democraticamente que todas as manifestações culturais se realizem, inclusive no espaço público. E finaliza, sabiamente: “Eliminar das ruas a dimensão transcendente do ser humano faria das cidades lugares menos humanos.”
Oxalá nossos jornais, TVs e toda nossa parafernália de comunicação nos ensejassem, em seus veículos, informações desse jaez cultural, com juízos mais bem elaborados, veiculados em linguagem menos vexatória, conceitos e pensamentos à altura de um jornalismo de escol, realmente informativo e não essa enxurrada de fatos e intrigas políticas de baixo nível, com que nos defrontamos diariamente,  às vezes até atentatórios à Moral e aos bons costumes da vida em sociedade.
CDL/Bsb, 4.05.19