segunda-feira, 8 de abril de 2024

 

EM TORNO DE UM BURRINHO E O MUNDO

 


 


 
           É verdade, mas parece um sonho. Ou um sonho com aparência de verdade. São seis horas da manhã e tenho a máquina de escrever Olivete 45 à minha frente. Está forrada com uma pedaço de espuma, para evitar o barulho das teclas. Os primeiros raio do sol projetam-se na pequena sacada do apartamento. As teclas batem e seu sou som se projeta abafado, mesmo com ruído. Sou eu mesmo que as faço bater? Ou sonho que elas estão teclando dentro de meu cérebro? Preciso conter o impulso e centrar-me no conteúdo de minha estória.

É a história de um burrinho que, maltratado pelo seu novo dono,  foge para conhecer uma vida melhor. Pensa em se dar bem, mas acaba maltratado, desta feita pela nova vida, cenário que nunca imaginara como burro. Sofre muito e passa por muitos atropelos, incompreendido, maltratado. Um burro inocente e trabalhador sofrendo amarguras ao longo de sua nova vida? O burro que carrega, nas costas, todas as mazelas do mundo?

Continuo batendo nas teclas, agora nem tanto surdas, mas preciso terminar a minha estória — ou meu sonho. Em Sagarana, de Guimarães Rosa, o burrinho sofre também agruras, mas não passa de um burro sofrido. Em outra estória, o burro é posto para carregar sacos de dinheiro, o dinheiro para comprar coisas, obter ganhos, fortunas, à custa de seu sacrifício diário.

Às vezes, a verdade tem muita coisa de sonho e o sonho tem muita coisa verídica. E muitas lucubrações surgem nesta pequena história. E isso tudo me dá tratos à bola.

Jesus Cristo não teria sido um burro sofrido inocentemente, carregou a cruz do pecado de todos nós e nos redimiu com isso nosso mundo. Terá mesmo redimido?

É a pergunta que não tem resposta. Ou terá?

Recolho minha velha Olivete 45 e trato de enfrentar a vida lá fora que  acontece, um mundo real de trabalho, suor e sangue. Quem vive sabe disso.

Termina minha estória — ou meu sonho.

 

CDL/Bsb, 8.04.24

 

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