A GRAVIDADE E A GRAÇA
EM TEMPOS QUARESMAIS
Nestes
tempos de quaresma, de eflúvios espirituais, nada melhor do que procurar a
reflexão e a oração, haja vista os tempos atuais, repletos de
atos e ocorrências absurdas. Para não nos deixar imbuir de tanto desespero, é justo
nos valer das palavras da monja francesa que nos deixou essa frase — “a alma que se
eleva, eleva o mundo.”
Falemos
sobre dois temas, por sinal objeto do livro de Simone Weil (1909-1943) — A
Gravidade e a Graça. Poucas pessoas sabem que Simone foi uma filósofa, de
família judaica, que, depois de experimentar situações extremas, como trabalhar
numa fábrica de automóveis na França, para aquilatar o sofrimento das operárias
e participar da Revolução Espanhola contra os regimes tirânicos em voga, ao
lado de supostos patriotas, pois ela abandona tudo para se converter à Igreja
Católica. Os temas de seu livro são a Gravidade
e a Graça. Na realidade ela nunca se
tornou verdadeiramente católica, por causa de suas críticas aos dogmas da Igreja.
Não
pretendemos discutir as ideias de Simone Weil sobre a temática de seu livro — suas ideias são muito metafísicas e,
por vezes, até se chocam com a teologia da Igreja, daí não ter se convertido
realmente.
Nossas
ideias diferem um pouco das de Simone sobre a Gravidade e a Graça. Especulo
sobre esses tão delicados temas através dos ensinamentos do Mestre.
Teologicamente,
a graça nos foi dada pelo próprio Criador, eis que criou o ser humano à Sua
imagem e semelhança. Nós recebemos esse dom, para superar o acometimento do
pecado, pois, embora criado por Deus, o ser humano tem o direito de escolher
entre o Bem e o Mal. O mesmo criador que nos deu vida, deu-nos a liberdade de
escolher para que lado pender, através do livre
arbítrio. Mas, é através da graça que fazemos jus à salvação.
Segundo
esse preceito, todo ser humano já estaria salvo, pois já consagrado com o dom
da graça.
Por
outro lado, o gravidade nos pesa a consciência, enquanto a graça, depurada na
fé, nos alivia nas dificuldades
ao sermos acometidos pelo peso da
gravidade do pecado. A graça é o veio
pelo qual faremos jus à salvação.
Segundo
esse preceito, seria de pensar que o ser humano já estaria salvo, uma vez que
nascido com o dom da graça — não fosse a problemática do livre arbítrio.
É a
gravidade que nos pesa a consciência, enquanto a graça nos depura através da
fé, evitando o peso do gravame devido a fragilidade de nosso ser-entre-ser.
A
graça nos dá sentido, enquanto a
esperança é a transfiguração
do ser no mundo, que se ressente na vacuidade do estar-no-mundo, sem
dele estar no mundo — na teologia da fé católica.
O
sentido de eternidade está transcrito em nosso ser, o desgaste a nos impedir a cristalização do eu-sendo-ser.
A
graça torna-se a transposição do ser-algures
na fenomenologia axiológica — a graça é que nos desliga da matéria enraizada
pela gravidade no peso do existir.
Se a
matéria já nos pesa como gravame da existência, é a graça, por sua
interveniência, que o ser humano se depura e cresce, exemplificando a máxima de
“a alma que
se eleva, eleva o mundo”.
O
Criador, na sua superveniência criadora, nunca se desvincula de sua criatura,
cujos enlaces originais jamais se desfazem, assim como a areia não se desmancha
pela avalanche do mar.
A
graça é a presença incólume, mesmo que furtiva às vezes, da criação divina — o
segredo celular que se interioriza no nosso ser, como síntese hipostática entre
o superior e o inferior na nossa virtualidade material.
Se
pedires, ser-te-á dado, o dom da graça a fertilizar a esterilidade
da matéria, com a sutileza da esperança, o ardil mais perfeito em nossa
existência.
Enquanto
a matrix se alinhar ao personalismo orgânico do livre-arbírio como complexo de discórdia, a graça recolherá seu voo de águia em face do ardor
adâmico da gravidade.
A
graça em seu voo de água nos poupará da servilismo terreno, a nos desprendermos do fóssil em
direção à luz do devenir de si, para o
devenir do mais além.
O
crescer espiritual do ser-em-si
ocorre quando o fluxo da graça nos transpor a barreira do existencialismo sem o
rútilo da aurora e, assim, nos elevar à superioridade edênica. A graça
nos é haurida não pela dor sofrida, mas através do fruto do amor que
nutre a alma.
Em
seus ardores de aflição e desespero, a dor do mundo, à falta de amortização é
que faz desse nosso orbe espécie de palco de vilania e turbulência.
A
graça alivia a humanidade que pode estar atrelada à escuridão e ao desamor. É
por isso que o Mestre ressuscitou da caverna da morte, elevou-se às nuvens,
como suma santidade, elevando consigo também seus obreiros terrestres, através
da graça santificante.
Se
nos livrarmos dos grilhões da matéria, ousamos despertar para a imanência da
luz. Uma vez despertos às pegadas da luz, a noite far-se-á dia ao visualizarmos a esperança.
É
essa a luz transcendente da graça que propiciará a prometida “vida em abundância”.
Haja
luz, haja graça, haja vida, nesse manancial de sombras de medo a sobrepairarem
nossas vidas.
Que a
graça repouse em nossos corações e nos mostre sempre o alívio da esperança, na
felicidade e no infortúnio.
Bsb,
7.03.25
‘
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