domingo, 31 de dezembro de 2023

 

RESSAIBO DOS FATOS E DAS COISAS

 

     


                                     
Murilo Moreira Veras

 

 

Noutros tempos, os quais não voltam mais, esse cronista pensou   escrever sobre a diuturnidade, fatos corriqueiros, coisas acontecíveis do dia a dia, de somenos, mas interessantes. Não fez mais do que quatro ou cinco linhas num tabloide estudantil, feito à mão.

Sim, coisas do passado, esse passado sombreado de nuvens, algumas letras e um sol brilhando em passos, ainda trôpegos, mas sinceros, vívidos. Era a adolescência, com seus pruridos de encanto e fantasia.

Os amigos de verdade eram poucos, escolhidos naquele verdadeiro espaço de rapazes solertes, barulhentos e infantis, ginasianos do famoso Liceu Maranhense. Depois, quatro anos de estudos, subia-se a escadaria que dava para o andar de cima — o máximo dos máximos, a etapa final, o científico, agora rapazes e moças, estas vindas de colégios femininos.

O folguedo maior, que se destacava do buliçoso convívio das garotas, era, nos intervalos mais longos, dar uma volta na Praça Gonçalves Dias, cinco ou seis quarteirões do Liceu. Comer melancia ou simplesmente ficar a toa e desfrutar a brisa do mar, sob o olhar vetusto do poeta indianista Gonçalves Dias aboletado na sua torre de ébano, ali, no meio de sua praça.

De tarde, ali pelas três ou quatro horas, o sol já morno, o melhor era a turma se encontrar todos os dias em frente à Livraria Estudantil, na praça João Lisboa — e ficar contando lorotas. Muitas vezes o tema era o futebol, que a maioria gostava e vibrava em favor de seu time predileto. Mas havia os que o assunto era os temas gerais, a vida alheia, os namoricos, cinema, literatura.

São recordações que se esvaem no tempo. E nos vem à telha, onde estarão esses velhos camaradas, desaparecidos na linha do tempo, passaram desta vida para a melhor?

E é assim que a vida se desvela, um fio que se desenrola, desenvolto, inescapável no seu trânsito, cujo fim desconhecemos.

Esses amigos, velhos camaradas de conversa, falastrões às vezes, todos parecem que se foram. Um ou outro o destino nos faz encontrar, inesperadamente. Trocamos algumas ideias e desaparecemos em seguida.

São como resquícios do tempo, da vida, fatos e relatos que se desenrolam, perdidos e esquecidos.

Então é à margem desse tecido temporário que nos vem à mente  aquele estouvado aforismo, desenterrado da mente, onde jazia escondido — esses Ressaibos dos Fatos e das Coisas, justo agora quando este já vetusto cronista do espaço e do tempo, desfia esses pensamentos.

                Onde estão esses companheiros, não o sei, desapareceram pelos umbrais ignotos desta vida. Então me vem à mente aquele filete de pensamento que ousei revolver da mente, uma fita velha de lembrança desse já algo defasado escrevinhador, algo que vem à mente, sempre me enleva e me faz crer que ainda vale a pena viver,  assim como sonhar e escrever — é este soneto de Olavo Bilac, quem tiver ainda ouvido ouça e coração não deixe nunca de amar:

                 

                                         VIA-LACTA

                   Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
                   Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
                  Que, para ouvi-las, muita vez desperto
                  E abro as janelas, pálido de espanto...

                 E conversamos toda a noite, enquanto
                A Via-Láctea, como um pálio aberto,
               Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
               Inda as procuro pelo céu deserto.

               Direis agora: "Tresloucado amigo!
              Que conversas com elas? Que sentido
              Tem o que dizem, quando estão contigo?"

             E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
            Pois só quem ama pode ter ouvido
            Capaz de ouvir e de entender estrelas.

                                   Bsb, 31.12.23 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

 

              MEU NATAL DO FUTURO

 


 

                                                   Murilo Moreira Veras

 

Meu Natal do Futuro é diferente.

Não tem festa, não tem alarde,

não tem riqueza, ostentação:

é como o sol que desperta a aurora

do sono da Escura Noite.

Meu Natal do Futuro transcende

a vida medíocre,

transforma a afasia geral,

gesto de suprema unção

— a Natalidade Criadora.

Meu Natal do Futuro

sublima o tempo,

também a vida, seu revigorante,

o espelho que transluz a polifonia do existir.

O Natal há de ser amanhã, mais do que hoje,

o fermento da melhora do homem

— sal da Terra e do Universo.

É o amanhã do Mundo,

se abre em esperança

— amorosa magnitude do Menino-Eternidade,

infinitude cósmica, imanência transcendental,

o Verbo que se faz Carne e se fez Menino,

o Infante que renovará o Mundo.

Um novo Mundo, um Novo Ser Humano

— a Verdade reabilitada,

sarça ardente que queimará o coração

da Humanidade.

 

                    

                     É a esperança iluminando caminhos,

                     o futuro do Mundo, o Olhar do Menino,

                     que se fez Homem, que se fez Mártir

                     e redimiu o mundo perdido.

                     — quem viver, verá.

                     — Viveremos?

 

      Natal, 2023