ENRAIZAMENTO E PERSONALISMO
— ESTRATÉGIAS CRÍSTICAS
Simone Weil (1904-43) e Emmanuel Mounier (1905-50) foram dois filósofos franceses que nos legaram duas contribuições, a nosso ver, muito importantes ao ideal cristão. Sobretudo devido a influência que os dois pensamentos influíram num período agônico da civilização dita ocidental, as duas guerras mundiais, vertentes e decorrentes do comunismo stalinista e nazismo de Hitler.
Os dois, em tempos
obscuros, nos quais prevaleciam o ódio e a violência, o mundo em estado de
apatia, onde o medo e a paralisia mental e filosófica grassavam, ante essas
duas catástrofes, não só físicas como filosóficas, os dois Simone Weil e
Emmanuel Mounier tornaram-se, por assim dizer, os baluartes desse
pensamento novo, dessa filosofia que sob os aportes de dois grandes pensadores,
ousavam desafiar essas catástrofes, com diretrizes calcadas na razão, no sentimento e sobretudo estimuladas
pela fé, a preconizar uma renovação no cristianismo.
Embora sem nunca terem
se encontrado, os dois filósofos, a professora recém-formada Simone Weil,
judia e recentemente aderente aos ideais cristãos e Emmanuel Mounier,
jornalista combatente, filósofo, altruísta e defensor da liberdade, juntaram
seu idealismo, para se oporem à violência, ao tribalismo então vigente, seja do
lado alemão e seus comparsas e o terrorismo crescente do comunismo na Europa e
no mundo.
De um lado, Weil calca-se
no pensamento de Sócrates, Aristóteles e
Platão, mas de visão mais moderna,
impregna-se dos ditames socialistas em
voga, enquanto procura uma saída,
diríamos místico-realista, em face da
violência de um capitalismo selvagem
crescente e o aforismo anunciado pelo marxismo supostamente salvacionista.
Crê-se, em princípio, defensora da classe trabalhadora, inclusive como operária
de um fábrica, depois, adere aos atavios
ilusórios do socialismo, inclusive, participa da Revolução Espanhola, da
qual foge decepcionada e frustrada em todos os sentidos. Já de certo modo
convertida às ideias cristãs, Weil cria uma filosofia própria, de um heroísmo
brilhante, capaz de agir como salvação para o crescente materialismo, enquanto
os preceitos evangélicos perdem sua energia mística. É o que ela em livro
modelar denomina de a teoria do Enraizamento, força místico-religiosa
capaz de unir as pessoas, as classes sociais e dar-lhes o vigor necessário de transformação das
sociedades até capaz de elevar o mundo,
então em crise.
Já Mounier, por
circunstância do destino, sem nunca ter se encontrado com Weil, embora vividos
à mesma época, foi um jornalista combatente, de ideário cristão, educado em
família católica, desde cedo defendeu os ideais evangélicos. Fundou um jornal
Le Spirit, no qual combatia com fervor os ideais de fraternidade, sobretudo
defendendo a liberdade, ante a violência das correntes oportunistas, o
socialismo e os regimes de força que iniciam viger à época, como o nazismo
hitlerista e o regime de Mussolini na Itália. Como defensor tenaz da liberdade,
prerrogativa essencial ao ser humano, Mounier, também filósofo, fundamenta suas
ideias liberais na teoria que denominou Personalismo
Cristão . Segundo ele, o ser humano é dotado de personalidade totalmente
livre, imune a qualquer outra força que
ofenda a sua personalidade, seu
eu interior cujo lema é a liberdade. Sua personalidade livre não o força, no
entanto, a se confiar ao outro, a se mostrar altruísta e nobre respeitando as
pessoas, isto é, ser solidário, em atos e pretensões. O personalismo teórico de
Mounier não o priva, entretanto, de acreditar nos benefícios criados pela
modernidade, e não se tornar retrógrado. Em seu famoso livro, que consideramos
sua obra prima Le Petit Peur du XX éme Siécle — Mounier nos dá uma aula
de modernidade, inclusive prevendo as benfeitorias da máquina, como um dos
maiores instrumentos da civilização moderna. Compara nossos braços e pernas
como máquinas, máquinas da evolução do ser humano, iguais aos instrumentos maquinicos
das invenções humanas.
A nosso ver, a traços
evidentemente muito largos quanto as duas formulações filosóficas, os dois
reconhecidos apóstolos modernos do cristianismo, Weil e Mounier, nos
bastam para considerar as duas proposições fundamentais, se quisermos obter uma resposta construtiva, visando uma
sociedade mais justa, e ao mesmo tempo progressista, sem nos envolver no
cientificismo materialista e relativista. Ao mesmo tempo — claro que
teoricamente — seria talvez a solução mais viável de melhoria de nosso
problemático mundo. Quem sabe não aderíamos a velha, mas belíssima saída, preconizada por
Leibniz de o mundo possível, que não discorda muito do Novo Reino previsto
messianicamente pelo Mestre dos Mestres nos Evangelhos.
Bsb, 25.09.24