terça-feira, 9 de janeiro de 2024

 

          RETROSPECTIVA DE 2.023

          O QUE RESTOU E SOBROU

 

 


 

Inspiram-nos ainda o velho Machado, para informar o que ficou e faltou nesse já passado 2023. Politicamente um desastre, isto todos nós já sabemos. Ignoremos o desastre, agora é tentar ultrapassá-lo e continuar o caminho que nos resta.

Mas há coisas que não podemos ignorar. É o grau de desenvolvimento do nosso povo, pelo menos em termos de cultura e especificamente a falta de leitura do brasileiro. É de dar pena, quando comparamos com o passado, os grandes vultos da literatura brasileira, inclusive o de Machado de Assis — um homem filho de uma lavadeira e de um pintor de parede, negro, pobre, epilético, sem ter frequentado qualquer curso superior, alçar-se na sociedade como talvez o maior escritor brasileiro, capaz de igualar-se a escritores mundiais célebres, Shakespeare, Cervantes, Hugo, Dante, Goethe, Dickens, Camilo Castelo Branco.

Em contrapartida, 2023 acaba de nos premiar como o país que alcançou o mais baixo grau em leitura,  conforme pesquisa mundial do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) — não há como não nos envergonhar. O que fica claro que nosso povo não lê e quem não lê não tem desenvoltura intelectual, o cérebro travado e outros quiproquós indispensáveis ao enriquecimento do saber. Não seria prova desse estado político calamitoso atual? O brasileiro, pelo menos é deduzível, realmente não sabe exercer suas funções democráticas, o que diz de sua falta de entendimento intelectual, ou seja, não lê — e pior, se deixa levar por uma mídia insidiosamente maligna.

Novamente recorremos ao nosso Machado. Ele, em sendo um grande escritor, nos deixou esse grande legado — os seus livros, romances, crônicas, peças teatrais e contos. Seu acervo nos ameniza o prejuízo que o Brasil teve, melhor, tem tido. Dizem os críticos, quase sempre, os invejosos, que o Bruxo do Cosme Velho  foi um grande pessimista. Pode até ter sido, em razão de suas raízes familiares, mas pelo sim ou pelo não, sua belíssima escritura alcançou o máxima em criatividade, senso crítico, verdadeiro espelho de um passado ainda recente — o que glorifica essa nossa sofrida Pátria de Pedro II e Afonso Celso, este que a glorificou por suas riquezas e belezas naturais. Ao contrário, hoje, a Pátria está sendo crucificada pelos seus próprios filhos, com exceções, felizmente.

Talvez tenha sido este o maior ganho que nós, em meio a tantos desacertos, ousamos obter, espécie de  migalhas de esperança que o ano de 2.023 nos legou.

 

 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

 

               Á  GUISA DOS RESSAIBOS

 


                                          

 Ainda a propósitos dos ressaibos, aconselhamos, por exemplo, ler as crônicas de Machado de Assis, o livro Bons Dias!, publicado  por John Gledson, um dos maiores estudiosos do escritor carioca, por incrível que pareça americano.

Essas crônicas foram editadas no antigo jornal carioca Gazeta de Notícias,  entre 5 de abril de 1858 e 29 de agosto de 1889 — ao todo cerca de 500 crônicas.

São páginas interessantes, por onde se pode aferir o ativismo social e político de Machado — o Bruxo de Cosme Velho  — seu senso crítico, em linguagem acessível, embora sem deixar de transparecer os chistes, quiçá até galhofeiro.

O gênero crônica sempre foi muito utilizado no jornalismo brasileiro, dir-se-á que Machado elevou-o ao máximo à época. Não só Machado, mas Lima Barreto. Modernamente temos nomes de primeira grandeza nas letras, também cronistas notáveis, Cecília Meireles, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes. Em São Luis-Ma, por exemplo, pelos idos de 50, Lago Burnett produziu crônicas notáveis.

É claro, cada qual primava por seu estilo, desde o humor negro de Nelson Rodrigues, o romanesco de Rubem Braga e inspirado modo de escrever de Paulo Mendes Campos, assim como o intimismo de Clarice Lispector, ou, senão o maneirismo modernista de Carlos Drummond de Andrade.

Mas, em nossa ótica, nada se compara ao prosaísmo de Machado, suas chistes, comparações, a sutileza das palavras, sem cair no ridículo, ou  trair o estilo clássico e o que seria mais  deglutível ao paladar do senso comum.

Inigualável a pena de Machado, donde até hoje é sempre de bom alvitre tê-lo como modelo de escritura, não obstante difícil de imitá-lo — sua verve extravasa o trivial.

Pois bem, nossos ressaibos teriam sido tentativa, em vão, de imitar o velho Machado, seus arroubos, a maneira escorreita de escrever, impossível igualá-lo — não há como plagiar o Mestre.

Seria ridículo querermos escrever, hoje, como escrevia Machado. De uma coisa é certo, muitos desses nossos novéis escritores, pleno de badulaques literários, esse que a crítica apelida de estilo moderno, seus autores que abusam de neologismos, até ridículos — por sinal verificáveis na Internet  — seria de bom tom alertá-los:

Leiam Machado, não só os contos e os romances — mas também as crônicas, se quiserem ser bons escritores. E digo mais: não se deixem ridicularizar com essa mania estapafúrdia de querer mudar nossa língua, aquela Flor bela do Lácio, hoje desmoralizada nas redes sociais.

                                                   

Bsb, 4.01.24

domingo, 31 de dezembro de 2023

 

RESSAIBO DOS FATOS E DAS COISAS

 

     


                                     
Murilo Moreira Veras

 

 

Noutros tempos, os quais não voltam mais, esse cronista pensou   escrever sobre a diuturnidade, fatos corriqueiros, coisas acontecíveis do dia a dia, de somenos, mas interessantes. Não fez mais do que quatro ou cinco linhas num tabloide estudantil, feito à mão.

Sim, coisas do passado, esse passado sombreado de nuvens, algumas letras e um sol brilhando em passos, ainda trôpegos, mas sinceros, vívidos. Era a adolescência, com seus pruridos de encanto e fantasia.

Os amigos de verdade eram poucos, escolhidos naquele verdadeiro espaço de rapazes solertes, barulhentos e infantis, ginasianos do famoso Liceu Maranhense. Depois, quatro anos de estudos, subia-se a escadaria que dava para o andar de cima — o máximo dos máximos, a etapa final, o científico, agora rapazes e moças, estas vindas de colégios femininos.

O folguedo maior, que se destacava do buliçoso convívio das garotas, era, nos intervalos mais longos, dar uma volta na Praça Gonçalves Dias, cinco ou seis quarteirões do Liceu. Comer melancia ou simplesmente ficar a toa e desfrutar a brisa do mar, sob o olhar vetusto do poeta indianista Gonçalves Dias aboletado na sua torre de ébano, ali, no meio de sua praça.

De tarde, ali pelas três ou quatro horas, o sol já morno, o melhor era a turma se encontrar todos os dias em frente à Livraria Estudantil, na praça João Lisboa — e ficar contando lorotas. Muitas vezes o tema era o futebol, que a maioria gostava e vibrava em favor de seu time predileto. Mas havia os que o assunto era os temas gerais, a vida alheia, os namoricos, cinema, literatura.

São recordações que se esvaem no tempo. E nos vem à telha, onde estarão esses velhos camaradas, desaparecidos na linha do tempo, passaram desta vida para a melhor?

E é assim que a vida se desvela, um fio que se desenrola, desenvolto, inescapável no seu trânsito, cujo fim desconhecemos.

Esses amigos, velhos camaradas de conversa, falastrões às vezes, todos parecem que se foram. Um ou outro o destino nos faz encontrar, inesperadamente. Trocamos algumas ideias e desaparecemos em seguida.

São como resquícios do tempo, da vida, fatos e relatos que se desenrolam, perdidos e esquecidos.

Então é à margem desse tecido temporário que nos vem à mente  aquele estouvado aforismo, desenterrado da mente, onde jazia escondido — esses Ressaibos dos Fatos e das Coisas, justo agora quando este já vetusto cronista do espaço e do tempo, desfia esses pensamentos.

                Onde estão esses companheiros, não o sei, desapareceram pelos umbrais ignotos desta vida. Então me vem à mente aquele filete de pensamento que ousei revolver da mente, uma fita velha de lembrança desse já algo defasado escrevinhador, algo que vem à mente, sempre me enleva e me faz crer que ainda vale a pena viver,  assim como sonhar e escrever — é este soneto de Olavo Bilac, quem tiver ainda ouvido ouça e coração não deixe nunca de amar:

                 

                                         VIA-LACTA

                   Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
                   Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
                  Que, para ouvi-las, muita vez desperto
                  E abro as janelas, pálido de espanto...

                 E conversamos toda a noite, enquanto
                A Via-Láctea, como um pálio aberto,
               Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
               Inda as procuro pelo céu deserto.

               Direis agora: "Tresloucado amigo!
              Que conversas com elas? Que sentido
              Tem o que dizem, quando estão contigo?"

             E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
            Pois só quem ama pode ter ouvido
            Capaz de ouvir e de entender estrelas.

                                   Bsb, 31.12.23