O FIM DA INFÂNCIA — UTOPIA
OU MATERIALISMO CIENTÍFICO?
Dou-me tratos à bola ao resolver criticar o livro de Arthur C.Clarke, O Fim da Infância, considerado o tour-de-force dos romances do autor dentre o portfólio de dezenas de outros que escreveu, enquanto em vida.
O livro foi elogiado, inclusive pelo escritor cristão C.S.Lewis, que lhe fez loas por sua previsão de que o ser humano jamais devia trocar sua liberdade por favores de seres alienígenas.
O centro nevrálgico do livro de Clarke, a nosso ver, é a invasão da Terra por seres alienígenas que, de forma estupefaciente, se apoderam do mundo. Ao contrário do imaginável, os invasores não cometem nenhuma atrocidade, como previsível, ao contrário, tomam o poder de maneira silenciosa, inclusive sob regime democrático, a ponto de melhorar as condições do povo.
Em contraponto, o comando do mundo fica sob as ordens de um tal Overlords, ser na verdade invisível. Ele supervisiona tudo, mas sempre visando a melhorar as condições de vida das pessoas, das nações, com leis e normas que preveem o progresso, sobretudo o conhecimento científico. Entretanto, há fatos que são proibidos, fazer guerras ou criar algo que não seja aprovado por este Ser invisível. Em outras palavras, o povo, as pessoas, não passam doravante a serem uma espécie de escravos limpos, isto é, sem vontade própria, o que significa a despersonalização das pessoas.
Ora, o autor, apesar de toda sua qualificação até como especialista, pois cooperou na construção de artefato cosmológico, ao escrever esta novela O Fim da Infância, parece, a nosso ver, imitar outro fabulador notável Aldoux Huxley, com seu Admirável Mundo Novo e seu guardião geral o Big Brother, a comandar as pessoas e o mundo todo — este com mão de ferro e o Overlords, espécie de Bom Irmão. Ambos não passam de ditadores.
Clarke narra essa novela pouco a pouco com a desenvoltura de um , grande autor o que ele sem dúvida o é. Seu objetivo é tentar persuadir o leitor sobre o realismo de sua ficção científica. Não me parece o faça. Algumas ocasiões ele parece ignorar que escreve ficção científica e acaba narrando um romance ficcional, com certos efeitos novelísticos, basta verificar a quantidade de diálogos e descrições. Algo parecido com o estilo que usou em outro de seus livros — O Último Teorema, escrito em parceria com Frederik Pohl.
Entremos um pouco no enredo do livro. Para combater Overlords, o manda chuva e inimigo da humanidade, as pessoas insatisfeitas com a situação criam a Liga da Fraternidade (Freedom League), para combatê-lo e libertar o mundo de sua tirania. Na realidade, a Liga não consegue êxito, pois o povo se encontra feliz, pelo simples fato de a suposta tirania trazer paz e segurança ao mundo. Como manobra política e espécie de isca na trama, Karellen, representante de Overlords, resolve raptar Stormgren, o Secretário Geral das Nações Unidas, para conter qualquer reação da parte da Liga.
Acontece que essa novela de Clarke foi escrita justamente à época da Guerra Fria, causada pelo estremecimento entre os Estados Unidos e a Rússia Soviética, com consequências graves para todo o mundo, por medo de que as duas potenciais armadas se lançassem numa guerra suicida, para ambas as nações e o mundo.
O que nos assusta nesta novela dos idos de 1950 é que sua temática tenha atraído a atenção de muitos escritores, inclusive C.S.Lewis, que defendia o cristianismo, ele recém-aderente à igreja anglicana. Ora, na realidade Arthur C. Clarke não parece nada interessado no cristianismo, ele próprio assume ideias budistas, basta atentarmos para muitos dos entrechos e especulações extraídas de sua novela — não só nesse livro, mas quase todos os publicados, inclusive a série Rama, de muito sucesso.
Salvo engano, em O Fim da Infância o autor em nenhum momento sugere que os terrestres, sob a tirania dos invasores alienígenas, mesmo sem usarem a força, digamos que pacíficos, a troquem por um regime de orientação crística, cristã ou evangélica — tanto que os humanos estão satisfeitos com o regime imposto pelos invasores. Penso justamento o contrário, os supostos escravizados querem é aprender cada vez mais com os invasores, desfrutarem de mais conhecimentos científicos, serem iguais a eles, nada de religião, que significa, isto sim, atraso, ignorância, até insinuam a fazerem guerras.
Aliás, para sermos fiéis, o mundo, nossa civilização atual, tudo faz crer caminhar para um futuro, onde prevalecerá o cientificismo, haja vista o desenvolvimento inaudito da IA, com a proliferação de robôs, ditos humanoides e outros artefatos modernos de tirar o fôlego, holografia, teletransporte, viagens espaciais, guerras intergalácticas e que tais, itens já explorados no cinema, mídia, literatura e afins.
E o que não vemos, nem nos aponta o futuro, é nos tornamos uma civilização solidária, onde prevaleça a paz total, as pessoas alcancem nível superior em transcendência, acreditem mais no Criador Supremo e ascendam espiritualmente em sabedoria, amor e harmonia.
Bsb, 31.05.24
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