segunda-feira, 1 de julho de 2019

                     SÃO  LUÍS - A REALIDADE
                    E  O  MITO
















       Todas as vezes que visitamos São Luís — cidade natalina de minha esposa — deparamo-nos, por vezes, com surpresas inauditas. Uma delas ocorreu na Feira do Livro, a que comparecemos certa feita, atendendo a convite dos jornais. Evento marcado para 19 horas no espaço Reviver no Centro Histórico da Praia Grande, sem qualquer explicação o horário foi descumprido, o público que ali acorrera e ocupara todo o recinto, deixado à deriva — e pior, sob calor escaldante. Enquanto isso os supostos organizadores, sem se importarem com a assistência, transitavam displicentemente pelo recinto. A essa altura, depois de uma espera de mais uma hora, vimos turistas, certamente interessados em livros, como nós, debandarem de seus assentos no improvisado anfiteatro, decepcionados com tanta displicência — o que também o fizemos, logo depois.
Nesta oportunidade, felizmente a surpresa não nos foi de todo decepcionante. A verdade é que aportávamos com o interesse de comprovar as badaladas reformas empreendidas pelo atual Governo maranhense, ou seja, o Largo da Biblioteca Pública Benedito Leite, a Praça Deodoro e as obras ainda em conclusão da Rua Grande, ex-Oswaldo Cruz.
É sobre tais fatos que queremos fazer algumas observações, à guisa de reflexão pessoal, nada cominativa. Quanto às reformas, nada contra, haja vista que necessárias e não há negar oportunas, considerando o panorama anterior, onde vicejavam, com a devida licença, a sujeira e o desvario, trazendo absoluto desconforto aos turistas visitantes. O que se presenciava era o estardalhaço dos camelôs, encarapitados em suas barracas a atenderem clientela em tropel, enquanto o turista, desavisado, assistia a graveolência impregnando o local.
Sobre as reformas, tanto do Largo da Biblioteca quanto da Praça Deodoro, corretas que sejam no seu aspecto funcional e de ludicidade, temos para nós outros que elas nada têm de colonial ou históricas, em estilo e formato. Assim, destoam do teor de historicidade prevalente no Tombamento Patrimonial da Humanidade, ou, em outras palavras, as obras empreendidas quebram o paradigma histórico fundante do citado Tombamento. Já as obras da Rua Grande — a principal artéria da Capital — preocupou-nos não a reforma em si, sem dúvida imperiosa, mas a forma como voltou a ser ocupada, uma multidão a percorrer-lhe o ladrilho, poluindo-a, como dantes, numa verdadeira massificação coletiva, dando à via pública, não aspecto de grandeza como soe ocorrer às grandes capitais, mas de uma simples viela interiorana, repleta de utensílios expostos. E como não bastasse, tivemos o desprazer de flagrar numa casa comercial, logo após a Viração, cuja frontispício — pasmem — estava decorado nada menos que com maletas! Uma coisa realmente deplorável, espécie de crime de lesa via ou lesa vista, atentatórios ao bom gosto e à eticidade.
Quantas vezes, estudantes, vindos do Liceu, Campo do Ourique, eu e alguns colegas, não percorremos a velha, mas saborosa Rua Grande, a apreciarmos a paisagem das casas comerciais, alinhadas, livres de quaisquer coisas que lhes tolhessem o visual, sem entulhos, tabuletas ou artigos fora de suas prateleiras, a par dos viandantes que a coloriam com suas passagens!
Era um deleite subir ou descer a rua Grande, embora maior o fosse utilizar os bondinhos como transporte — desfrute, hoje, perdidos na poeira do tempo.
Não somos absolutamente contra as novas reformas adotadas para a vetusta Cidade, supostamente fundada pelos franceses em 1612, como reza a historiografia oficial. Somos contra, sim, ao tombamento a que a cidade foi submetida. A razão é simples: se por um lado o ato enaltece a Cidade integrando-a ao Patrimônio da Humanidade, por outro paralisa o seu andamento, elimina sua modernidade, impedia-a de crescer e florescer, como desfrute turístico — este, sim, o tour-de-force que alavanca qualquer cidade que almeje ser alvo da concupiscência exterior e fonte de arrecadação de recursos.
E tem mais. Se a mídia diária se compraz tanto em alardear a revitalização, apoiada em fontes oficiais, à conta do Patrimônio da Humanidade, seria de indagar: por que esses mandantes superiores escamoteiam certos fatos da história maranhense, a ponto de não fazerem constar do Panteon do Largo da Biblioteca os bustos, por exemplo, de Gonçalves Dias e Humberto de Campos, dentre as figuras antigas e modernas, vultos também ilustres, como Lago Burnett, Ferreira Gullar, José Louzeiro e mais ligados à cultura da terra, os recentemente falecidos Nauro Machado, Mário Martins Meirelles e Jomar Morais?  E por que não os padres João Mohana e Jocy Neves Rodrigues?
Segundo O Imparcial — periódico que nada tem de equânime — apregoa a quatro ventos que o Governo pretende aplicar, através do projeto Nosso Centro, cerca 140 milhões, para reconstruir três mil imóveis tombados pelo Patrimônio Histórico Estadual , todos, pelo visto e facilmente encontradiços,  em estado de total e completa ruína. Há cerca de um ano, o custo de reconstrução de um prédio situado perto da Praça de Benedito Leite, segundo constava da placa no local, estava orçado em R$500.000,00. Ora, num cálculo rápido; 3 mil imóveis atingiria a cifra astronômica de R$ 1 bilhão e meio! Certamente o Estado iria à falência, em prejuízo da demanda de recursos para educação e infraestrutura. Observe-se que, segundo o IBGE, ligado ao PNAD, em 2017, o Maranhão possuía mais de 851 mil analfabetos, à frente apenas do estado de Alagoas.
Temos, em razão disso, que o melhor alvitre para o Maranhão seria empreender, até mesmo com urgência, o desbloqueio desse famigerado tombamento, na verdade uma grande falácia. Contribui, isto sim, para a paralisia da Cidade, embargando seu natural desenvolvimento. Compare-se com Brasília,  cujo Plano Piloto colocou a Capital Federal  numa verdadeira camisa-de-força, enquanto a periferia, as cidades satélites, prolifera, amontoando pessoas, a maioria migrantes, com mazelas e necessidades a crescerem vultuosamente.
Devido tal circunstância, só temos de lastimar a cidade gonçalvina — decantada em prosa e verso por seus melhores cultores, o maior deles talvez o autor da prosaica Canção do Exílio, sem falar de outros luminares, cientistas, poetas e escritores, que também  iluminaram o Maranhão, não lhe sendo atoa o famoso epíteto de Atenas Brasileira.
É o que temos a dizer, após nossa mais recente visita turística a  São Luís — cidade que nada mais é do que a representação moderna da vetusta vila de Nossa Senhora de Nazaré, sob o mítico disfarce de cidade francesa.

CDL/Bsb, 02.07.10

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