A PASSÁRGADA DA LOUCURA
Reza o ditado popular
que “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”. Ao observar os dias
atuais, sobretudo no lapso que antecede as eleições no Brasil, não é difícil reconhecer
que as coisas não andam bem, no que se refere ao comportamento das pessoas. Tem-nos
causado espécie, também, a atuação dos
meios de comunicação de massa, claro que por detrás desses órgãos midiáticos
atuam pessoas que fazem funcionar a engrenagem da comunicação.
Não precisa muita observação para se
aquilatar tratar-se de anomalia geral, atingindo pessoas e narrativas de fatos,
não em nosso País, mas extensivo ao mundo todo. Será uma loucura generalizada —
espécie de manifestação de loucura de todo gênero?
Então os seres humanos enlouqueceram?
Michel Foucault (1926-84), aquele
filósofo francês de ideias estapafúrdias tem um livro sobre a história da
loucura — mas nos escusamos de discuti-lo, devido sua irreverência a fugir de
nossa linha de pensamento.
Preferimos nos imbuir das ideias de
outros pensadores, na tentativa de elucidar essa onda indescritível que vem
assolando esse nosso velho novo mundo. Não o mundo em si, o ente circunstancial
e imanente no qual vivemos, mas as pessoas, seus comportamentos, suas ações,
sua interferência na engrenagem social, os pensamento em si a sofrerem de
esquizofrenia coletiva.
E se tudo não passar de um grande e
hiperbólico plano geral que se insinua insidiosamente nas sociedades, a
disseminar o desequilíbrio mental das pessoas?
Há alguns anos dizia-se que o sobredito
engodo resultaria da interferência da contracultura,
que teria influenciado o mundo, com seu ideário extravagante que teria formatado
o chamado modernismo.
Mas, como dizia certo lente do passado
— consultemos os alfarrábios.
Erasmo de Roterdam (1469-1536), filósofo
e humanista famoso, em 1511 escreveu o “Elogio da Loucura” no qual
satiriza a sociedade de então, os reinados, as sociedades e a Igreja, por seus
supostos desvios clericalistas. Em sua sátira, a loucura era uma deusa,
a que reis e cortezões prestavam culto. Eis excerto seu:
“Não esperais de mim
nem definição nem diversão de retórica. Aqui não caberia tal coisa. Definir-me
seria impor limites que a minha força desconhece. Dividir-me seria distinguir
os diferentes cultos que me prestam, e eu sou adorada igualmente em toda a
Terra.”
É de ver-se que esse reino da deusa Loucura
prevalece até nossos dias, vige e se alimenta em diversas camadas da sociedade,
e pior, encontra-se sorrateiramente moldada nos preceitos jurídicos, seu
sentido desnorteado.
Outro renovado filósofo — René Descartes fez referência a esse reino da loucura, nos
seguintes termos:
“Como poderei negar
que estas mãos e este corpo são meus, a menos que me compare com alguns insumos
cujo cérebro é tão perturbado e ofuscado
pelos negros vapores da bílis, que eles asseguram constante, quando na verdade
são muitos pobres que estão vestidos de ouro púrpura, quando estão
completamente nus, que imaginam serem bilhas ou ter um corpo de vidro.” (apud
Foucault – 1972, 45).
Passemos para outro patamar do saber, a
literatura.
Escritor brasileiro, um dos maiores
vultos de expressão literária no País, segundo nossa historiografia, foi
Machado de Assis (1839-1908). Dentre sua extensa produção, há a novela,
muito comentada, “O Alienista”. Cotejemos um excerto:
“Era a vez do terapeuta,
Simão Bacamarte, ativo e sagaz em descobrir enfermos. Excedeu-se ainda em
diligência e penetração com que precipitou tratá-los. Neste ponto todos os
cronistas estão de pleno acordo: o ilustre alienista faz curas famosas que excitaram
a viva admiração em Itaguai.”
Nosso Código Civil, artigos 3º, Livro
I, Título I, estabelece a incapacidade absoluta para as pessoas absolutamente incapazes
de exercerem seus direitos na sociedade, enquanto nos itens II e III qualifica os deficientes mentais incapazes de
responderem por seus atos, total (II) ou transitoriamente (III).
Mas, quando se trata de loucos
extraordinários que se arvoram acima dos parâmetros legais, por razões
falaciosas, magistrados, legisladores, oficiais judiciários, que se consideram imunes
às leis — como detê-los?
De minha parte, prefiro parodiar o que
disse o poeta:
Vou me
embora pra Passárgada,
Lá sou amigo
de Manuel Bandeira,
Lá em terei
o sonho mais louco que escolherei.
CDL/Br20.09.22
P.S – Texto inspirado no
comentário de José Carlos Gentili, escritor e jornalista, Presidente
Perpétuo da ACLEB