O HOMEM-DE-UM-OLHO-SÓ
Ele só tem um olho — é O Homem-de-um-olho-só. Acontece que todos naquela pequena cidade são cegos. Assim, só ele, O Homem-de-um-olho-só, enxerga. Então, tudo o que os cegos veem é o que ele diz ver.
— O que está vendo, ó homem? — pergunta um cego.
— Vejo que temos um dia de sol. A empregada do vizinho, também cega, vende frutas na barraca de seu pai.
— E o pároco, já passou para a missa?
— Está passando agora, com sua bengala que lhe indica a direção
— E você, Homem-de-um-olho-só, está vendo tudo direito, com seu olho só?
— Muito bem, meu caro, tudo vai na santa paz.
— Nada de novo no front?
E o Homem-de-um-olho-só, com seu gesto sarcástico de tudo entender, mesmo com um olho só desvendando o que se passa ao redor, a seu modo e do jeito que quer, responde:
— Tudo legal, companheiro, nada de novo sobre a terra.
O padre já entra na pequena igreja, cumprimenta sem ver os que também não o veem.
Enquanto isso, lá fora, a vida da cidade se desenrola aos trancos e barrancos. Um cego é atropelado por um veículo dirigido por um cego. Um menino matreiro e também cego joga bola ao léu, acaba atingindo uma vidraça, o proprietário, cego, ouve os estilhaços e reclama aos berros.
Um cego logo reclama:
— Que confusão é esta, Homem-de-um-olho-só?
— Nada, homem, coisinha desimportante...
No banco da praça, outros cegos, reunidos, conformados com sua própria cegueira, deixam-se levar pelo que um só olho vê, mesmo que lhe falte o outro.
E assim se arrasta a vida daquele pequeno lugar, sem outras delongas que as que lhes contam o Homem-de-um-olho-só. O que ele diz, dito está.
CDL/Bsb, 3.05.22
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