LEIBNIZ E SUA ODISSEA DIVINA
Murilo Moreira Veras
Nossa civilização, dita avançada, hoje sob a batuta dos cientistas e difundida a quatro ventos pelas mídias, tenta por todos os meios, atos e fatos nos fazer crer que a fé está ultrapassada e que agora o que prevalece é o raciocínio humano. Aliás, G.K. Chesterton, no século passado já nos advertia sobre isso em seu livro O Que há de errado com o Mundo, mostrando como ideias modernas têm transtornado nossa civilização.
O fato não deve nos estranhar, pois, muito antes, no século XVI, Gottfried Wilhelm Leibniz já tratava sobre esse assunto nos seus escritos, recolhidos em seu fantástico livro Ensaios de Teodiceia, no qual, através de assertivas e argumentos contundentes, conclui que a razão alimentada pela ciência não contradiz a fé. A religião, enraizada na fé verdadeira, não invalida nem se sobrepõe aos cânones científicos.
Polímata que foi como filósofo, jurista, matemático, cientista, físico e engenheiro, Leibniz se notabilizou por gerar conceitos, além de ter se tornado um dos maiores defensores da existência do Criador, já aquela época, quando os enciclopedistas iluministas ousavam desmoralizar a fé religiosa, com seus alvedrios estapafúrdios em favor da ciência que haveria de dominar o mundo e livrar o ser humano da ignorância e do atraso. Foi o que fizeram Diderot, Rousseau, Voltaire, D’Alembert, Condillac, Louis de Jaucourt, Descartes e outros supostos baluartes do cientificismo ascendente, considerados os corifeus da modernidade.
Em seus ensaios de Teodiceia, Leibniz comprova, com absoluta sensatez de raciocínio e logicidade, que o Criador não só não joga dados, mas faz muito além da perspectiva eisensteiniana — criou todas as configurações notáveis do universo de tal forma a condizerem com o surgimento do ser humano na Terra, fato, aliás, que se manifesta traduzido no que chamamos hoje princípio antrópico, segundo o qual o universo favorece a existência do ser humano na Terra, ao propiciar-lhe todas as propriedades e requisitos necessários à sua existência. Ora, quem propiciou tai requisitos senão o próprio Criador?
Em certo excerto de sua Teodiceia — termo inclusive criado pelo próprio Leibniz – ele afirma: Até que ponto a fé e a razão estão em conformidade e até que ponto a sabedoria mundana pode ser empregada na doutrina divina? Pressuponho que duas verdades não podem se contradizer e que o que é relativo à fé consiste na verdade que Deus revelou de maneira extraordinária; mas a razão não é senão uma cadeia ou conexão de verdade, particularmente aquelas (quando se deixa a fé de lado) que o entendimento alcança com as suas próprias forças, sem o auxílio da revelação.
Tirante alguns cientistas hoje que ainda são criacionista, como Michail J. Behe, bioquímico católico, autor de A Caixa Preta de Darwin, a maioria são pragmáticos, acham que a razão, o conhecimento adquirido pelo ser humano se sobrepõe à fé e, portanto, a religião está ultrapassada. Observe-se que o próprio Einstein, ao contrário do que muita gente desavisada pensa, nunca disse que era ateu, mas, sim, acreditava nos postulados de Espinosa, isto é, que Deus era a natureza. Outro exemplo, é o caso do entólogo britânico, evolucionista contrito, que até pouco tempo se batia contra a religião, pois acaba de anunciar na rádio britânica LBC em abril que ele se sente culturalmente cristão.
É de vê-se, assim, que Leibniz e suas arguições continuam em vigor, com seu raciocínio brilhante, com que não só prova a existência de Deus, Criador do universo, mas adota posição das mais instigantes — de que, segundo suas próprias palavras:
Deus escolheu o melhor de todos os universos possíveis
Dessa forma, se o menor mal que acontece no mundo não tivesse lugar, não seria mais este mundo, o qual tudo contado e calculado foi considerado.
Não há, pois, como negar, com base em argumentos fortalecidos por esse extraordinário polímata da idade média, que foi Leibniz, que nós outros, embora por vezes incautos e vacilantes na pouca fé que ainda alimentamos, vivemos no mais possível dos mundos, aquele escolhido pelo Criador cuja inefabilidade se encontra além de nossa pobre capacidade por mais inteligente e maravilhosa que seja.
Bsb, 10.07.24
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