sábado, 3 de dezembro de 2022

 

MONTAIGNE E A SAÚDE

DE    NOSSO    TEMPO

 




 

 

 Tempos difíceis esses em que vivemos. Biblicamente são os primeiros passos dos fins dos tempos — os sinais preconizados pelo profeta João no Livro do Apocalipse.

Como nos preparar para as calamidades advindas? É o que nos preocupa a todos, quanto à nossa saúde mental, possivelmente abalada, se já não estamos todos loucos, o mundo todo enlouqueceu.

Sim, porque ocasiões há em que o ser humano já perdeu de vez a tramontana, basta verificarmos o grau de insanidade da chamada modernidade e seus estrépitos de desalinhos para com a natureza, a quebra da realidade e a deformação do próprio universo.

Se considerarmos as anomalias que nos assolam a atualidade, a insanidade de que tem se valido os atos humanos, os descompassos éticos, estéticos e morais dos seres humanos — a tudo isso só podemos chegar a uma conclusão: o mundo ficou louco e seus habitantes, também.

O Mestre já nos preveniu, preparando-nos para os novos, mas terríveis tempos de provação: “Orai e Vigiai”.

Neste ínterim, cai-nos à mão, advindo de um amigo, entrevista retirada do jornal francês Le Figaro, edição de 19.09.22 de um psiquiatra, Michel Lejoyeux. A entrevista é sobre seu livro “En bonne santé avec Montaigne”  — o subtítulo define o conteúdo do livro: Montaigne, um filósofo preocupado com nossa saúde. Em seu livro, o psiquiatra nos alerta: “Em Boa Saúde com Montaigne.”

Michel Montaigne (1533-92 foi um escritor francês, jurista, político e filósofo — teria sido inventor do gênero ensaio, considerado um dos mestres do humanismo francês. Resta dizer que Montaigne não era, por assim dizer, um bon-vivant, ao contrário era retraído e crítico da sociedade à época (século XVI), tendo por líder Boécio, com a pretensão de alcançar a verdade absoluta, conquanto duvidasse de tudo, o que contrariava seu suposto estoicismo. Na verdade ele não passava de um seguidor de Sócrates com o Conhece-te a ti mesmo, um casmurro, como Machado de Assis em seu Dom Casmurro.

Mas, Montaigne pode nos ajudar a entender esse nosso tempo louco? Esse parece ser o objetivo do livro do sr. Lejoyeux, que nos dá uma luz no fim do túnel.

Afinal o que nos legou esse senhor medieval, ensaísta famoso que possa nos ajudar hoje a viver esse nosso mundo e seus viventes?

Segundo a entrevista do Le Figaro, sim, parece que o velho caturra, autor dos Ensaios, o humanista boeciano,  nos traz algumas luzes. São conselhos, tirados à sua própria maneira de viver, recluso no seu Castelo, preocupado com suas biles.

Por que nos preocupar tanto com as mazelas do mundo? Devemos é alimentar nossa alegria interior, abolir as tristezas, afagar os mínimos prazeres, apreciar o que nos faz feliz e abolir por completo a infelicidade (chagrin)—esta, sim é a causa mais depressiva que existe.

Outra coisa interessante que nos aponta Montaigne, segundo Lejoyeux, é que nós, humanos, devemos ter poucos, mas amigos de verdade, os quais nos confortem com suas presenças,.ações e pensamentos e nunca cultivar numerosas amizades, tornam-se flibusteiros de plantão.

Por fim, outro conselho do velho mestre francês dos Ensaios — fazer exercícios corporais e diz ele: “Se você hesita entre fazer exercício físico e os do espírito, escolha o físico, pois o inverso não é verdadeiro.

Ficamos dando tratos à bola como Montaigne, velho, culto, jurista e filósofo dos costumes, diria diante desse espetáculo caricato que foi, durante um imbróglio político, um membro da alta corte de nossa justiça, responder a uma pessoa com esse chiste, absolutamente impróprio e chulo:

— ... Perdeu, mané!

Certamente teria vergonha de ter escrito seus Ensaios, afirmaria estar no planeta dos macacos, jamais no cadinho civilizatório sobre o qual urdiu suas reflexões.

 CDL/Bsb,4.12.22

 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022


 

SINAIS ESCATOLÓGICOS E O BOM COMBATE

 

 

 

 

Vivemos instantes dos mais inquietantes, a nos indicar que os acontecimentos escatológicos já se sobrevêm ao País e ao mundo — sob os padrões da visão do cristianismo. Seria o prelúdio dos fins dos tempos?

Enquanto isso, reina a apatia de grande parte da sociedade, daqueles que quanto pior melhor, contanto que se refastelem vivos e absortos em seus próprios interesses pessoais.

Em contrapartida que não nos atinja o estado geral de apatia, sem dúvida o contraventor dos eventos e da capacidade de, nós seres ainda humanos, agir e sobreviver neste nem tão suposto “vale de lágrimas”.

Ora, os dias que correm parecem-nos os sinais evidentes de que os fins dos tempos já se aproximam, basta atentarmos para os eventos, o desgaste do mundo, o despudor das sociedades e das pessoas.

Não será isto o de que nos advertiu o Mestre Jesus, nos diversos ensinamentos que predicou, em sua rápida passagem vivencial ao nosso mundo — quando nos alertou: “Orai e vigiai”?

Dissemos anteriormente “Desanimar não é preciso”, mas o epíteto parodiado de Fernando Pessoa parece-nos cada vez mais inepto à vista de tanta negatividade que nos têm afligido os fatos.

Acontece que o desanimar não parece tampouco o remédio para a cura dos males da sociedade, sobretudo  fórmula ideal para combater os desacertos que ocorrem no mundo atual. Seria como agir com o mesmo remédio, o erro pela afazia mental.

Será que essa teria sido a atitude, por exemplo, de um dos discípulos mais ativo do Mestre, o apóstolo Paulo de Tarso? Teria ele simplesmente esperado que Deus proviesse tudo? Se nos atermos à sua ação, como divulgador da boa nova, em quase todo o mundo antigo, ele não descansou enquanto não promoveu sua cristianização, sofrendo os maiores dissabores por onde andou, inclusive o apedrejamento, por exemplo, em Atenas, por incrível que pareça o berço da democracia supostamente legada às nações incipientes.

Acolhamos a apologética paulina e não nos deixemos influenciar pelo materialismo, vão e infausto, por exemplo, de um Jean-Paul Sartre. Ao contrário, fortaleçamo-nos da vontade interior do apóstolo Paulo, cujas palavras de admoestação dirigiu aos Corintos — 2Cor. 12: 9-10 — com que fortaleceu a fé daqueles primeiros colonos cristãos:

 

“Por isso, de bom grado, me gloriarei das minhas fraquezas, para que

a força de Cristo habite em mim (10); e me ampare nas fraqueza, nos                                        insultos, nas perseguições e nas angústias, por causa de Cristo. Com efeito,   quando sou fraco, então sou forte.”

 

Não diz o dito popular que é na fraqueza que nos sentimos mais forte? Diante de uma catástrofe, a alternativa é não nos deixar abater.

É-nos oportuno o refrão do grande poeta maranhense Gonçalves Dias em seu poema indiano “Canção do Tamoio”, em que enaltece o em que consiste o verdadeiro sentido heroico da vida:

 

Não chores, meu filho;

Não chores, que a vida

É luta renhida:

Viver é lutar.

“A vida é combate,

Que os fracos abate,

Que os fortes, os bravos

Só pode exaltar”

 

 

Que o aforismo poético do vate gonçalvino nos dê força e capacidade suficientes para vencer, mais uma vez, a mão esquerda do destino que, no momento,  ousa se abater sobre nós.

 

  

 

    

domingo, 6 de novembro de 2022

 

O  LOBO  E  O  CORDEIRO

 


 

 

... Naqueles dias, o Lobo e sua matilha invasora, resolveu devorar o Cordeiro que estava ali, há muito tempo, com seu rebanho.

O fato ocorre num riacho onde, ambos Cordeiro, Lobo e suas respectivas trupes, saciam sua sede.

— Ó Cordeiro — diz o Lobo da outra margem — você está bebendo do meu riacho.

Medroso, mas querendo se defender, o Cordeiro replica:

— Senhor Lobo, este riacho e todo esse território nos pertence, há muito tempo, a mim e meus companheiros. Mas o sr. e seus companheiros podem beber no riacho.

O Lobo responde, furioso, mesmo assim:

— Pois agora fique sabendo que este córrego e todas estas terras abeirantes já me pertencem...

— Senhor — replica o Cordeiro temeroso, fazendo das tripas coração — este riacho e todas estas terras nos pertencem, desde tempos imemoriais...

— Mas agora não pertencem mais, preciso de mais espaço para minha trupe se refestelar.

— Nesse caso — responde o pobre cordeiro, mesmo tremendo de medo — sou obrigado a recorrer à Suprema Corte deste território...

— Eu pertenço à Suprema Corte e vou indeferir seu recurso...

Responde o Cordeiro, quase sem mais alternativa:

— Nesse caso, vou à Corte Internacional de Justiça.

— Pois, sim — ironiza o feroz devorador de cordeiros indefesos — todos de lá são do meu lado, fazem parte da justiça mundialista, já estabelecida.

Então, como última instância da razão e justiça, o indefeso cordeiro ousa responder:

— Senhor, sou obrigado, eu e meus companheiros, a medirmos força com os invasores pelos nossos direitos...

Sem mais delongas e junto com toda sua ferocíssima matilha, o Lobo atravessa rápido o regato e estraçalha o cordeiro  desafiante e todo o seu rebanho.

 

MORAL DA ESTÓRIA: A razão do mais forte, formada pelas ideologias dominantes, supera sempre os que ainda acreditam na Justiça e no Direito do bem viver. Quem tiver ouvidos, ouça. E parodiando o velho Shakespeare, afirmamos: há algo de podre na nossa Dinamarca.

CDL/Bsb, 6.11.22

terça-feira, 25 de outubro de 2022


 

DESANIMAR  NÃO É PRECISO

 



Nestes dias de tantas discórdias,  bom alvitre seria recorrer às sábias palavras do pregador batista Graham Green, extraídas de seu livro 366 Meditações Diárias:

Senhor, quando eu me sentir desanimado, tira toda a cegueira causada pela minha fé inconstante. Tu estás sempre comigo. Perdoa meu ingrato coração.

A prece inspira-se nos Salmos 26.14 e deve servir também a nós, pobres eleitores, ora atanazados por tantas crueldades, a lidarmos com mentiras, falsidades, uma verdadeira batalha satânica a nos atacar as consciências, tudo dirigido para nos desvirtuar do que é certo, mais adequado à situação periclitante em que nos encontramos. Observem-se as palavras do salmista: Espera pelo Senhor, tem  bom ânimo...

O desânimo — ninguém se iluda — é uma das ações mais perigosas a comandar nossas consciências, elas não nos fortalecem o espírito, ao contrário delinquem nosso querer, diminuem nosso ensejo de esperança, nos enfraquecem e infelicitam nossas vidas. É um sentimento negativo, um estorvo. Se quisermos ter esperança, jamais  devamos nos tornar vítima dessa desordem que é o desânimo.

Enquanto isso, recorra-se à esperança. Todos nós devemos ter esperança no que fazemos. Querer é poder, diz o feliz refrão. Nunca pensarmos na derrota. Não pensemos no pior, mas no melhor. Lembremo-nos de que o universo conspira contra o negativo da nossa existência.

Haja fé a fortalecer nossa esperança, sem a qual não passaremos de frágeis e covardes patriotas, que, como fôssemos  cobaias de um destino réprobo, nos esquecêssemos de defender a nossa própria Pátria.

CDL/Bsb, 25.10.22

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

 

REFLEXÕES PARA OS DIAS ATUAIS

 

 


 

Não há nada de novo no front — desta feita no mundo dos fatos e das ideias. A modernidade nem sempre é original. Já disse o filósofo francês Lavoisier: “No mundo nada se perde, tudo se transforma.

Às vezes, nem sempre para melhor. Os dias que correm nos dão margem a algumas reflexões, umas curiais, outras estarrecedoras, suscetíveis de discussão.

No momento de intensa atmosfera política, os ânimos exaltados com expectativas de mudanças importantes, preferimos o refúgio das ideias onde prelibam temas históricos e filosóficos. Por sinal nada aleatórios à vista da veemência do cenário a que assistimos.

Há cerca de 2.400 anos, Platão, filósofo grego, no Livro VI de  A República, em forma de diálogos, afirmou, através de seus personagens, que a democracia não era o regime político tão perfeito. Segundo ele, a democracia propiciava os eleitores a serem influenciados pela aparência dos candidatos, ao invés de levar em conta suas qualificações de governabilidade. Para ele, o Estado devia ser governado por sábios, filósofos, treinados especialmente para geri-lo, pessoas incorruptíveis, conhecedores da realidade e não indivíduos comuns, que seriam ineptos e inaptos a tão importante missão. Com esta opinião tem também o filósofo Nigel Warburton em série recente da BBC History of Ideas.

Observe-se que fragmentos de A República foram encontrados no Egito, local chamado de Oxyrhynechus.

Segundo o grande filósofo — e trocando em miúdos os aspectos negativos que o regime democrático produziria — o regime seria o governo do povo e devido seus adotantes buscarem insanamente a igualdade, esclarece Platão, o desejo insaciável de liberdade os levariam à tirania. Pois o excesso de liberdade gera excesso de facções e multiplicidade de perspectivas, muitas cegas por interesses mesquinhos, gerando o terreno fértil para surgir o tirano, que manipularia as massas e subjugaria a democracia. Daí ele, Platão, concluir que o governante ideal seria aquele que tomaria as decisões mais justas, prudentes e sábias, orientado pela virtude e não pelas paixões.

Sabemos, desde eras remotas, o quanto estas ideias têm influenciado a chamada civilização ocidental, ora para o lado da tirania, ora para imbuir-se do espírito democrático, sempre tendo como luz o raciocínio dos grandes construtores do pensamento, os gregos, dos pré-socráticos aos que os seguiram, como o próprio Platão, Sócrates e Aristóteles.

A chamada modernidade, saída em primeira onda, pela esbórnia supostamente salvadora da Revolução Francesa, tem nos legado, se de um lado os atavios da liberdade, fraternidade e progresso, por outro tingiu o horizonte do desenvolvimento humano com a praga do iluminismo materialista e do pedantismo cientificista, vigentes até nossos dias.

E, como se não bastasse, o eufemismo da social-democracia, filha mais nova bastarda do ideal marxista, tem se revelado espécie de salvação política e econômica para os males do mundo moderno, quando na verdade não passa de novíssima invenção totalitária do chamado esquerdismo ideológico, agora influenciado estranhamente por outra ou outras teorias nefastas, como o mundialismo, o aquecimento global, Gaia e outras histerias que avassalam o planeta.

Enquanto isso, em meio a essa mixórdia, do entrechoque dessas teorias esdrúxulas, sem falar no desastroso rastro de retração social, econômica e política deixada por uma inominável pandemia, nosso País projeta-se, a muito esforço, dentre as nações, à busca do progresso com a justiça e a equidade possíveis.  

Pois agora querem travar essa ventura evolucionista, trocando-a por uma aventura desastrosa, que nos querem impingir a utopia do socialismo, híbrido criado pela esquerda hiperbólica. É hora de nos abrigar à sombra da verdade e da justiça, para não sermos, mais uma vez, ludibriados pelo sofisma gramsciano.

Oxalá tenhamos a nossos olhos as figuras imortais do passado e recentes de Frederik Hayek, Alex de Tocqueville, Roger Scruton e em nossa história, Visconde de Cairu, José Bonifácio de Andrade e Silva, Visconde de Mauá e mais recentemente Meira Pena, José Murilo de Carvalho e Guilherme Merquior  e nelas nos inspiremos para cumprir com nosso dever cívico e não nos deixarmos  cair na armadilha da utopia asfixiante do esquerdismo. 

CDL/Bsb, 7.10.22

 

 

terça-feira, 27 de setembro de 2022


 


O  MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS

 

                                    Murilo Moreira Veras

 

 

Em livro elogiado pela grande crítica filosófico-literária, Voltaire (1694-1778), filósofo humanista francês, escreveu o livro Cândido para satirizar o grande erudito alemão, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Foi ele quem cunhou a expressão “o melhor de todos os  mundos possíveis”, nosso habitat desde priscas eras.

Voltaire não poupou crítica ao criar personagens praticamente imbecilizados, como Cândido, discípulo fiel do também idiotizado Panglos, travestido de Leibniz.

Na verdade, Voltaire era espécie de sábio tipo cricri que satanizava fosse quem fosse, para envaidecer seu ego crítico e se vingar da doença que o martirizava.

Se algumas ideias se demonstraram suscetíveis de crítica e imperfeições filosóficas, nem por isso deixar-se-á de reconhecer o legado sapiencial deixado pelo grande polímata que foi Leibniz, através de sua vasta obra. E parte desse extraordinário legado reflete-se na ideia, decorrente de seus profundos estudos de hermenêutica religiosa e científica sobre  qual nosso papel como criatura vivente no mundo criado, mantido e sustentado pelo seu Criador.

Nesse pequeno relato, propomos expor algumas observações de Leibniz sobre dois temas notáveis e que muito se refere ao tempo em que atravessamos neste nosso velho novo mundo.

Primeiro seria sobre o livreto, editado pela ABDR, com selo da Vozes Editora, de Petrópolis,  Discurso de Metafísica” no qual Leibniz, através de proposições sincréticas, analisa o relacionamento do Criador com sua criatura, diretrizes gerais e metafisicas de como esse enlace criador e criatura se desdobra, pontos e minudencias que se entrechocam visando esclarecer e justificar os supostos comportamentos dos envolvidos nesta espécie de conflito ético, estético e religioso entre os entes envolvidos.

Ao todo são XXXVII proposições nas quais Leibniz, com maestria, deslinda os problemas gerados entre Deus e suas criaturas, recorrendo inclusive aos ensinamentos da Patrística e da escolástica, sem deixar de recorrer a  seus estudos de hermenêutica científica e matemática, para esclarecer os pontos de discórdia e incompreensão. São verdadeiras aulas de filosofia, metafísica e religião.

Sem nos atrever a discutir o mérito do Discurso de Leibniz, pelo seu intrincado fundamento em Metafísica, é inegável a validade dos argumentos ali expostos pelo mestre criador das simbólicas mônadas. Se erros ou desacertos os há, o bom senso e a equalização de seus pensamentos com o Evangelho e a simbólica há de os compensar.

Outra ideia de Leibniz viralizada até hoje é a de que vivemos no Melhor de todos os mundos possíveis — objeto da irrisão literária de Voltaire na sua novela Cândido. A ridicularização feita por ele muitos cientistas e filósofos a acompanham. Alegam inclusive que Deus poderia ter criado o mundo mais perfeito, o nosso é ao contrário imperfeito, os antirreligiosos ainda a alegarem que se o mundo é o melhor dos mundos possíveis, porque existe o mal — e outros quejandos gerados pelo cientificismo e os agnósticos inveterados.

É-nos claro que a assertiva filosófico-religiosa de Leibniz, o gênio precoce de Hanover, tem sua falha. Por exemplo, ele declarava que só existia o nosso mundo como o melhor dos mundos possíveis, ora se é o mais possíveis dos possíveis, então há evidentemente outros mundos possíveis. Mas muitas de suas assertivas são, no mínimo inteligentes e agradáveis como explicações filosóficas, caso  das mônadas — para ele substâncias simples dotadas de tendência e percepção, portanto, conscientes, capazes de ter desejos originais sobre o mundo.

 

Em outras palavras não nos parece de todo despropositada a sentença de Leibniz — despropositada  é a  infeliz ironia voltairiana em o Cândido. Nosso mundo, situado nos confins galácticos, talvez seja o mundo possível, o melhor e mais possíveis de todos os outros possíveis, porque criado por Deus, que o criou para exaltar sua glória e fazer da sua criatura a melhor das criaturas, capaz de glorificá-Lo, dentre todas as possíveis criaturas que talvez enxameiem o universo transcendente.  

                                                         Bsb. 28.09.22

 

 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022



 

A  PASSÁRGADA DA LOUCURA

 

 


 

Reza o ditado popular que “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”. Ao observar os dias atuais, sobretudo no lapso que antecede as eleições no Brasil, não é difícil reconhecer que as coisas não andam bem, no que se refere ao comportamento das pessoas. Tem-nos causado espécie, também,  a atuação dos meios de comunicação de massa, claro que por detrás desses órgãos midiáticos atuam pessoas que fazem funcionar a engrenagem da comunicação.

Não precisa muita observação para se aquilatar tratar-se de anomalia geral, atingindo pessoas e narrativas de fatos, não em nosso País, mas extensivo ao mundo todo. Será uma loucura generalizada — espécie de manifestação de loucura de todo gênero?

Então os seres humanos enlouqueceram?

Michel Foucault (1926-84), aquele filósofo francês de ideias estapafúrdias tem um livro sobre a história da loucura — mas nos escusamos de discuti-lo, devido sua irreverência a fugir de nossa linha de pensamento.

Preferimos nos imbuir das ideias de outros pensadores, na tentativa de elucidar essa onda indescritível que vem assolando esse nosso velho novo mundo. Não o mundo em si, o ente circunstancial e imanente no qual vivemos, mas as pessoas, seus comportamentos, suas ações, sua interferência na engrenagem social, os pensamento em si a sofrerem de esquizofrenia coletiva.

E se tudo não passar de um grande e hiperbólico plano geral que se insinua insidiosamente nas sociedades, a disseminar o desequilíbrio mental das pessoas?

Há alguns anos dizia-se que o sobredito engodo  resultaria da interferência da contracultura, que teria influenciado o mundo, com seu ideário extravagante que teria formatado o chamado modernismo.

Mas, como dizia certo lente do passado — consultemos os alfarrábios.

Erasmo de Roterdam (1469-1536), filósofo e humanista famoso, em 1511 escreveu o “Elogio da Loucura” no qual satiriza a sociedade de então, os reinados, as sociedades e a Igreja, por seus supostos desvios clericalistas. Em sua sátira, a loucura era uma deusa, a que reis e cortezões prestavam culto. Eis excerto seu:

 

“Não esperais de mim nem definição nem diversão de retórica. Aqui não caberia tal coisa. Definir-me seria impor limites que a minha força desconhece. Dividir-me seria distinguir os diferentes cultos que me prestam, e eu sou adorada igualmente em toda a Terra.”

 

É de ver-se que esse reino da deusa Loucura prevalece até nossos dias, vige e se alimenta em diversas camadas da sociedade, e pior, encontra-se sorrateiramente moldada nos preceitos jurídicos, seu sentido desnorteado.

Outro renovado filósofo — René Descartes  fez referência a esse reino da loucura, nos seguintes termos:

 

“Como poderei negar que estas mãos e este corpo são meus, a menos que me compare com alguns insumos cujo cérebro é  tão perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bílis, que eles asseguram constante, quando na verdade são muitos pobres que estão vestidos de ouro púrpura, quando estão completamente nus, que imaginam serem bilhas ou ter um corpo de vidro.” (apud Foucault – 1972, 45).

 

Passemos para outro patamar do saber, a literatura.

Escritor brasileiro, um dos maiores vultos de expressão literária no País, segundo nossa historiografia, foi Machado de Assis (1839-1908). Dentre sua extensa produção, há a novela, muito comentada, “O Alienista”. Cotejemos  um excerto:

“Era a vez do terapeuta, Simão Bacamarte, ativo e sagaz em descobrir enfermos. Excedeu-se ainda em diligência e penetração com que precipitou tratá-los. Neste ponto todos os cronistas estão de pleno acordo: o ilustre alienista faz curas famosas que excitaram a viva admiração em Itaguai.

 

Nosso Código Civil, artigos 3º, Livro I, Título I, estabelece a incapacidade absoluta para as pessoas absolutamente incapazes de exercerem seus direitos na sociedade, enquanto nos itens II e III qualifica  os deficientes mentais incapazes de responderem por seus atos, total (II) ou transitoriamente (III).

Mas, quando se trata de loucos extraordinários que se arvoram acima dos parâmetros legais, por razões falaciosas, magistrados, legisladores, oficiais judiciários, que se consideram imunes às leis — como detê-los?

 

 

 

De minha parte, prefiro parodiar o que disse o poeta:

 

Vou me embora pra Passárgada,

Lá sou amigo de Manuel Bandeira,

Lá em terei o sonho mais louco que escolherei.

 

               CDL/Br20.09.22

 

 

P.S – Texto inspirado no comentário de José Carlos Gentili, escritor e jornalista, Presidente Perpétuo da ACLEB

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 


7 DE SETEMBRO 2022 — DUZENTOS

       ANOS DE PATRIOTISMO

 

 

 

Não se trata de uma simples patriotada como designou a ala ideológica da esquerda, através de seus representantes.

A manifestação de 7 de setembro último demonstra de maneira inequívoca que somos um povo patriota. Prezamos sobretudo e sobre todos  nossa dignidade patriótica — e, a mil vozes,  o demonstramos  contra aqueles que se arvoram defender a democracia, quando, na realidade, o fazem para  suprimir as liberdades dos cidadãos.

A mega demonstração deste 7 de setembro não assume  espécie de grande comício eleitoral pró-Presidente da República, como  designa os menos avisados. Vai muito além — significou a afirmação inconteste de que o povo brasileiro exorta, mais uma vez, seu patriotismo.

Essa monumental aglomeração de pessoas, em todos os recantos do País, não se manifestou  apenas para eleger um candidato à presidência da República. O brasileiro, o povo brasileiro neste memorável 7 de Setembro proclamou de forma inconteste que não somos uma simples algaravia populacional inútil — ao contrário, somos um povo que ama sua liberdade,  que exulta os seus direitos de forma pacífica, mas inconteste, sob os mais lídimos signos  da autêntica Democracia.

Esse oceano de manifestantes, neste memorável dia, anseia a favor dos valores cristãos, implícitos nos desígnios democráticos, encravados  em nossa historiografia, remanescentes em nossas origens, um povo solidário que prima pela ética, a estética sob a égide da sabedoria crística  e a harmonia social.

O que queremos — sob os arroubos do verdadeiro humanismo — é dignificar nossos mais lídimos valores, à conta dos vultos históricos que enriquecem nossa história.

Neste simbólico 7 de Setembro não nos apetecem as futricas políticas nem os ressentimentos dos aventureiros, com valores ínfimos e solerte imaginação — o que nós, o povo brasileiro festeja e faz jus em se manifestar, é a favor de nossa liberdade, afirmar que amamos nosso País — o Brasil Brasileiro.

Vale dizer — o Brasil a cujos auspícios se edificaram os maiores vultos de nossa História,  cujos atos e ações enriqueceram nossa memória, muitos deles à custa do próprio sangue derramado.

Esse o dia memorável em que o povo manifestou seu patriotismo pelos 200 anos de nossa Independência, não por mera ideologia político-partidária, mas, sim, como ritual de glorificação a nossos pósteros, aqueles que lutaram, deram seu sangue e destinaram seu saber e empenho ao ideal maior de independência contra os grilhões do colonizador.

Foram eles os protomártires da Independência José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes,  em Minas, a brava Maria Quitéria, os enforcados e esquartejados no Rio em 1817, Capitães Domingos Jorge Martins Pessoa e José de Barros Lima (o Leão Coroado),  os Padres Pedro de Sousa Tenório e Antônio Pereira Albuquerque,  Antônio Henrique Rabelo, Amaro Coutinho, José Xavier Carvalho, Inácio de Albuquerque Maranhão. Também em memória de Frei Caneca, mártir da insurreição pernambucana de 1817 em Recife, da Madre Joana Angélica de Jesus na Bahia, golpeada por tropas portuguesas ao proteger seu convento, que a Igreja considerou postulante à devoção dos altares. Conquanto já em 1640, Manuel Beckman em São Luís, fora enforcado por sua revolta contra a burguesia portuguesa.  

Não podemos deixar também de lembrar os grandes percussores do movimento abolicionista, José do Patrocínio, assim como as ações revolucionárias nos parlamentos de Joaquim Nabuco e do erudito Rui Barbosa.

É-nos lícito compreender que todos esses movimentos não teriam ocorridos não fossem os esforços e a visão progressista de um grande nome ainda no Império, José Bonifácio de Andrade e Silva. Também não podemos esquecer as ações e o proceder dos nossos imperadores, em prol de nosso País continental, como o fizeram D. Pedro I, que proclamou nossa Independência e seu sucessor D.Pedro II, este tendo governado o País até a Proclamação da República, com impecável dignidade.

Portanto, não reconhecer nas manifestações deste 7 de Setembro ato de legítimo patriotismo, é-nos lícito dizer tratar-se de especulação maldosa, insulto à própria democracia, portanto demérito à Pátria e ao povo que a representa. É inclusive denegrir, com palavras vãs, o sofrimento de nossos mártires que lavaram com sangue a liberdade de nossa Pátria.

 

Parodiando nosso antigo professor do famoso Liceu Maranhense, ao término de suas aulas, dizemos QUOD AD DEMONSTRANDUM — em vernáculo, como queríamos demonstrar.

CDL/Bsb, 8.09.22

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 

SÃO LUÍS — UMA VISÃO ATUAL

 


 

 

A vetusta cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão, tenta vestir-se de nova roupagem urbana. Na verdade, o que acabamos de assistir soa algo diferente. Visitamos a cidade agora mesmo em agosto deste ano. São Luís realmente mudou muito, nem sempre para melhor.

Não há negar, a cidade modernizou-se, graças às pontes que ligaram o conjunto arquitetônico histórico, que passa a ser a cidade velha, para o outro lado da ilha, os bairros de  Calhau,  São Francisco, a península,  hoje englobando a antiga Ponta d’Areia. Esta, por sinal, a parte de São Luís mais viralizada — ontem um logradouro quase desconhecido, verdadeiro pântano, com praias até ameaçadoras, como a de São Marcos.

Enquanto isso, a velha cidade supostamente fundada pelo francês Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière, desmorona-se, a nosso ver imposta pelo certificado de Patrimônio Histórico da Humanidade, que a estratificou no tempo.

Que não se negue à cidade seu valor como centro cultural e histórico — outrora badalada pela alcunha de Atenas Brasileira à custa da plêiade de escritores e eruditos que a consagravam. Não obstante, hoje São Luís parece um burgo em ruínas e o que nos causa mais espécie, sendo destruída aos olhos dos próprios habitantes, que assistem, impassíveis e até deleteriamente, os monumentos históricos, casarões e locais originais passadistas, ruírem dia a dia, à falta de reabilitação.

Basta-nos um passeio para reativar a memória e aquilatarmos a situação precária da cidade.

Eis-nos à Praça Deodoro, onde se encontra o ainda belo prédio estilo nouveau da Biblioteca Benedito Leite. Felizmente preservada, em meio à praça, hoje reconstruída em estilo moderno, apesar de desprovida do antigo arvoredo. Em frente, o famoso Panteão onde se abrigavam os bustos dos intelectuais maranhenses notáveis — por incrível que pareça apenas os suportes, desprovidos dos bustos dos escritores.

Em volta, o povaréu, transitando ao redor, a maioria, perambulando atoa. Aqui e ali uma aglomeração, principalmente à frente do Colégio Estadual do Maranhão, o antigo Liceu Maranhense — um absurdo porque oblitera a fachada do valoroso educandário.  Ao lado,  um conglomerado de barracas, à guisa de comércio — o camelódromo.

Atravessa-se a praça e alcança-se em frente a velha Rua do Sol, felizmente com seu nome original. Mas repleta de detritos, papeis e sujeira nas calçadas, cujos ínfimos tamanhos, faz com que o pobre turista a percorra com cuidado para não ser atropelado.

Mais adiante se acha o Museu Histórico e Artístico do Maranhão, outrora sofisticada residência da aristocracia maranhense. E adiante o belo edifício do Teatro Arthur Azevedo, felizmente intacto, após reformado.

Finalmente, depois de percorrer a estreita  rua, alcança-se a Praça João Lisboa, onde, sentado em sua cadeira erudita vê-se a estátua do grande  jornalista João Francisco Lisboa. A antiga praça foi reformada, mas despenaram-lhe do antigo arvoredo.

Sem fôlego, após atravessar a praça, já o sol a pino, o turista invisível e também inadvertido, desce a ladeira da rua de Nazaré, ao lado da Praça Benedito Leite — o grande feito é almoçar no restaurante do SENAC, enfim capaz de nos descontar dos desprazeres da travessia, graças aos acepipes da glamorosa cozinha maranhense que a casa nos oferece.

Refeito dos contratempo, o sol já brando com o cair da tarde, é dá-se uma chegada, ali perto no anfiteatro da arquitetura colonial, de que tanto se orgulha o povo ludovicense — o Projeto Reviver, onde ficava a antiga Praia Grande, o porto da cidade.

Enfim, neste nosso espécie de passeio memorial em que nos recordamos do tempo e dos momentos em que vivemos no passado na velha quadricentenária cidade, que dizem ter sido fundada pelos franceses, terminamos nosso dia com o espetáculo do por do sol no Café dos Poetas, ao lado da Prefeitura, em homenagem à literatura — com que se resgata o antigo pleito de São Luís como ATENAS BRASILEIRA, mesmo que não passe de um burgo apenas maranhense.

 

CDL/Bsb,01.09.22