quinta-feira, 17 de março de 2022

 

A CIDADE DO SOL 

– UMA ESCRITA TERRORISTA

 

 


 

                                           Murilo Moreira Veras

 

O livro em nosso encontro hoje, 22.03.22, é A Cidade do Sol do escritor afegão Khaled Hosseini, autor também de O Caçador de Pipa, este best-seller de venda.

1.   Prólogo

 

Não li o livro anterior do autor, mas fui informado que era muito bom, embora a narrativa fosse triste. O presente não fica por menos. Não se trata de best-seller, estigma que, como apreciador de livros, acredito desvalorizar o mérito de uma obra, inobstante sua grande vendagem. Estranhável é seu título, inapropriado, substituído por A Cidade do Sol, acredito que modificado pelos editores, por ser mais palatável. Terá sido esse título dado para confundir com a obra medieva Cidade do Sol de Camponella? O título original em inglês é A Thousand Splendid Suns (Mil Esplêndidos Sois). De qualquer modo, fica o meu registro.

 

2.    Enredo

 

O autor escreve como historiador de seu País, o Afeganistão, tal a minudência de suas descrições, nomes de cidades, locais e nomes de pessoas. Como sabemos, esse País foi atravessado por inúmeras tragédias, a história de seu provo sofrendo grandes atrocidades. Foi lá que se escondeu Bin Laden o mentor da tragédia dos bombardeios que demoliram as Torres Gêmeas de Nova York, causando verdadeira hecatombe nos Estados Unidos.

Desenrola-se, assim, uma história muito triste — a vida de duas mulheres Mairam e Laila. A vida das duas se entrelaçam, o infortúnio de uma continuando no da outra, as duas cumprindo o mesmo destino, o de terem se casado obrigatoriamente com o mesmo homem — Rashid, indivíduo de caráter irascível, ligado ao tradicionalismo da cultura mulçumana. Sem falar que há uma diferença de idade muito grande entre as desafortunadas moças, Rashid com mais de 40 anos e elas ambas de 15 e 16 anos, praticamente adolescentes. Aliás, tais casamentos são permitidos na cultura oriental, desde priscas eras.

Preparem os lenços e segurem as lágrimas que a narrativa do autor é de cortar o coração. Parece que o sr. Husseini é uma espécie de Stephen King afegão. O autor usa a técnica do corte temporal, a passagem do tempo, como nos seriados, alternando a cronologia da história.

Primeiro é o drama de Mairam, filha de Nana e resultante de relação espúria com Jahl, que é casado com duas mulheres. Desprezada pela família principal, mãe e filha moram num subúrbio de Cabul, o pai homem de posses, inclusive dono de um cinema. Mairam adora o pai, mas ela não pode vê-lo todo dia. Ela quer estudar, mas não tem como, Jahl até que gosta da menina, apenas lhe traz alguns presentes. Mairam se desentende com a mãe, que diz que ela não tem futuro, que tem de se conformar. Por sua vez Nana, sua mãe, sofre de epilepsia, vive tomando remédios fortes, torna-se uma mulher desesperada. A filha, não suportando mais a situação, foge de casa, vai procurar a casa do pai, onde não é bem recebida, ele com filhos e filhas para educar. Ocorre o sinistro: Nana, a mãe, à falta da filha, se enforca. Enfim só há uma solução para a menina de 15 anos: se casar. E assim que, contra sua vontade, o pai a dá em casamento ao sapateiro Rashid, de mais de 40 anos, viúvo, mas com profissão e casa própria. No princípio, tudo parece bem, a menina sujeita ao sapateiro. Mas logo começam as brigas, Rashid insatisfeito com as tarefas dela, até quando começa a castigá-la com seu cinto, trancafiar a menina, principalmente quando grávida, em vez de menino, como ele queria, dá luz a uma menina, que morre ao nascer. É uma tragédia em cima da outra. E a este cenário familiar trágico se sobrepõe a guerra pela ocupação do Afeganistão, ora de comunistas, ora dos americanos e dos supostos nacionalistas — até a implantação no País do terrível regime dos talibãs.

Anos depois, outro drama. Desta vez é também de uma menina de 15 a 16 anos, Laila, bonita, saudável, inteligente. No meio de um conflito, no dia em ela e os pais iam se mudar da cidade, eis que uma bomba atinge sua casa e seus pais morrem estupidamente, apenas ela se salva. Mais uma vez os fios do destinam se deslindam e Laila é salva dentre os escombros nada menos que pelo sapateiro Rashid, que morava ali perto. Desamparada e com ferimentos leves, Rashid leva-a para sua casa, onde é tratada por Mairam, como se fosse sua filha. Passam-se algum tempo, Laila já recuperada ajuda Mairam nas tarefas de casa, às vezes chegam a se desentenderem. E vem mais tragédia. Rashid começa a se desgostar da situação, porque Laila está grávida de seu primeiro namorado, Tarik, que, por sinal, perdeu uma perna numa escaramuça anterior. Rashid se melindra com que os outros vão falar, ele não pode ficar sustentando mais uma mulher em casa, além disso grávida. Então ele sugere e põe em prática um plano: casar-se com Laila. Aliás boa solução, pois ele já vivia às turras com Mairam. Mesmo contra vontade, Laila aceita o nefando ato. Laila tem uma filha: Aziza. Rashid fica de novo irascível, sabe que não é dele, mas do antigo namorado de Laila, Tarik. Começa a maltratar também a segunda mulher. Vem outro filho: Zalmai, que ele passa a adorar, esquecendo a filha.

A história vai crescendo em ritmo alucinante, seja pelos horrores praticados pelos talibãs, seja na família de Rashid, suas duas esposas e filhos. Rashid cada vez mais intolerante, açoita as duas, só tem olhos para o menino. Agora sabe que Tarik, o primeiro namorado de Laila, está vivo, os dois estão se encontrando. Então, dá-se um gran finale — que não poderia ser senão o de um fim hediondo, lancinante, como o é toda esta história. Rashid num ataque de furor, quer esganar Laila, esta sem defesa, luta para sobreviver, então Mairam pega um ancinho e com toda a sua força o abate, duas vezes, matando o agressor. O resto é o imaginável como o fim dessa trágica história — Mairam é presa pelos talibãs e degolada em praça pública. Por fim, algumas páginas adiante para conter a tensão, o autor alivia o pobre leitor com alguns momentos de trêfega felicidade entre mortos e feridos.

 

3.    Alguma Crítica

 

A meu ver, o livro sr. Khaled não é um best-seller, porque sua escritura é realmente literária, escorreita, evidenciada na tradução primorosa de Maria Helena Rouanet. Vê-se-lhe bem urdida a trama, as descrições detalhistas, os personagens ao todo são redondos, plausíveis e bem estruturados na argamassa do romance. Poderíamos classificar a escritura do autor como enquadrada no veracismo, ou seja, espécie de ultrarrealismo, quase próximo ao terrorífico, digamos de Stephen King. É o estilo, por exemplo, do escritor brasileiro Rubem Fonseca e José Louzeiro, nos quais, torcendo-se as letras, elas respingam nada menos que sangue.

                                                         Bsb, 17.03.22

  

 

 

segunda-feira, 7 de março de 2022

 

 

 

O BANQUETE DE PLATÃO

— A ESCADA DO AMOR

 

 


 

 

Nada mais justo que celebremos o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, relembrando nada menos que o Banquete de Platão. Essa peça do famoso filósofo grego é considerada, dentre as muitas que escreveu, das mais brilhantes.

Como sabemos, desde nosso ginásio em diante, Platão, cujo verdadeiro nome era Aristocles, viveu e morreu antes de  era cristã (Atenas 428-348 a.C), foi um filósofo grego notável, com a definição de ter plasmado toda a civilização ocidental.

Sua vasta obra ele a compôs em diálogos, os celebrados diálogos de Platão. Pois destacamos, hoje, como nossa homenagem ao Dia da Mulher, o Banquete, no qual, cerca de dez convivas para um jantar oferecido pelo poeta Agatão, discursam sobre tema específico — o Amor, o deus Eros.

O notável nesse Banquete é que um dos convidados é nada menos que uma mulher, de nome Diotima, originária de Mantineia, sacerdotisa, filósofa e cortezã. Esse feito é bastante singular, pois à época entre os gregos e toda a civilização grega, prevalecia a misoginia, mulheres não era permitido frequentar banquetes masculinos  — haja vista sua proibição nos jogos olímpicos.

Diotima teria sido convidada especial de Sócrates, o homenageado no ágape. O Banquete foi escrito em 380 a.C, aliás um eufemismo, pois, em grego seria Simpósio (Tò Sumposion). O objetivo era venerar o Amor. Daí certamente a razão de Sócrates tê-la convidado para o encontro, também pelo fato de ela, Diotima, ser filósofa.

Nesse ágape, de encenação simbólica por suas ilações filosóficas e culturais, interessa-nos apenas destacar a atuação de Diotima, o leitor inteligente e ávido de maiores encômios sobre o tema que recorra aos alfarrábios — como diria um antigo mestre em tempos passados. No momento, ficamos com a sacerdotisa, filósofa e, por incrível que pareça, cortezã.

Diotima se destaca em todo o palavrório dos convidados, sobretudo por suas ideias, não só expondo concepções filosóficas, como conhecimento sobre o imaginário do Amor. Ela chega a discordar do próprio Sócrates e faz uma genealogia do Amor, o deus Eros, que seria filho de recurso (poros) e pobreza (penia). Ele, o Amor, leva a pessoa a buscar a Beleza, primeiro a terrena ou dos corpos bonitos, para despois crescer em sabedoria, percorrendo, assim, a Escada do Amor. O amante cresce em sabedoria, em beleza espiritual ou das almas  bonitas, segundo Platão. Daí direcionaria sua mente para a filosofia.

Só para termos uma ideia do pensamento superior dessa suposta cortezâ, eis sua fala dirigida a Sócrates:

 

“... dirijo meu olha a partir de agora para a beleza como um todo, o      amante deve se voltar para a beleza, para o grande oceano da beleza e, ao contemplá-la, deve dar origem a muitos discursos e belos e magníficos pensamentos na abundância da filosofia.”

 

Nada nos parece mais justo do que, portanto, relembrarmos esse retalho reminiscente de uma mulher filósofa, Diotima, como a epígrafe mais honrosa neste maravilhoso dia em que a figura edênica da Mulher deve ser preciosa a todo coração humano.

CDL/Bsb, 7.03.22 

 

terça-feira, 1 de março de 2022

 

AS SETE TROMBETAS DO APOCALIPSE

 


 

 

 

Eis que, nesses últimos dias de fevereiro dos tempos de pandemia, mísseis de fogo como relâmpagos cruzam os céus e se abatem sobre a terra. É lá nos contrafortes da Europa — Ucrânia.

O mundo acorda espavorido, inconcebível que o céu daquelas terras, para nós longínquas se rachassem em abismos de fogo.

É a guerra que se abate sobre as cidades. E logo a mídia encantatória, fonte de incertezas e infelicidades, logo se apodera apregoando assombros e calamidades, entre mortos e feridos. Como soe acontecer nos campos de batalhas.

Parece mentira, minha gente desse nosso ocioso torrão, mas é a guerra que começa, mais uma vez, a se abater sobre esse nosso velho mundo.

E quem diria, quem está por detrás desse tenebroso cenário é nada mais que o poderoso Presidente Perpétuo da Rússia, há 28 anos encarapitado no poder, que resolveu atacar de madrugada a Ucrânia, antiga província da fabulosa União das Repúblicas Soviéticas, com suas garras de ferro.

E todos estamos atônitos com os estertores, bolas de fogo, ranger de tanques, bólidos cruzando o céu noturno, cidades bombardeadas, mísseis incandescentes, figuras humanas apavoradas, gritos e choros na escuridão de quando em quando aberta em lapsos de chamas. Enquanto isso, filas de monstruosos tanques de guerra se arrastam como gafanhotos de ferro rasgando caminhos em direção às cidades, alastrando o terror sobre o pacífico povo ucraniano.

O que está acontecendo com o mundo, perguntamos nós, encastelados no nosso continente, longe desse inferno, mas aterrados, índios nativos em face do ataque dos noveis descobridores, movidos não mais em caravelas de antanho, mas de armas terríveis, mísseis ultrassônicos, pássaros de ferro rasgando o céu com línguas de fogo...

Então nos ocorre consultar o que está escrito nos Evangelhos, o livro do Apocalipse — aquela visão estupefaciente vislumbrada pelo apóstolo João, a revelação dos Últimos Tempos (Jo.16). Será o prenúncio do despertar das excepcionais Sete Trombetas cujo som, ressoando pelos Sete Anjos,  dará início às terríveis pragas que serão derramadas no mundo?

É o Amargedom que agora acontece?

Nós, pobres mortais, mas sempre ávidos de acontecênssias, desde as mais priscas eras, da era adâmica às fantásticas revelações mágicas da Matrix, nada nos surpreende, tantas são as sandices praticadas por nossos coestaduanos terráqueos. Já vimos esse filme durante os enlaces terríficos da Segunda Guerra Mundial. Um ditador querendo se apoderar do mundo, a instalação do 3º Reich, a partir da Germânia, a impor o império da super raça ariana sobre a terra.

E agora, José? Dirá o drummondiano poeta enlevado pela ala esquerda do Anjo. Agora José, é esperar a resposta da outra ala de Anjos, aqueles mesmos que irão tocar as terríveis Sete Trombetas, quem tiver ouvidos que ouça — e nós, ici bas, como dizem os franceses, que nos preparemos.

Como? Vigiando e orando — pois ao que tudo indica, tudo já está feito, Maktub, dirá o averroismo atual.   

Bsb. 1.03.22