sábado, 30 de abril de 2022


 

              QUEM VEIO PRIMEIRO, 

               O OVO OU A GALINHA?

 

                                     


        Nosso mais famoso físico, Marcelo Gleiser, professor de física teórica do Dartmouth College, Hanover, EUA, de uns tempos para cá, parece obsedado por assuntos metafísicos. Mais precisamente, afigura-se-nos atacado de delirio tremens sobre Deus – ou o eufemismo de seus heterônimos mais atuais: Criador, Matemático da Criação, Designer Inteligente. O que será que está acontecendo com nosso brilhante físico carioca? Por acaso está com receio de dar de cara com o Criador em pessoa na primeira esquina? Ou será que, de repente, falta-lhe conteúdo suficientemente programático para explicar a seus alunos as mais recentes maravilhas que acontecem no fantástico mundo da física?

                   Ou por acaso são os argumentos racionais que lhe escapam, na qualidade de cientista, armadilhando-o cada vez mais no cipoal das teorias e explicações figurativas do materialismo impedernido?

                   Pelo sim ou pelo não, o que não nos parece compatível com a inteligência exigível para um mestre de física teórica, é o nosso ilustre compatriota expor-se ao ridículo em seu artigo semanal no caderno MAIS da Folha de São Paulo, edição de 31.07.05, de propor, ao público leitor, a seguinte pergunta: “Senhor designer, quem foi que o desenhou?

                  O professor referia-se, nada menos que a Deus, a propósito de ser ou não ser ele o suposto criador do universo – ou em linguagem mais moderna, o famoso DI ( em inglês Intelligent Designer).  Ora, pois, pois, o Dr. Marcelo Gleiser do alto de sua autoridade  acadêmica se predispondo ameaçar que o Senhor do Universo lhe responda quem o criou, quem é o fundador do próprio Deus,  saber quem afinal é o Big Boss desse empreendimento extraordinário que foi a  criação! E  o que torna ainda mais patético o seu inquietante artigo é que ele conclui com a basófia do sábios : ...” E se o designer disser que não sabe, que talvez seja parte de um experimento, ficaremos então sabendo qual a identidade secreta do Designer. É bom usar letra maiúscula, pois é assim que devemos nos referir a Deus.

                 Pela madrugada, nobre professor, mais é muita infantilidade para a magnitude de um raciocínio científico! Tem um outro Deus atrás de Deus? Quem é maior, o primeiro ou o segundo Deus? De que ele é feito? De raio, de trovão, de tempestade, de unrânio processado? Está sentado numa estrela longínqua? Ou quem sabe terá surgido de repente de um “buraco negro”? Ou esgueirou-se furtivamente de um “universo paralelo” através de um “buraco de minhoca”? Quem sabe não é um gigantesco Atlas segurando o Universo e com ele jogando uma  partida de dados? Por que não um velho senhor de barbas infindas, sentado na sua cadeira giratória, num escritório supermoderno, em frente a um super computador, desenhando estrelas, planetas, multidão de galáxias, Ets, anjos, algas marinhas no oceano, bactérias, dinossauros, porcos, macacos e seres que andam, pensam e sonham num minúsculo planeta por ele criado só para seu usufruto especial?

                  Permita apenas que lhe sugira algumas idéias, pois, humilde criatura que sou, simples caniço pensante na ótica de Blaise Pascal, não tenho autoridade suficiente para me imiscuir em assunto tão místico, penetrar em mistério tão vasto, mas que tem preocupado um séquito de sábios e também cientistas: a existência ou inexistência de Deus. Aliás, Alain Touraine, sociólogo de renome, em recente livro intitulado  Crítica de Modernidade em certo ponto de sua argumentação, escreveu: “...É a idéia de Deus que demonstra a existência de Deus.” Observe-se que alguns apóstolos dessa suposta modernidade já propuseram a morte de Deus e  colocaram como candidato a substituí-lo a inteligência humana, o progresso do mundo.

Confesso que tenho muita admiração pelas atividades do professor Marcelo Gleiser, rapaz moço, mas brilhante, tendo sido alçado ao ministério científico por absoluto mérito. Aprecio seus livros, bem escritos, conceitos e idéias objetivas, considero-o um dos grandes atuais divulgadores da ciência. Mas com a devida vênia, suas últimas considerações metafísicas sobre Deus ou o DI no artigo em questão são de uma insensibilidade afásica.

                    Convenhamos, meu caro professor de física teórica, é possível a  tal ordem de SER configurar-se na matemática, na trigonometria, nos cálculos diferenciais, enfim em todos as equações escritas e  imaginadas pela genialidade de Einstein? Pode tal SER se submeter às experiências de um laboratório de ciência?

                   E me responda, pelo amor de Deus, Dr.Marcelo Gleiser esse SER, esse que andam dando a alcunha rídicula de Designer Inteligente, por que cargas d’água Ele vai dever explicações a vocês, cientistas, humanos, frágeis criaturas, irresponsáveis habitantes da Terra por Ele mesmo criados, assim como tudo o que há, todos os universos conhecidos e imagináveis?

                     Eliminar Deus, destroná-lo em favor do homem, desvendar totalmente a mística do Universo, tudo isso não passa de uma grande falácia. Pelo simples fato de que Deus não é objeto do pensamento humano, porque Ele representa o próprio pensamento. Ninguém criou Deus, porque Ele é incriado. Não tem começo nem fim, pois Ele é o próprio começo e o fim de tudo. Deus é infinito porque Ele é a própria infinitude e eterno porque é Ele mesmo a eternidade. Deus é aquele que É, e está acabado, porque Ele se basta a si mesmo.

                     E a propósito, uma última indagação, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Eu acho que foi o ovo. Mas é melhor o digníssimo professor perguntar a Deus. Ele deve saber, afinal foi Ele quem criou tudo isso que está ai.

                     Bsb, 1.05.22

 

 

quinta-feira, 28 de abril de 2022

 

ATENAS BRASILEIRA E 

OS BONDES TURÍSTICOS

 

 


 

Certa feita, João Mohana, sacerdote e psiquiatra maranhense, também autor de duas obras-primas literárias — O Outro Caminho e Maria da Tempestade — segredou que um dos passeios que mais apreciava em São Luís, onde residia, era tomar o bonde e fazer o percurso da rua do Passeio até à Av. Rio Branco, final da linha do bonde Gonçalves Dias.

Pe. João Mohana, palestrante famoso, autor de muitas obras de catequese, hoje esquecido, diga-se de passagem, de há muito é falecido. E com ele também despareceram os famosos bondes de São Luís, capital do Maranhão.

Por que os bondes de São Luís foram retirados do trânsito? A resposta é simples: os prefeitos e políticos maranhenses decidiram bani-los todos, apregoaram ser para bem do trânsito da cidade, praticidade e modernização da capital ludovicense. E para substituírem os simpáticos meios de transporte da população, com ímpetos de galhardia modernista, à sanha de renovar tudo e demonstrar eficiência, assacaram as ruas com asfalto bruto, tornando-as ensolaradas e para completar a insanidade, decidiram fazer uma varredura nos arvoredos da cidade. Resultado: as ruas foram todas acimentadas, para dar vazão ao trânsito infernal e as árvores cortadas, a título de impregnadas de lacerdinhas.

Até que se compreende o arresto. Mas por que todas as linhas dos bondes? Por que não replantar as árvores nas praças e em determinados lugares passíveis de recreação? Por que não continuar com o bonde Gonçalves Dias, que fazia um dos melhores passeios turísticos da cidade — como disse nosso saudoso Pe. João Mohana, que de certo modo ousou, com o lume de suas obras,   reavivar São Luís como suposta Atenas Brasileira pela quantidade e luminosidade de seus poetas e escritores?

Ora, vejam a incoerência dos detentores do poder maranhense. Lisboa e Porto, principais cidades de Portugal, jamais as autoridades políticas sequer ousariam retirar os bondes de suas ruas. Certamente enfrentariam o furor de toda a população. E o que fizeram os supostos rebeldes da ilha de São Luís — se acovardaram!

A solução do problema causado pelos bondes em São Luís era fácil de resolver. Que se banissem todas as linhas à guisa de modernização, mas jamais a linha Gonçalves Dias Av. Rio Branco. É simples. Era um passeio turístico, dos mais pitorescos da cidade. São Luís tinha característica de uma cidade turística, seria diante das belezas extraordinárias que o Maranhão possui e infelizmente até hoje são esquecidas ou apenas em parte aproveitadas — os Lenções Maranhenses, sem falar que São Luís é patrimônio da humanidade devido seus prédios históricos, as grades e azulejos de suas moradas. Nossos políticos esqueceram e continuam esquecendo tudo isso.

Imaginem retirarem-se os bondes dessas grandes cidades turísticas em todos o mundo, Lisboa, Porto, Amsterdam e até ali no nosso continente ao norte, a maior potência industrial, financeira e bélica do mundo, os Estados Unidos,  Estado da Califórnia, a cidade de Los Angeles, os políticos resolverem banir seus bondes!

O maranhense — e precisamente os políticos — parece ainda não ter conseguido apagar de sua imagem humanística a pecha que lhe imputou o velho e erudito Pe. Antônio Vieira de gente possuidora da maranha. 

CDL/BSB, 28.04.22

 

 

terça-feira, 5 de abril de 2022


 

HOMENAGEM A LYGIA FAGUNDES TELLES

 

 

 

 

Eu a vi pela primeira vez em São Paulo durante aqueles certames literários da Nestlé, creio pelos idos de 93. Do programa constavam palestras de Lygia e outras à época luminares das letras —  Clarice Lispector, Nélida Piñon, João Antônio, Carlos Heitor Cony, Luís Fenando Veríssimo, Ignácio de Loyola Brandão, Lya Luft, Ana Paula Machado e que tais.

Terminada a jornada, concluída o programa, dá-se a corrida dos repórteres e fãs, à busca da palavra dos escritores. E a mais assediada foi Lygia, ao redor de quem as pessoas acorriam, pressurosas para obter uma palavra a respeito do certame, inclusive eu mesmo que queria obsequiar-lhe com exemplar da revista Lavra, Ideias & Letras, que, à época, editava em Brasília. Ansiava por uma palavra da autora dos livros As Meninas e Ciranda de Pedra, então grandes sucessos livrescos.

De longe, eu aguardava que a aglomeração em torno dela arrefecesse e então pudesse trocar umas palavras com ela. Então vi que Lygia me olhou, ao ver-me afastado, adivinhando que eu quisesse falar-lhe. Respondi olhando-a, como que auscultando-lhe a angústia.

Enfim, pude falar-lhe, entregar-lhe exemplar da revista, a que ela me atendeu com quase doçura, sorridente, educadamente.

A lembrança do episódio ficou-me gravado até hoje, tantos anos são passados —- o seu olhar doce, o sorriso límpido, inteligente.

Agora nestes nossos velhos tempos pandêmicos, o mundo sob trâmites de violência, o Pais no aguardo de novas eleições — a notícia me açoita o espírito — Lygia Fagundes Telles faleceu no dia 3.4.22, domingo, aos 98 anos. Havia poucos dias, vi seu retrato nas redes sociais, uma senhora idosa, não desfeita ainda dos traços de candura e beleza.

Lygia Fagundes Telles foi uma das maiores escritoras do País. Obteve os mais importantes prêmios literários, inclusive o mais prestigiado galardão  de letras do mundo lusófono — o Camões, pelo conjunto de suas obras. Também foi a primeira escritora brasileira indicada para o Nobel de literatura.

Não há negar — nosso País acaba de perder uma das suas maiores representantes literárias, sem falar que o destino, sempre cruel, nos deixa órfãos de uma figura humana educada e culta, Lygia Fagundes Telles. Que sua alma, na medida de seus ideais intrínsecos que representam suas obras sirvam-lhe de escada em direção à morada celeste.

CDL/Bsb, 4.04.22