UM SALTO NO ESCURO
Murilo Moreira Veras
Sören Kiekergaad
(1833-55), suposto filósofo dinamarquês, certa feita, escreveu: “A fé é um salto no escuro”. Aliás, essa
frase tem viralizado entre gregos e troianos, filósofos e escritores.
Não, senhor Kiekergaard — a fé jamais será um
salto no escuro. Se assim o fosse toda a liturgia cristã e apologética cairia
de água abaixo, posto que contrária até mesmo aos Evangelhos e, principalmente
aos ensinamentos do Mestre Jesus, quando
afirma:
“Eu sou
o caminho, a verdade e a vida.”
Equivoca-se, pois, Kiekergaard quando faz tal
afirmação, que de certo modo desmoraliza os ensinamentos crísticos. Faz das
palavras de Jesus uma mentira — como se a Fé cristã não fosse a maior
expressão, até mesmo sinalizando a mística da fidelidade da criatura para com
seu Criador. Ademais, não faz sentido, desmistificar a fiança que depositamos
no Salvador.
Na dogmática cristã, a fé é o maior sinal de
que acreditamos no Senhor, Criador do universo e nele depositamos nossa
confiança nos seus Mandamentos. Dir-se-á “A fé é o nosso mandato de esperança
absoluta ao Senhor”. É a fé que nos salva, não a subserviência, a mera
aceitação de que o aceitamos. Como torná-la uma mera intervenção vazia, sem
esperança?
Veja-se, em resumo, o que nos diz o
Vocabulário de Notas da Bíblia do Peregrino sobre a Fé:
a)
crê
em Deus e nas palavras do Mestre Jesus;
b)
acreditar
que Jesus é o Salvador (Mt 9:2);
c)
é
a decisão e por ela é que se obtém a justiça (Rom 10:14-17);
d)
justifica-se
nas obras, produzindo vida e vida em abundância
(Jo 20-31);
e)
equivale
a esperança (Hb 11)
Como um crente em Deus
pode exercer sua fé dando um salto no
escuro, com morte certa? Saltar de uma montanha e esperar que o acaso o
salve da morte?
Convenhamos, é um
total absurdo. Esse senhor, que se diz cristão, criou um aforismo totalmente
acéfalo, do ponto de vista da fé cristã. Ora, é justamente o contrário — a Fé é
um salto, sim, não dado no escuro, mas para a Luz. É um salto de uma pessoa,
como sua adesão à Verdade, transformação de consciência, mudança de vida,
convicção de que a vida tem um sentido, o sentido da eternidade, ou seja, de
que não vivemos por viver, segundo o chavão sartriano.
Na verdade, o que ele
quis talvez dizer com o salto no escuro, é que a fé é uma espécie de adesão ao
vazio, isto é, o que para ele vale mesmo é sua existência, o tal salto não
passa de um disfarce, uma adesão ao materialismo, não propriamente o dialético,
mas o existencial. Por isso Kiekergaard
é considerado o Pai do existencialismo.
Mesmo se dizendo
cristão, ele abraça, ou cria esse chamado existencialismo o qual, mais tarde
foi deturpado por Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus,
Heidegger, Marleaux-Ponti, e Karl
Jasper, cada qual com suas divergência de pensamentos.
Sartre é considerado a expressão do
existencialismo ateu, mediante seu ativismo social e político, influindo muitas
pessoas com seu ditame — A existência precede a essência. Isto é,
para ele a pessoa é livre para fazer o que quiser. Em seguida se contradiz
afirmando, embora tenha liberdade absoluta, o ser humano é condenado a ser livre.
Heidegger (1889-1976), que a literatura
filosófica considera ter criado o termo existencialismo,
apresenta a problemática do Ser com o
livro O Ser e o Tempo. Enquanto Karl
Jasper (1883-1969) e Gabriel Marcel (1889-1973) atenuavam o materialismo
sartriano com seu existencialismo cristão
— o que não muda muita coisa, pois somos seres criados por Deus, não da
natureza, segundo a cartilha materialista. Qualquer nomenclatura adotada,
cai-se sempre no vilão do agnosticismo, que não se coaduna com a Fé Cristã. E o
que é pior, os reflexos dessa espécie de filosofia vão produzir outras
anomalias, como o desconstrutivismo
de Jacques Derrida, o estruturalismo de Julia Kristeva e Roland Barthes, até a
frenética ideologia de Michel Foucault, o mais histriônicos dos filósofos da
modernidade. Defraudam-se assim os pilares essenciais da filosofia — que é o
estudo da Sabedoria em si, não os ideais apopléticos de certos aventureiros.
Em concluindo, assim como essa teoria do salto
no escuro da fé do sr. Kiekergaard, outras têm proliferado e contaminado a
filosofia de nosso tempo — todas contribuindo para a encruzilhada em que se
encontra hoje o ser humano, em lucubrações vãs. Isto, sim, é um salto no
escuro, como se estivesse à beira de um abismo.
Vêm-nos à mente aquelas palavras de
Shakespeare, na peça Hamlet, em que o personagem principal diz a Horácio:
“Há mais
coisa entre o céu e a terra do que pensa tua filosofia.”
Bsb,
10.08.25