sábado, 8 de março de 2025

                    A GRAVIDADE E A GRAÇA

EM TEMPOS QUARESMAIS

 




Nestes tempos de quaresma, de eflúvios espirituais, nada melhor do que procurar a reflexão e a oração, haja vista os tempos  atuais,   repletos  de  atos e ocorrências absurdas. Para não nos deixar imbuir de tanto  desespero,  é  justo nos valer das palavras da monja francesa que nos deixou essa frase — a alma que se eleva, eleva o mundo.

Falemos sobre dois temas, por sinal objeto do livro de Simone Weil (1909-1943) — A Gravidade e a Graça. Poucas pessoas sabem que Simone foi uma filósofa, de família judaica, que, depois de experimentar situações extremas, como trabalhar numa fábrica de automóveis na França, para aquilatar o sofrimento das operárias e participar da Revolução Espanhola contra os regimes tirânicos em voga, ao lado de supostos patriotas, pois ela abandona tudo para se converter à Igreja Católica. Os temas de seu livro são a Gravidade e a Graça. Na realidade ela nunca se tornou verdadeiramente católica, por causa de suas críticas aos dogmas da Igreja.

Não pretendemos discutir as ideias de Simone Weil sobre a temática de seu  livro — suas ideias são muito metafísicas e, por vezes, até se chocam com a teologia da Igreja, daí não ter se convertido realmente.

Nossas ideias diferem um pouco das de Simone sobre a Gravidade e a Graça. Especulo sobre esses tão delicados temas através dos ensinamentos do Mestre.

Teologicamente, a graça nos foi dada pelo próprio Criador, eis que criou o ser humano à Sua imagem e semelhança. Nós recebemos esse dom, para superar o acometimento do pecado, pois, embora criado por Deus, o ser humano tem o direito de escolher entre o Bem e o Mal. O mesmo criador que nos deu vida, deu-nos a liberdade de escolher para que lado pender, através do livre arbítrio. Mas, é através da graça que fazemos jus à salvação.

Segundo esse preceito, todo ser humano já estaria salvo, pois já consagrado com o dom da graça.

Por outro lado, o gravidade nos pesa a consciência, enquanto a graça, depurada na fé, nos alivia nas   dificuldades   ao sermos acometidos pelo peso da gravidade do  pecado. A graça é o veio pelo qual faremos jus à salvação.

Segundo esse preceito, seria de pensar que o ser humano já estaria salvo, uma vez que nascido com o dom da graça — não fosse a problemática do livre arbítrio.

É a gravidade que nos pesa a consciência, enquanto a graça nos depura através da fé, evitando o peso do gravame devido a fragilidade de nosso ser-entre-ser.

A graça nos dá sentido, enquanto a   esperança é   a  transfiguração  do ser no mundo, que se ressente na vacuidade do estar-no-mundo, sem dele estar no mundo — na teologia da fé católica.

O sentido de eternidade está transcrito em nosso ser,  o desgaste a nos impedir a cristalização do eu-sendo-ser.

A graça torna-se a transposição do ser-algures na fenomenologia axiológica — a graça é que nos desliga da matéria enraizada pela gravidade no peso do existir.

Se a matéria já nos pesa como gravame da existência, é a graça, por sua interveniência, que o ser humano se depura e cresce, exemplificando a máxima de “a alma que se eleva, eleva o mundo”.

  O Criador, na sua superveniência criadora, nunca se desvincula de sua criatura, cujos enlaces originais jamais se desfazem, assim como a areia não se desmancha pela avalanche do mar.

A graça é a presença incólume, mesmo que furtiva às vezes, da criação divina — o segredo celular que se interioriza no nosso ser, como síntese hipostática entre o superior e o inferior na nossa virtualidade material.

Se pedires, ser-te-á dado, o dom da graça a fertilizar a  esterilidade  da matéria, com a sutileza da esperança, o ardil mais perfeito em nossa existência.

Enquanto a matrix se alinhar ao personalismo orgânico do livre-arbírio como complexo de discórdia, a graça   recolherá seu voo de águia em face do ardor adâmico da gravidade.

A graça em seu voo de água nos poupará da   servilismo    terreno, a nos desprendermos do fóssil em direção à luz do  devenir de si, para o devenir do mais além.

O crescer espiritual do ser-em-si ocorre quando o fluxo da graça nos transpor a barreira do existencialismo sem o rútilo da aurora e,   assim,   nos elevar à superioridade edênica. A graça nos é haurida não  pela  dor sofrida, mas através do fruto do amor que nutre a alma.

Em seus ardores de aflição e desespero, a dor do mundo, à falta de amortização é que faz desse nosso orbe espécie de palco de vilania e turbulência.

A graça alivia a humanidade que pode estar atrelada à escuridão e ao desamor. É por isso que o Mestre ressuscitou da caverna da morte, elevou-se às nuvens, como suma santidade, elevando consigo também seus obreiros terrestres, através da graça santificante.

Se nos livrarmos dos grilhões da matéria, ousamos despertar para a imanência da luz. Uma vez despertos às pegadas da luz, a noite far-se-á dia ao         visualizarmos a esperança.

É essa a luz transcendente da graça que propiciará a prometida “vida em abundância”.

Haja luz, haja graça, haja vida, nesse manancial de sombras de medo a sobrepairarem nossas vidas.

Que a graça repouse em nossos corações e nos mostre sempre o alívio da esperança, na felicidade e no infortúnio.

                                                            Bsb, 7.03.25

 

 

 

 

 

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