quarta-feira, 10 de julho de 2024

 

LEIBNIZ  E  SUA  ODISSEA DIVINA

     

 

                                   

                                      
                                                                                                                 Murilo Moreira Veras                       

 

Nossa civilização, dita avançada, hoje sob a batuta dos cientistas e difundida a quatro ventos pelas mídias, tenta por todos os meios, atos e fatos nos fazer crer que a fé está ultrapassada e que agora o que prevalece é o raciocínio humano. Aliás, G.K. Chesterton, no século passado já nos advertia sobre isso em seu livro O Que há de errado com o Mundo, mostrando como ideias modernas têm transtornado nossa civilização.

O fato não deve nos estranhar, pois, muito antes, no século XVI, Gottfried Wilhelm Leibniz já tratava sobre esse assunto nos seus escritos, recolhidos em seu fantástico livro Ensaios de Teodiceia, no qual, através de assertivas e argumentos contundentes, conclui que a razão alimentada pela ciência não contradiz a fé. A religião, enraizada na fé verdadeira, não invalida  nem se sobrepõe aos cânones científicos.

Polímata que foi como filósofo, jurista, matemático, cientista, físico e engenheiro, Leibniz se notabilizou por gerar conceitos, além de ter se tornado um dos maiores defensores da existência do Criador, já aquela época, quando os enciclopedistas iluministas ousavam desmoralizar a fé religiosa, com seus alvedrios estapafúrdios em favor da ciência que haveria de dominar o mundo e livrar o ser humano da ignorância e do atraso. Foi o que fizeram Diderot, Rousseau, Voltaire, D’Alembert, Condillac, Louis de Jaucourt, Descartes e outros supostos baluartes do cientificismo ascendente, considerados os corifeus da modernidade.

                Em seus ensaios de Teodiceia, Leibniz comprova, com absoluta sensatez de raciocínio e logicidade, que o Criador não só não joga dados, mas faz muito além da perspectiva eisensteiniana — criou todas as configurações notáveis do universo de tal forma a condizerem com o surgimento do ser humano na Terra, fato, aliás, que se manifesta traduzido no que chamamos hoje princípio antrópico, segundo o qual o universo favorece a existência do ser humano na Terra, ao propiciar-lhe todas as propriedades e requisitos necessários à sua existência. Ora, quem propiciou tai requisitos senão o próprio Criador?

Em certo excerto de sua Teodiceia — termo inclusive criado pelo próprio Leibniz – ele afirma: Até que ponto a fé e a razão estão em conformidade e até que ponto a sabedoria mundana pode ser empregada na doutrina divina? Pressuponho que duas verdades não podem se contradizer e que o que é relativo à fé consiste na verdade que Deus revelou de maneira extraordinária; mas a razão não é senão uma cadeia ou conexão de verdade, particularmente aquelas (quando se deixa a fé de lado) que o entendimento alcança com as suas próprias forças, sem o auxílio da revelação.

 

Tirante alguns cientistas hoje que ainda são criacionista, como Michail J. Behe, bioquímico católico, autor de A Caixa Preta de Darwin,  a  maioria são pragmáticos, acham que a razão, o conhecimento adquirido pelo  ser humano se sobrepõe à fé e, portanto, a religião está ultrapassada. Observe-se que o próprio Einstein, ao contrário do que muita gente desavisada pensa, nunca disse que era ateu, mas, sim, acreditava nos postulados de Espinosa, isto é, que Deus era a natureza. Outro exemplo, é o caso do entólogo britânico, evolucionista contrito, que até pouco tempo se batia contra a religião, pois acaba de anunciar na  rádio britânica LBC em abril que ele se sente culturalmente cristão.

É de vê-se, assim, que Leibniz e suas arguições continuam em vigor, com seu raciocínio brilhante, com que não só prova a existência de Deus, Criador do universo, mas adota posição das mais instigantes — de que, segundo suas próprias palavras:

Deus escolheu o melhor de todos os universos possíveis

Dessa forma, se o menor mal que acontece no mundo não tivesse lugar, não seria mais este mundo, o qual tudo contado e calculado foi considerado.

Não há, pois, como negar, com base em argumentos fortalecidos por esse extraordinário polímata da idade média, que foi Leibniz, que nós outros, embora por vezes incautos e vacilantes na pouca fé que ainda alimentamos, vivemos no mais possível dos mundos, aquele escolhido pelo Criador cuja inefabilidade se encontra além de nossa pobre capacidade por mais inteligente e maravilhosa que seja.

 Bsb, 10.07.24

 

 

 


 

 

sexta-feira, 31 de maio de 2024

 

O FIM DA INFÂNCIA — UTOPIA

OU MATERIALISMO CIENTÍFICO?

 

 


 

Dou-me tratos à bola ao resolver criticar o livro de Arthur C.Clarke, O Fim da Infância, considerado o tour-de-force dos romances do autor dentre o portfólio de dezenas de outros que escreveu, enquanto em vida.

O livro foi elogiado, inclusive pelo escritor cristão C.S.Lewis, que lhe fez loas por sua previsão de que o ser humano jamais devia trocar sua liberdade  por favores de seres alienígenas.

O centro nevrálgico do livro de Clarke, a nosso ver, é a invasão da Terra por seres alienígenas que, de forma estupefaciente, se apoderam do mundo. Ao contrário do imaginável, os invasores não cometem nenhuma atrocidade, como previsível, ao contrário, tomam o poder de maneira silenciosa, inclusive sob regime democrático, a ponto de melhorar as condições do povo.

Em contraponto, o comando do mundo fica sob as ordens de um tal Overlords, ser na verdade invisível. Ele supervisiona tudo, mas sempre visando a  melhorar as condições de vida das pessoas, das nações, com leis e normas que  preveem o progresso, sobretudo o conhecimento científico. Entretanto, há fatos que são proibidos, fazer guerras ou criar algo que não seja aprovado por este Ser invisível. Em outras palavras, o povo, as pessoas, não passam doravante a serem uma espécie de escravos limpos, isto é, sem vontade própria, o que significa a despersonalização das pessoas.

Ora, o autor,  apesar de toda sua qualificação até como especialista, pois cooperou na construção de artefato cosmológico, ao  escrever esta novela O Fim da Infância, parece,  a nosso ver,  imitar outro fabulador notável Aldoux Huxley, com seu Admirável Mundo Novo  e seu guardião geral o Big Brother, a comandar as pessoas e o mundo todo — este com mão de ferro e o  Overlords, espécie de Bom Irmão. Ambos não passam de ditadores.

Clarke narra essa novela pouco a pouco com a desenvoltura de um , grande autor o que ele sem dúvida o é. Seu objetivo é tentar persuadir o leitor sobre o realismo de sua ficção científica. Não me parece o faça. Algumas ocasiões ele parece ignorar que escreve ficção científica e acaba narrando um romance ficcional, com certos efeitos novelísticos, basta verificar a quantidade de diálogos e descrições. Algo parecido com o estilo que usou em outro de seus livros —  O Último Teorema, escrito em parceria com Frederik Pohl.

Entremos um pouco no enredo do livro. Para combater Overlords, o manda chuva e inimigo da humanidade, as pessoas insatisfeitas com a situação criam a Liga da Fraternidade (Freedom League), para combatê-lo e libertar o mundo de sua tirania. Na realidade, a Liga não consegue êxito, pois o povo se encontra feliz, pelo simples fato de a suposta tirania trazer paz e segurança ao mundo. Como manobra política e espécie de isca na trama, Karellen,  representante de Overlords,  resolve raptar Stormgren, o Secretário Geral das Nações Unidas, para conter qualquer reação da parte da Liga.

Acontece que essa novela de Clarke foi escrita justamente à época da Guerra Fria, causada pelo estremecimento entre os Estados Unidos e a Rússia Soviética, com consequências graves para todo o mundo, por medo de que as duas potenciais armadas se lançassem numa guerra suicida, para ambas as nações e o mundo.

O que nos assusta nesta novela dos idos de 1950 é que sua temática tenha atraído a atenção de muitos escritores, inclusive C.S.Lewis, que defendia o cristianismo, ele recém-aderente à igreja anglicana. Ora, na realidade Arthur C. Clarke não parece nada interessado no cristianismo, ele próprio assume  ideias budistas, basta atentarmos para muitos dos entrechos e especulações extraídas de sua novela — não só nesse livro, mas quase todos os publicados, inclusive a série Rama, de muito sucesso.

Salvo engano, em O Fim da Infância o autor em nenhum momento sugere que os terrestres, sob a tirania dos invasores alienígenas, mesmo sem usarem a força, digamos que pacíficos, a troquem por um regime de orientação crística, cristã ou evangélica — tanto que os humanos estão satisfeitos com o regime imposto pelos invasores. Penso justamento o contrário, os supostos escravizados querem é aprender cada vez mais com os invasores, desfrutarem de mais conhecimentos científicos, serem iguais a eles, nada de religião, que significa, isto sim, atraso, ignorância, até insinuam a  fazerem guerras.

Aliás, para sermos fiéis, o mundo, nossa civilização atual, tudo faz crer  caminhar para um futuro, onde prevalecerá o cientificismo, haja vista o desenvolvimento inaudito da IA, com a proliferação de robôs, ditos humanoides e outros artefatos modernos de tirar o fôlego, holografia, teletransporte, viagens espaciais, guerras intergalácticas e que tais, itens já explorados no cinema, mídia, literatura e afins.

E o que não vemos, nem nos aponta o futuro, é nos tornamos uma civilização solidária, onde prevaleça a paz total, as pessoas alcancem nível superior em transcendência, acreditem mais no Criador Supremo e ascendam espiritualmente em sabedoria, amor e harmonia.

                                                       Bsb, 31.05.24

 

  

 

quinta-feira, 16 de maio de 2024

 

              ADMIRÁVEL MUNDO NOVO?

 

 


 

 

Não há negar — vivemos hoje nada menos, que os dias psicodélicos do escritor inglês Aldoux Huxley, em seu  famoso livro  Admirável Mundo Novo. Para os que o desconhece, o autor foi considerado, à época, um dos principais  intelectuais vivos.

Escritor prolífico que, tomando por tema um futuro nebuloso para a humanidade, previu em seu profético  Admirável Mundo Novo que o mundo seria totalmente governado por um certo Big Brother, o Grande Irmão, a quem seríamos sujeitos e comandados, perdendo por completo nossa liberdade, em ação e palavras, ou seja, seríamos todos escravos de um grande e invulnerável ditador. 

Ora, não precisa grandes elucubrações para compreendermos que  sua profecia, como as do vetusto Nostradamus, se encaminham para serem cumpridas. É claro que na medida das proporções — as de Nostradamus sujeitas a interpretações as mais difusas. Nem tão difusas às de Aldous Huxley.

O que vemos hoje, diante de nossos olhos, mediante e através de uma mídia vaporizada e anódina, senão a virtualidade de um mundo totalmente apoplético, onde prevalece a loucura e o desconstrutivismo. Aliás, bem de acordo  com Jacques Derrida e sua filosofia desconstrutivista.

O mundo está para ser controlado por um Big Brother, só não vê quem não quer. Não  um Big Brother huxliano , mas, sim,  espécie de movimento, ou seja, uma apologética de caráter universal, sub-repticiamente denominada de mundialismo. Se consultarmos os alfarrábios, é fácil verificar que tal movimento constitui na realidade nada menos que uma linha de crescimento do marxismo, não aquela  ultrapassada de Karl Max e, sim, sua contraparte, evoluída, inobstante ser muito mais destrutiva em sua ação controladora da sociedade. Trata-se do marxismo cultural criado por Antonio Gramsci,  ideologia que se espalhou rapidamente, como um vírus, a corroer as sociedades, não mais como um movimento sócio-político e econômico, mas, sim, cultural, a atingir os cérebros das pessoas, modificar o sentido de patriotismo das nações, desmontar preceitos e substitui-los por um internacionalismo supostamente solidário, na verdade, levando o mundo ao servilismo político, mediante uma governança única e universal. É o que vige hoje como  geopolítica — mundialismo, universalismo, globalismo e seus filiados, Gaia, Mãe Terra, aquecimento global e quejandos. Gramsci atualizou Marx e supostos gênios o sacralizaram: Foucault, Bourdieu, Pasolini, Paulo Freire, Chomsky, Eco, Zigmunt  Beauman.

E, como não bastasse, o mundo a surpreender-se com o avanço extraordinário da ciência com a evolução da IA, hoje construindo máquinas superinteligentes, os chamado robôs humanoides, saindo dos fornos tecnológicos da Tesla Bot de Ellon Musk, AABB Robotics, Kuka, alemã, Fanuc, japonesa, Conau, italiana, Iaskawa, com 500.000 de robôs fabricados e et allia. É uma avalanche de engenhocas, que falam, fazem entrevistas, uma delas acaba de dizer que irá destruir toda a humanidade, outras vão se tornar belíssimas amantes.

Enquanto isso, nós simples mortais, temos que viver nessa mais nova Sodoma e Gamorra, que vem se tornando esse novo velho mundo, aos trancos e barrancos. Um belo dia, não muito distante, seremos governados, sim, por um novíssimo Big Brother, desta feita não tirado à imaginação criativa de Aldous Huxley, mas, muito mais moderno, poderoso e sarcástico — o Anticristo in persona, aquele que todos já conhecemos, basta ler o Apocalipse, lá está ele, zombando a conquistar o maior número de adeptos.

Sim, Maktub,  quem viver, verá.

                                                                  Bsb, 16.05.24