E O MITO
Todas as vezes que visitamos São Luís — cidade natalina de minha esposa — deparamo-nos, por vezes, com surpresas inauditas. Uma delas ocorreu na Feira do Livro, a que comparecemos certa feita, atendendo a convite dos jornais. Evento marcado para 19 horas no espaço Reviver no Centro Histórico da Praia Grande, sem qualquer explicação o horário foi descumprido, o público que ali acorrera e ocupara todo o recinto, deixado à deriva — e pior, sob calor escaldante. Enquanto isso os supostos organizadores, sem se importarem com a assistência, transitavam displicentemente pelo recinto. A essa altura, depois de uma espera de mais uma hora, vimos turistas, certamente interessados em livros, como nós, debandarem de seus assentos no improvisado anfiteatro, decepcionados com tanta displicência — o que também o fizemos, logo depois.
Nesta
oportunidade, felizmente a surpresa não nos foi de todo decepcionante. A
verdade é que aportávamos com o interesse de comprovar as badaladas reformas
empreendidas pelo atual Governo maranhense, ou seja, o Largo da Biblioteca Pública Benedito Leite, a Praça Deodoro e as obras ainda em conclusão da Rua Grande, ex-Oswaldo Cruz.
É
sobre tais fatos que queremos fazer algumas observações, à guisa de reflexão
pessoal, nada cominativa. Quanto às reformas, nada contra, haja vista que
necessárias e não há negar oportunas, considerando o panorama anterior, onde
vicejavam, com a devida licença, a sujeira e o desvario, trazendo absoluto
desconforto aos turistas visitantes. O que se presenciava era o estardalhaço
dos camelôs, encarapitados em suas barracas a atenderem clientela em tropel,
enquanto o turista, desavisado, assistia a graveolência impregnando o local.
Sobre
as reformas, tanto do Largo da Biblioteca quanto da Praça Deodoro, corretas que
sejam no seu aspecto funcional e de ludicidade, temos para nós outros que elas
nada têm de colonial ou históricas, em estilo e formato. Assim, destoam do teor
de historicidade prevalente no Tombamento Patrimonial da Humanidade, ou, em
outras palavras, as obras empreendidas quebram o paradigma histórico fundante
do citado Tombamento. Já as obras da Rua Grande — a principal artéria da
Capital — preocupou-nos não a reforma em si, sem dúvida imperiosa, mas a forma
como voltou a ser ocupada, uma multidão a percorrer-lhe o ladrilho, poluindo-a,
como dantes, numa verdadeira massificação coletiva, dando à via pública, não
aspecto de grandeza como soe ocorrer às grandes capitais, mas de uma simples
viela interiorana, repleta de utensílios expostos. E como não bastasse, tivemos
o desprazer de flagrar numa casa comercial, logo após a Viração, cuja
frontispício — pasmem — estava decorado nada menos que com maletas! Uma coisa
realmente deplorável, espécie de crime de lesa
via ou lesa vista, atentatórios ao
bom gosto e à eticidade.
Quantas
vezes, estudantes, vindos do Liceu, Campo do Ourique, eu e alguns colegas, não
percorremos a velha, mas saborosa Rua
Grande, a apreciarmos a paisagem das casas comerciais, alinhadas, livres de
quaisquer coisas que lhes tolhessem o visual, sem entulhos, tabuletas ou
artigos fora de suas prateleiras, a par dos viandantes que a coloriam com suas
passagens!
Era
um deleite subir ou descer a rua Grande, embora maior o fosse utilizar os bondinhos
como transporte — desfrute, hoje, perdidos na poeira do tempo.
Não
somos absolutamente contra as novas reformas adotadas para a vetusta Cidade,
supostamente fundada pelos franceses em 1612, como reza a historiografia
oficial. Somos contra, sim, ao tombamento a que a cidade foi submetida. A razão
é simples: se por um lado o ato enaltece a Cidade integrando-a ao Patrimônio da
Humanidade, por outro paralisa o seu andamento, elimina sua modernidade,
impedia-a de crescer e florescer, como desfrute turístico — este, sim, o tour-de-force que alavanca qualquer
cidade que almeje ser alvo da concupiscência exterior e fonte de arrecadação de
recursos.
E tem
mais. Se a mídia diária se compraz tanto em alardear a revitalização, apoiada
em fontes oficiais, à conta do Patrimônio da Humanidade, seria de indagar: por
que esses mandantes superiores escamoteiam certos fatos da história maranhense,
a ponto de não fazerem constar do Panteon
do Largo da Biblioteca os bustos, por exemplo, de Gonçalves Dias e Humberto de Campos, dentre as figuras antigas e
modernas, vultos também ilustres, como Lago
Burnett, Ferreira Gullar, José Louzeiro e mais ligados à cultura da terra,
os recentemente falecidos Nauro Machado,
Mário Martins Meirelles e Jomar Morais? E por que não os padres João Mohana e Jocy Neves Rodrigues?
Segundo
O Imparcial — periódico que nada tem de equânime — apregoa a quatro ventos que
o Governo pretende aplicar, através do projeto Nosso Centro, cerca 140 milhões, para reconstruir três mil imóveis
tombados pelo Patrimônio Histórico
Estadual , todos, pelo visto e facilmente encontradiços, em estado de total e completa ruína. Há cerca
de um ano, o custo de reconstrução de um prédio situado perto da Praça de
Benedito Leite, segundo constava da placa no local, estava orçado em
R$500.000,00. Ora, num cálculo rápido; 3 mil imóveis atingiria a cifra
astronômica de R$ 1 bilhão e meio! Certamente o Estado iria à falência, em
prejuízo da demanda de recursos para educação e infraestrutura. Observe-se que,
segundo o IBGE, ligado ao PNAD, em 2017, o Maranhão possuía mais de 851 mil
analfabetos, à frente apenas do estado de Alagoas.
Temos,
em razão disso, que o melhor alvitre para o Maranhão seria empreender, até
mesmo com urgência, o desbloqueio desse famigerado tombamento, na verdade uma grande falácia. Contribui, isto sim,
para a paralisia da Cidade, embargando seu natural desenvolvimento. Compare-se
com Brasília, cujo Plano Piloto colocou
a Capital Federal numa verdadeira camisa-de-força, enquanto a periferia,
as cidades satélites, prolifera, amontoando pessoas, a maioria migrantes, com mazelas
e necessidades a crescerem vultuosamente.
Devido
tal circunstância, só temos de lastimar a cidade gonçalvina — decantada em
prosa e verso por seus melhores cultores, o maior deles talvez o autor da
prosaica Canção do Exílio, sem falar
de outros luminares, cientistas, poetas e escritores, que também iluminaram o Maranhão, não lhe sendo atoa o
famoso epíteto de Atenas Brasileira.
É o
que temos a dizer, após nossa mais recente visita turística a São Luís — cidade que nada mais é do que a
representação moderna da vetusta vila de Nossa
Senhora de Nazaré, sob o mítico disfarce de cidade francesa.
CDL/Bsb, 02.07.10
CDL/Bsb, 02.07.10
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