FÁBRICA DE SONHOS E A DUREZA DO REAL
É de ver-se, mesmo na urdidura desta vida, que nem só de pão vive o
ser humano. O sonho também constitui um alimento. Em contrapartida, há os que
agem não como sonhadores, mas como loucos. De todos os gêneros, se nos propusermos a distinguí-los por área de
atuação e de vivência.
Neste mundo de meu
Deus ou sob o pregão de outros deuses, visualizamos beleza, felicidade,
justiça, humanidade, perdão — mas na balança do julgamento vicejam pessoas
desumanas, egoistas, ladrões e assassinos. E o pior: temos que conviver com a
escória, o que na linguagem crística corresponde ao joio que se mistura ao
trigo, capaz de sustentar ainda muitos corações, infensos ao veneno do
agnosticismo.
Neste iniciar de
ano, é desejável que procuremos nos prover de todos os nossos sonhos, desde que
plausíveis e não nos deixemos levar pelos escaninhos da indiferença e da
apatia, como o fazem alguns, sob o lema de viver
por viver, deixa a vida me levar e outros atos lesivos aos pensamentos.
Ainda é tempo de nos
acautelarmos contra os venenos que a vida nos intoxica, melhor, mediante os
apetrechos, sinecuras, desvios físicos e culturais — essa ciranda de afasia transmitida
pelas mídias, responsáveis pelo ensandecimento sistemático de nossos cérebros, almas e corpos, numa
cumplicidade sistêmica com essa suposta visão de harmonização do mundo, o
decantado Mundo Novo, a globalização
como salvação e unificação dos povos a pretexto de aperfeiçoamento da
civilização.
Vez em quando a
própria tecnologia nos faz lembrar de nossos sonhos esquecidos, reviver nossas
esperanças. Não nesse Mundo Novo
preconizado pelo socialismo ecumênico, também do falso esoterismo, mas o sonho
que edificamos com nossa realidade auferida no trabalho, através de nossas
forças vitais, adquiridas e sustentadas na moral, na ética e estética.
Sonho é o que vemos
no filme do Netflix Fábrica de Sonhos —
Ousar Sonhar, dirigido pelo cineasta alemão Martin Schreier e um elenco de notáveis atores e atrizes. Numa
grande empresa cinematográfica, um simples extra se apaixona por uma dublê da dançarina principal de um filme,
ambas, dançarina e sua dublê, retornariam a Paris, após terminadas as gravações
da película que estavam rodando. Decepcionado e sem perspectiva no estúdio, o
rapaz usa de estratagema, ousando passar-se por cineasta e monta um filme,
tendo como atriz principal, no papel de Cleópatra, a dançarina e sua dublê
Milou. Depois de muitas peripécias,
finalmente o extra apaixonado consegue
realizar seu sonho, que é o amor de Milou. É uma das fitas mais interessantes
que assistimo sobre a temática sonhos.
Oxalá, apesar de
todos os contratempos desse famigerado 2020, que este que se inicia nos traga
esperança de melhores dias e que não nos esqueçamos nunca de que sem o sonho
jamais o ser humano alcançaria tal nível de especificidade, sonho que está
eivado do devenir esperançoso, de que algo de bom acontecerá — aliás como Ferreira Gullar intitulou seu primeiro
livro de poesia Um Pouco Acima do Chão,
embora a rigor lhe faltasse
espiritualidade nos seus poemas.
Parodiando outro
poeta, o português Fernando Pessoa, dir-se-á:
“... Navegar é preciso
Mas Sonhar é mais preciso.”
CDL/Bsb, 18.01.21
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