sexta-feira, 24 de julho de 2020

JOSÉ  SANTIAGO  NAUD
1930 - 2020      

                     



                     A poesia acaba de sofrer uma grande perda: desde o último dia 2o não se ouve mais a voz de um grande poeta - JOSÉ SANTIAGO NAUD.
                  Lá pelas regiões missoneiras nascia em 1930, 24 julho, o vate de A Geometria das Águas, do Ofício Humano e outros vinte e tantos poemas mais, extraídos de sua veia poética. Poeta pluriseminal, seus versos trilhavam o moderno, ceifado na seara clássica, espécie de realismo não fantástico, mais transcendente. Sua poética, exaurida em vivência e andanças percorridas, ares e notares dos clamores americanos, tornaram-no de dupla cidadania, enriquecendo o lavor de sua vérsica ultrasimbolista. Deixa uma lacuna em nossa vida cultural e literária, como fizeram tantos vates do passado, ora envolvidos na penumbra do esquecimento.
                    Quiçá sua vida e arte mantenham-se perenes nos gestos e no pensamento de nosso tempo e seu ofício de poetar nos ensine a compreender, um pouco ou muito mais o sentido do que seja viver, sofrer e sonhar.

                 Publicou vinte e um livros, inclusive antologias pessoais: Noite Elementar (Porto Alegre, 1958); Hinos Cotidianos (Rio de Janeiro, 1960); A Geometria das Águas (Porto Alegre, 1963); Ofício Humano (Rio de Janeiro, 1966); Verbo Intranqüilo (Rio de Janeiro, 1967); Conhecimento a Oeste (Lisboa, 1974); Dos Nomes (Rosário, Sta. Fe, 1977); Noção do Dia (Brasília, 1977); Promontorio Milenario (Panamá, 1983); Pedra Azteca (México, 1985) e Vez de Eros (Brasília, 1987); As colunas do templo (Brasília, 1989), O olho reverso (1993), Memórias de signos (Porto Alegre, 1993), O avesso do espelho (1996), Antologia Pessoal (Brasília: Thesaurus, 2001) e 20 poemas escolhidos e um falso haikai (2005).Vive em Brasília.
                     
                   Sobre o poeta disse o poeta Carlos Drummond de Andrade : Posso afirmar que encontrei na sua poesia alguns indício de ouro,para usar de uma expressão do poeta que lhe oferece a epígrafe para seu livro". 
                    E também Walmir Ayala:  "Seus primeiros poemas já revelavam a preocupação mais recente da nossa poética — a visibilidade e a objetividade. J. S. N. tem a virtude da grandeza, é uma emoção transcendendo, seu mundo solicita formas que vai inventando ao sabor da sugestão, sua metáfora é sutil e dramática. Suas "coisas" estão diretamente implicadas em seu destino, em seu tempo,  no destino e no tempo do homem, o que dá universalidade e validade à sua experiência.".  WALMIR AYALA
                        Assim como Angel Crespo, in Revista de Cultura Brasileña, Madrid, 1966:

                  "Un cántico sin efectismos, sin resabios, precisamente, de música simbolista. Porque en esta poesía hay tradición, pero una tradición cuya sustancia ha sido transformada en esencia. (...) No quiere esto decir que el poeta se aventure por caminos que desdigan de su inteligente y verdaderamente nuevo sentido de la tradición.  Sus versos son conenidos, sobrios, generalmente de arte menor (por la medida, es claro, y no por la calidad) pero, de vez en cuando, su modernidad, su sentido experimental, se agudiza.(...) / Pero Naud no va a abusar de estos recursos retóricos — de nuevo cuño — que son muy raros en su libro. Nos dan, sin embargo, la medida de una intensa preocupación formal."
 ÁNGEL CRESPO - Revista de Cultura Brasileña, Madrid, 1966.

Faleceu em julho de 2020.
                          Eis uns de seus poemas:

CANTARES DE NOSSA SENHORA

1.
Quero te falar de Maria.

Maria foi tão simples.
É muito anterior a Eva
e está noturnamente sozinha
na sua roca de Piedade.

2.
Era preciso que Deus baixasse
e nos desvãos da carne celebrasse
a aliança com o eterno.
Mas devia vir nu,
                             Deus,
sem uma pedra que lhe amparasse a cabeça,
nem placentas, submisso
e ancorado na vária geração.

Como nas vastas peregrinações
em que o homem equilibra
e partilha e o anseio,
se te exigia o máximo,
de virgem e de mãe.
Era preciso reunir
                             como o andarilho,
no olhar, todos os povos.

E tu ouviste o anjo.

Tu foste a casa e a flor,
o jardim e a lareira,
ajudando
               para sempre
o espírito no tempo.  

3.
Em segredo,
um campo azul pendia
das paragens celestes, vasto
de muitas flores. E vinhas por ele
com as vestes vaporosas, ao lado
                                                      o touro
- de finas ilhargas e a frente poderosa.

Oh, Pastora da besta,
as alvas mãos aberta
sob os seios explícitos!
Caminhas, pastoreando
enquanto a língua bruta,
áspera e sedenta,
forte e obscura
vai passando entre os beiços
                                              (rorejados
de orvalho)
a grama, tenra.
Odores de terra sobem como chuva
a baba cintilante.

Simples, entre as mais simples
vejo a tua mão descer
sob o dorso selvagem
enquanto os flancos fremem.
Então, de rampa adusta
a pomba desce,
                          e adeja
no teu ventre a aspereza
portentosa do touro:
todas as flores que ele pasta
passam às tuas vestes
                                    e ficam
vivo esplendor.  

CDL/Bsb, 24.07,20


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